O orçamento público brasileiro é o mais engessado do mundo. Cerca de 98% dos gastos públicos já são carimbados. E não param de crescer. O governo não consegue ajustar as contas e acaba se endividando cada vez mais — a dívida pública já chegou a 76% do produto interno bruto (PIB).
Por isso, segundo Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo José Sarney, o país está indo em direção a uma crise fiscal. Com sérias dificuldades de repagar essa dívida cada vez mais gigantesca. “Ninguém sabe quando isso vai acontecer, mas será em breve”, explica Maílson em entrevista a Oeste.
De acordo com o ex-ministro, a solução seria uma mudança na Constituição que acabasse com a obrigatoriedade dos gastos. No fim dos anos 1980, Nóbrega enfrentou um dos momentos mais difíceis da economia brasileira e conseguiu administrar as dificuldades com uma política que chamou de “feijão com arroz” — sem “soluções miraculosas”, realizando somente ajustes pontuais para evitar uma hiperinflação.
A sociedade brasileira, contudo, não aceita uma redução dos gastos públicos. A classe política não entende o tamanho do problema, o mercado está sendo complacente com o governo, e os economistas brasileiros são mal formados. Um conjunto de fatores que está levando o Brasil, a largos passos, para mais um período de turbulências econômicas.
Confira os principais trechos da entrevista.
O resultado primário do governo federal é o pior desde a pandemia. No mês de abril, o Tesouro Nacional registrou o pior superávit, muito abaixo das expectativas do mercado. E a dívida pública voltou a subir. Para onde estão indo as contas públicas brasileiras?
A rigor, estamos indo para uma crise da dívida no Brasil. A menos que seja possível atacar os gastos públicos obrigatórios. No Brasil, quase tudo é gasto obrigatório. Aproximadamente 98% dos gastos têm destinação já carimbada. No mundo, os países dispõem, em média, da metade do orçamento para definir suas prioridades. A outra metade é obrigatória. Ninguém chegou à loucura de colocar os gastos obrigatórios em um nível como o do Brasil. Além disso, muitos desses gastos vão continuar aumentando, como é o caso da Previdência, pois a população está envelhecendo, há menos crianças, estamos perdendo o chamado “bônus demográfico”. E isso vai cada vez mais garrotando os gastos discricionais do governo. Se isso tudo não for corrigido, em algum momento o governo vai esgotar suas possibilidades.
Em breve o governo não terá mais dinheiro para gastar, pois o orçamento federal inteiro terá sido absorvido por despesas obrigatórias?
Segundo dados do próprio Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias superarão 100% do orçamento em 2032. Acredito que isso vai ocorrer antes. Inclusive por causa dos recursos que deverão ser empenhados para a reconstrução do Rio Grande do Sul. É preciso ajudar as prefeituras a se reerguerem, os agricultores e todas as infraestruturas destruídas. Mas nada indica que haverá disponibilidade orçamentária para atender às justificadas necessidades do Rio Grande do Sul. O que vai acontecer é que esses gastos ficarão fora do arcabouço fiscal. Mas eles continuarão sendo gastos públicos. Então a dívida pública vai continuar subindo. Chegará o momento em que o mercado vai perceber que o governo terá dificuldade em pagar em dia suas obrigações.
Quando começou esse engessamento do orçamento público?
A principal causa foi a Constituição de 1988, que criou um sistema previdenciário muito generoso. Naquele momento se considerava necessário, pois o Brasil tinha muitos pobres, a renda era muito mal distribuída. Ninguém fez contas na época. Mas a partir daquele momento o gasto público obrigatório explodiu. Em 1987, quando exerci o cargo de secretário-geral do Ministério da Fazenda, discuti com Pedro Parente, que então trabalhava no Tesouro Nacional, sobre esse problema do gasto obrigatório. Na época, Parente fez um estudo e concluiu que os gastos obrigatórios eram 37% do orçamento. Em pouco mais de 30 anos da promulgação da Constituição, esses gastos quase triplicaram. Esse é o tamanho da maluquice que fizemos.
Mas o Brasil nada mais fez do que criar um estado de “bem-estar social” parecido com o que existe em vários países europeus.
Sim, mas antes eles antes se tornaram ricos e só depois criaram a Previdência Social, o SUS, e outras benesses. No Brasil fizemos o oposto: éramos pobres e quisemos ter estrutura de países ricos. Por exemplo, o Reino Unido, a grande potência do mundo no século 19 e a segunda no século 20, aprovou o Plano Beveridge, que estabeleceu o estado de bem-estar social em meados do século passado. Só que eles eram um país rico. Muito rico. O Brasil não tinha essa condição.
Os governos que se sucederam pioraram a situação das contas públicas?
Existe sem dúvida o dedo de vários governos na deterioração dessa situação. Cada Executivo colocou seu tijolinho na parede da dívida pública. Muitas vezes de forma justificada do ponto de vista social. Por exemplo, Fernando Henrique começou a aumentar o salário mínimo acima da inflação. Lula continuou essa trajetória. Os dois aumentaram o salário mínimo em 80%. Só que o salário mínimo reajusta 65% dos gastos previdenciários, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), deixando as contas públicas ainda mais pesadas. O que começou no governo FHC de forma tímida aumentou de forma exponencial nos governos Lula e Dilma. Bolsonaro também não ajudou, quando no meio da campanha eleitoral quis dobrar o valor do Auxílio Brasil. Com isso, o gasto do Bolsa Família chegou a cerca de 1,5% do PIB. Todos os governos têm sua parcela de responsabilidade nessa situação. E, pior de tudo, o governo está gastando mais, mas não está melhorando a situação da população. O Brasil reduziu muito a pobreza por meio do Bolsa Família quando gastava metade do que está gastando hoje.
Em Brasília perceberam o tamanho do perigo?
Os debates já começaram. Hoje não são apenas os economistas que falam disso. O próprio governo está falando que o Brasil tem um encontro marcado com a crise da dívida. Que vai desaguar em uma crise financeira. Ninguém sabe dizer quando isso vai acontecer. Mas vai acontecer. A Simone Tebet já lançou publicamente um alerta, pedindo para desvincular o salário mínimo da indexação de gastos previdenciários. O Fernando Haddad compartilhou em suas redes sociais um artigo do economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), que diz que é preciso acabar com os mínimos constitucionais para saúde e educação.
Mas o PT sempre foi contra qualquer mudança ou ajuste das contas públicas.
Sim, o PT já disse que é contra. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, fez uma crítica muito severa à ministra Tebet. Portanto, eu acho que neste governo a chance de qualquer mudança positiva para as contas públicas é zero. Não existe sequer o capital político, nem condições ambientais, nem mentais do próprio Lula, que sejam favoráveis para consertar a contabilidade federal. Então é só sentar e esperar. A crise vai demorar mais tempo do que a gente imagina, mas quando chegar será mais rápida do que a gente imagina.
“O governo pode até tentar medidas para tributar os ricos ou criar novos impostos na base do populismo. Mas não vai dar certo. É impossível cobrir o aumento dos gastos obrigatórios com esses novos impostos”
Mas o Brasil não está tão endividado quanto outros países, como os europeus, o Japão, ou até mesmo os Estados Unidos, que têm dívidas públicas que são o dobro ou até o triplo do Brasil. Não há um risco maior de insolvência por parte desses países?
Diferentemente do Brasil, ninguém duvida da capacidade dos europeus e dos americanos de repagar suas dívidas. O Japão tem uma dívida pública de 230% do PIB e continua se financiando sem problemas. Muito pelo fato de os próprios japoneses comprarem títulos do Tesouro nipônico graças a uma robusta poupança interna. No Brasil não temos essa segurança que visamos nos países ricos. Temos limitações sérias de aumento da carga tributária, de corte de gastos, de querer contrariar a sociedade. É necessário dizer que a sociedade brasileira está de acordo com essas loucuras do governo. Se perguntar para os brasileiros, 80% vão dizer que são contra cortes de gastos públicos. Por isso eu acho que será muito difícil evitar uma crise da dívida no futuro.
Quando a crise chegar, a reação imediata do governo será aumentar impostos?
Diferentemente de outros momentos da história, eu acho que não. Em 1988, a carga tributária foi a válvula de escape para absorver essas pulsões gastadoras, mas hoje as coisas são muito diferentes. Eu participei disso como ministro da Fazenda, quando criamos a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) para financiar as despesas obrigatórias criadas pela nova Constituição. Mas naquela época a carga tributária era relativamente baixa, cerca de 30% do PIB. Hoje é muito maior. Existe uma reação negativa da sociedade contra um aumento da carga tributária. E também no Congresso Nacional. O governo pode até tentar medidas para tributar os ricos ou criar novos impostos na base do populismo. Mas não vai dar certo. É impossível cobrir o aumento dos gastos obrigatórios com esses novos impostos.
O Brasil daquela época era muito diferente do atual. Não tinha reservas internacionais, exportava muito menos, e as indústrias eram atrasadas. Hoje a situação não é diferente?
Sim, o Brasil está mais preparado do que em qualquer outra época para enfrentar essa crise e sobreviver. Temos uma série de resiliências que não existiam no passado. O Brasil tem um sistema financeiro sólido, bem regulado, bem capitalizado. Um Banco Central que é o melhor do mundo. O BC é um regulador de altíssima qualidade. Além disso, o Brasil tem instituições muito fortes. Um agronegócio muito competitivo. Um setor da mineração da maior competência. E graças a isso o país se tornou estruturalmente superavitário em sua balança comercial. As contas externas estão muito em ordem. O Brasil tem mais reservas internacionais do que dívida. Se considerar a dívida pública externa, as reservas representam cinco vezes esse passivo. O Brasil tem sede das melhores universidades da América Latina. Empresas de calibre mundial. Temos a Embraer, que fabrica o jato que mais pousa e decola nos Estados Unidos. Temos uma dezena de casos de multinacionais brasileiras de enorme competitividade. Como a WEG, que tem seu faturamento no exterior superior ao interno. A JBS superou a Nestlé como maior companhia de alimentos do mundo. São coisas novas no Brasil. Isso vai com certeza ajudar, mas não vai impedir que o país vivencie momentos de forte turbulência no futuro.
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Enaltecer a JBS é brincadeira!!! Empréstimos de pai para filho do BNDES!!!
O Sr. Maílson, é um dos isentos,
Com esse desgoverno cada vez mais teremos um Estado rico e um povo pobre.
Mailson foi ministro da economia no período da hiperinflação. O país venceu esse grave impasse com o plano Real, do qual não teve qualquer participação. Mas tem razão quando fala do encontro marcado com uma crise gigantesca mas omite o crescimento dos gastos desenfreado do atual governo como causa dessa crise.
Eu gostava da coluna do Mailson da Nobrega na Veja. Porém, caiu em meu conceito durante o governo Bolsonaro, com críticas excessivas sem observar o contexto da pandemia. Parecia mais inveja do Paulo Guedes ou algo do tipo. Espero que tenha sido um período que ele estava fora de si e que retome o bom raciocínio.
Na critica aos ex presidentes, logicamente não poderia deixar de cutucar em Bolsonaro e não falar na pandemia e nas obstruções da Justiça e Parlamento que sofreu. Será que se Maílson tivesse participado da excelente equipe de economistas de Paulo Guedes saberia orientar o que fazer na pandemia com o auxilia à empresas, e emergencial a trabalhadores e desassistidos sem CPF?
É sempre aquela pontinha de ódio aquele primeiro governo que resolveu enxugar os ministérios, torna-los técnicos e não políticos e ainda enfrentou-os no primeiro ano e a seguir dois anos de pandemia.
Ele fez o L senão me engano …
A jbs só existe por causa dos empréstimos amigos do bndes.
Ninguém quer saber de conversa desses caras, Mailson, economista de Sarney. Ninguém quer saber desse ladrão desse Sarney, estamos numa era da verdade da transparência, numa era de Paulo Guedes, de Bolsonaro. Ninguém quer saber de opiniões desses bandidos ladrões do passado nem do presente, estamos na era da clarividência
Vou fazer aqui uma comentario de leigo. O ex-Ministro focou suas respostas em criticar o a lei que obriga o engessamento dos gastos obrigatorios do governo, esqueceu de citar que esser governos gasta de forma errada o que lhe resta com gastos discricionários, em relação ao governo passado, quase dobrou o número de ministérios, sem contar com a qualidade de seus ministros que são infinitamente inferiores, esse goverbno visou atender apenas os seus militantes politicos na composição dos ministerios. É importante lembrar que o atual governo recebeu de seu antecessor um superavit de 54 bilhoes.
Foi um péssimo ministro. De funcionário do Banco do Brasil a milionário!!! Hummmm…..
Bem lembrado. Parece que o PG não gosta muito dele.
Infelizmente nem tudo que o entrevistado falou, ele fez, na sua época não fez muita diferença, e como já disseram em alguns comentários, deve ter apoiado o molusco, que até eu que sou leigo sabia que não ia dar certo.
Interessante alguns economistas, como esse senhor, virem a público tentar alguma justificativa para o que está acontecendo com a economia do Brasil. O governo anterior, no meio de uma pandemia, através de seus excelentes ministros, geriu com responsabilidade e conseguimos passar por tudo sem levar o país ao caos. Mas estes senhores, apoiaram a entrada deste governo que aí está, então, são eles mal formados, ingênuos?
Não sei a causa deste senhor estar nesta revista para colocar a matéria. Eu que não sou área já sabia que iria dar m-r-a e ele com a bagagem que tem já deveria saber também. É aquele negócio do ser humano : inveja e orgulho acabam com qualquer raciocínio.
O diagnóstico está correto e o tratamento, em parte, também. Afinal, esse economista parece que aprendeu com os erros que cometeu, pois foi o grande auxiliar de Sarney na tentativa de destruir o Brasil. O seu “feijão com arroaz” foi um fracasso retumbante. O Brasil não afundou de vez porque é mais forte que esse tipo de gente. Durante o governo Bolsonaro, com pandemia e tudo, ele não parava de dizer bobagens, apesar do seu passado sombrio.
Quem acredita nesse senhor? Afundou o país, qual credibilidade para falar? Nao sei como até hoje é entrevistado. Isso é apoiar o Haddad
Realmente concordo com o senhor, muitos economistas brasileiros são mal formados! O problema é que mesmo depois de completarem 80 anos de idade ainda acreditam no PT e em governos que já demostraram que não tem nenhum compromisso com a economia do país. E tudo isso por “nojinho” estético do Bolsonaro… que tinha o Guedes, o Sachsida e o Campos Neto a frente da economia. Enfim, agora é tarde para chorar e para tentar limpar a biografia. Fato.
O senhor Oleo de Peroba apoiou o governo que anunciou essas medidas. O que ele esperava? Mas, anter ler isso do que ser cego.