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Ilustração: Shutterstock
Edição 219

O poder das redes contra a doutrinação

O monopólio dos meios de comunicação sofreu um golpe mortal, e por isso é muito fácil compreender por que existe tanto empenho em coibir a atuação das redes sociais

Ubiratan Jorge Iorio
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Na manhã da última segunda-feira, enquanto seguia os passos para fazer um saque em um caixa 24 horas na farmácia ao lado de minha casa, tive a oportunidade de assistir ao vivo a uma demonstração dos efeitos da revolução cultural que a esquerda vem desencadeando há muitas décadas no Brasil e no mundo. Durante fugazes dois ou três minutos, fui obrigado a escutar uma sucessão — tão veloz quanto impressionante — de disparates, uma verdadeira aula sobre a arte da falácia, ministrada em tom professoral por um cliente que, provavelmente, acabara de pagar por alguma compra.

O homem se dirigia a alguns atendentes que, silenciosos e visivelmente atônitos, apenas o ouviam e o observavam do outro lado do balcão. Olhei de relance e vi que sua aparência era pouco convencional, na linha woke, e sua voz estridente e cheia de si, características que se encaixavam muito bem no discurso progressista com que, ao que parece, acreditava ser capaz de iluminar os balconistas. Cá entre nós, parecia uma metralhadora de asneiras ou uma chuva torrencial de papagaios, rigorosamente todos com o mesmíssimo currupaco papaco.

Mas — justiça seja feita — não pude deixar de admirar a sua capacidade de síntese e de decoreba. Em um tempo exíguo, o cara desfilou sem gaguejar boa parte do vocabulário politicamente (ou melhor, estupidamente) correto. Não sei o que o motivou naquele momento para despejar aquela verborreia, mas o sujeito conseguiu falar em discriminação, desigualdades, preconceito, homofobia e misoginia; achou tempo para criticar supostos fascistas, extremistas, milicianos e negacionistas; e encerrou com uma pérola ilustrativa do estado mental de mero repetidor de chavões a que foi reduzido, ao dizer: “No Brasil, basta vestir uma roupa vermelha para ser considerado comunista, e isso é um absurdo, porque, simplesmente, o comunismo não existe mais, nem na Rússia, nem na China, nem em Cuba”. E completou, ligando o modo clímax: “Nem em Cuba, nem em Cuba!”.

Foto: Shutterstock

Então, automaticamente, enquanto aguardava para pôr a mão no meu dinheiro e sair dali o mais rapidamente possível, passaram-me pela cabeça, como em um turbilhão e parecendo fundirem-se uns aos outros, nomes como Gramsci, Marcuse, Lukács, Adorno, Walter Benjamin, Habermas, Horkheimer, Reich, Sartre, Simone de Beauvoir e toda aquela patota colorida, descolada e festiva. Pensei também — e tudo foi muito rápido — em expressões como “Escola de Frankfurt”, “teoria crítica”, “dialética do esclarecimento”, “ideologia de gênero”, “racismo estrutural” e “diversidade cultural”. E, por fim, ao som daquela verborragia progressista, não pude deixar de lembrar-me de que não é à toa que Paulo Freire é o patrono da educação no Brasil, assim como do vaticínio de Nelson Rodrigues de que os idiotas dominariam o mundo.

Aquele sujeito na farmácia é o produto típico de tudo isso que me veio à mente. Um autômato, um homem descerebrado, um autêntico ricochete de tolices produzidas por intelectuais progressistas e — o que é pior — certamente um eleitor cativo de políticos populistas. Devo, contudo, agradecer-lhe anonimamente, porque, sem o saber, me forneceu de graça o tema interessante que eu procurava para escrever este artigo.

O que leva tantos seres humanos a se deixarem dominar até esse ponto, incapazes de pensar e intelectualmente inertes e inermes? A resposta — ou boa parte dela — está ligada às teses de Adorno, Gramsci e tantos outros marxistas sofisticados, segundo a qual os meios de comunicação podem, quando bem utilizados — ou seja, manipulados —, atomizar as pessoas, torná-las desumanizadas e predispostas às mudanças sociais que a esquerda prega. Trata-se, em termos diretos, do poder da lavagem cerebral como elemento paralisante da inteligência e da vontade própria. Afinal, o que seria dos comunistas se não existissem inocentes úteis?

Na frente, Max Horkheimer e Theodor W. Adorno; atrás, à esquerda, Siegfried Landshut; e, à direita, Jürgen Habermas, no Instituto Max Weber de Sociologia, em Heidelberg (4/1964) | Foto: Domínio Público/Jeremy J. Shapiro

Talvez se possa dizer que a revolução cultural deu seus primeiros passos, na prática, com o Projeto Rádio, encomendado em 1937 pela Fundação Rockefeller (já então financiadora de vários programas que atualmente compõem a agenda globalista) à Escola de Frankfurt e coordenado pelo filósofo, sociólogo e musicólogo comunista Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno (1903-1969), que tinha em vista mensurar os efeitos dos novos meios de comunicação (naquela época, o rádio) sobre o comportamento da sociedade. Vale recordar que os anos 1930 marcaram o início da manipulação das imprensas escrita e falada, logo seguidas pela televisada, assim como do teatro e do cinema, com vistas a atender a objetivos “revolucionários”, com os primeiros programas, novelas, peças e filmes que objetivavam “criar opinião”. Na verdade, o real propósito era eliminar a opinião dos indivíduos, pobre e egoísta, pela dos intelectuais, seres esclarecidos e que pensavam em um “mundo justo”.

No ano de 1938 aconteceu um fato de grande repercussão e que comprovou a tese do pré-condicionamento das pessoas a partir de novas tecnologias, sugerida pelo Projeto Rádio. A radionovela Halloween, dirigida por Orson Welles, anunciou que forças invasoras de Marte estavam aterrissando nas cercanias de Nova Jersey e, mesmo informando que a novela era uma ficção, cerca de um quarto dos ouvintes acreditou na invasão e muitos entraram em pânico. Mas os pesquisadores do projeto descobriram que a maior parte dos que se aterrorizaram não acreditou tratar-se de uma invasão de marcianos, e sim de um ataque dos nazistas alemães. A explicação é que os ouvintes tinham sido subliminar e psicologicamente pré-condicionados pelos noticiários radiofônicos sobre os eventos na Alemanha naquele período.

Essa descoberta levou a uma conclusão que logo foi elevada à categoria de teorema, segundo o qual quem detém o monopólio dos meios de comunicação tem poder para controlar a opinião, a vontade e as preferências da sociedade. Isso — sempre muito bem suprido teoricamente pelos gramscistas e frankfurtianos — foi então imediatamente explorado e assim continuou até recentemente, com a imprensa deixando de ser apenas informadora, para converter-se em formadora e controladora das massas, sempre sob a batuta dos diferentes tons de uma esquerda já não mais raivosa, mas dissimulada, e já não mais rosnando, mas abanando falsamente o rabo, tal como os tucanos, décadas depois, fizeram no Brasil.

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Sim, aquele pobre homem na farmácia com sua verborreia explícita e milhões de outros como ele, simplesmente, sem que sequer desconfiem, nada mais são do que um fruto maduro de muitas décadas de doutrinação da esquerda pensante, de um processo subliminar persistente, paciente e competentemente calculado. 

Nessa trajetória de controle das mentes das massas, depois que as histórias religiosas e culturais centrais da tradição ocidental foram paulatinamente desalojadas da cultura pela análise crítica dos ideólogos de Frankfurt e as pessoas foram incentivadas a se rebelar contra o seu próprio passado, sobreveio um vazio, facilmente preenchido por quaisquer ideias, por mais frágeis, malucas ou ocas que fossem. E então, no lugar de uma história ou tradição, estimulou-se a consagração de novos “valores”, como se os valores verdadeiros viessem do nada ou pudessem ser reinventados. Ou seja, para atender a uma grande abertura, fecharam as mentes e em nome do progresso impuseram ideias altamente regressivas. O resultado disso tudo, como não poderia deixar de ser, é uma enorme confusão, uma busca frenética de sentido por parte de milhões de indivíduos que foram descerebrados pela doutrinação exatamente por aqueles que os deveriam ter ensinado a pensar.

Em poucos dias, tivemos quatro provas incontestáveis de que as redes sociais se transformaram, além de canais de informação mais confiáveis do que a velha imprensa, em instrumentos efetivos de mobilização da vontade popular

Porém, felizmente, com o surgimento e crescimento das chamadas redes sociais, aconteceu que o monopólio dos meios de comunicação sofreu um golpe mortal, e é por esse motivo que é muito fácil compreender por que existe tanto empenho — por parte dos governos com vocação ditatorial e dos veículos tradicionais alimentados por esses governos — em adotar legislações para coibir a atuação das redes sociais, sob os mais diversos pretextos. A verdade é que a internet acabou com o monopólio da velha imprensa. Por serem bem mais descentralizadas, as redes sociais estão impondo grandes dificuldades aos governos que estavam acostumados a manipular os meios de comunicação, e a solução para que recuperem o poder anterior é uma só e atende pelo nome de censura.

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Visivelmente, porém, está cada vez mais difícil para a turma do “despiorou” e do “entenda por que a inflação pode ser boa”, que durante décadas manipulou a população e que agora é ridicularizada em memes, por mais que se esforce, continuar a esconder verdades óbvias para mostrá-las como se fossem fake news e exibir narrativas falsas para exibi-las como se fossem tautologias indiscutíveis. De certa forma, a internet é a voz do povo e foi o instrumento que, inegavelmente e por meio simplesmente da liberdade de expressão e da troca de informações, fez esse mesmo povo ter capacidade para compreender como foi manipulado por tão poucos e durante tanto tempo. E também é por meio dela que os milhões de indivíduos que se sentem libertados do direcionamento da imprensa tradicional estão manifestando com muita clareza que não vão mais aceitar serem manuseados e, por conseguinte, que se recusam terminantemente a serem calados sob qualquer pretexto.

Em poucos dias, tivemos quatro provas incontestáveis de que as redes sociais se transformaram, além de canais de informação mais confiáveis do que a velha imprensa, em instrumentos efetivos de mobilização da vontade popular. As duas primeiras, quando uma enorme pressão dos eleitores impediu por duas vezes, no espaço de poucos dias, a votação do PL nº 8.889/2017 na Câmara (conhecido como “PL da Globo”), uma tentativa de fazer com as que as empresas de streaming e redes sociais passassem a pagar ao governo uma contribuição obrigatória (Condecine), a ser destinada ao “desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira”, administrada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), em um misto azedo de protecionismo ultrapassado e controle indireto das plataformas e que, além disso, isentava o Globoplay do pagamento.

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A terceira demonstração do poder das redes aconteceu nesta semana, também na Câmara, com a rejeição, por 317 votos a 139 e com 4 abstenções, à proposta de derrubada ao veto 46/2021, feito pelo então presidente Bolsonaro à Lei nº 14.197/2021. A derrubada do veto, sob o argumento capcioso de “combater fake news”, representaria, em alto e bom som, a criação de um tribunal da verdade, com poder para censurar toda e qualquer informação que viesse a contrariar a agenda esquerdista. Para uma pálida ideia de que o absurdo sempre anda à espreita em Brasília, a rejeição do veto significaria a entrada em vigor de uma pena de cinco anos de prisão para quem cometesse o crime de “comunicação enganosa em massa”. É fácil adivinhar quem definiria o que é e o que não é “comunicação enganosa”, não é?

E a quarta derrota infligida pelas redes ao progressismo foi a rejeição, no mesmo dia, pela mesma Câmara e pelo mesmo placar, do veto do presidente Lula à proibição das saidinhas de presos, um desejo da imensa maioria da população brasileira que tem ojeriza à bandidolatria. O exemplo do repetidor de chavões que encontrei na farmácia, a explicação de como a aplicação da teoria crítica lavou o cérebro de milhões como ele e a ascensão das redes sociais como aliadas potentíssimas da liberdade de expressão nos apontam, em conjunto, para uma agenda de longo prazo que deve contemplar necessariamente o uso disciplinado dessas redes e das outras plataformas da internet para disseminar as boas ideias e os bons exemplos, mostrar que o certo é certo e o errado é errado e resgatar a história, os bons valores e a tradição. Temos que ter a mesma paciência que os inimigos da liberdade e do Ocidente tiveram e fazer com que bebam do seu próprio veneno. A nosso favor, sabemos que eles precisaram de muitas décadas para lavar cérebros, mas nós, com a tecnologia de hoje e com liberdade plena de expressão nas redes, precisaremos de muito menos tempo para recuperar a capacidade de pensar das pessoas. Só assim o homem da farmácia vai entrar em extinção.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Rede X: @biraiorio

Leia também “O valor da solidariedade na calamidade”

15 comentários
  1. NOS
    NOS

    Muito bom teu artigo. Ao mesmo tempo que conforta -quem não cruzou na vida com esses infelizes?- demonstra a solução para que os conservadores/liberais usem dos mesmos métodos “progressistas” para reverter a situação. Paciência e persistência.

  2. Luiz Fraga
    Luiz Fraga

    Caro Prof. Iorio, mais um artigo de elevado nível. Assertivo, clarividente… Muito bom!

  3. Francisco José Coelho de Morais
    Francisco José Coelho de Morais

    Excelente artigo!

  4. MB
    MB

    Show de artigo, Ubiratan. 👏👏👏

  5. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    O homem da farmácia pode ser visto multiplicado em milhões de zumbis. Assim me parecem esses portadores de disfunção cognitiva. Excelente artigo!

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Iorio, seu artigo é a síntese do horrível mundo atual.
    Incluo no discurso dessa turba o termo impagável para se referir a algumas etnias, principalmente os de descendência afro.
    É gente que se sente árvore, cavalo, chipanzé e por aí vai.
    Outros que se identificam como LGBT#YXZ%#@ etc que querem que eu não apenas os aceite, como aceito, mas que se consideram superiores aos demais humanos e por isso devem ter privilégios.
    Essas tribos vivem a estupidez de saberem a verdade, verem a verdade, mas preferem continuar acreditando nas mentiras.

  7. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    A proposito prof. Ubiratan, não lhe parece que o planejamento desse EVENTO que esta destruindo nosso pais, recuperando Lula, colocando o ex tucano Alckimin conservador, religiosíssimo e aparentemente sério como vice, promovendo aquela estranha CARTA pela DEMOCRACIA, formar o Grupo Prerrogativas, envolver o Consorcio da Imprensa e a alta CORTE para fazer o “L”, foi elaborado pelas celebridades tucanas de políticos, economistas, juristas, jornalistas unicamente por ódio ao bom governo Bolsonaro?
    Aos 78 anos, confesso que fui tucano desde a fundação do PSDB até 2019, quando FHC foi ressuscitado, depois de confessar em seus “diários da presidência”, seu rancor com o PT, MST, José Dirceu, sua vaidade e alto envolvimento com as Cortes, interferindo na PF e na Imprensa (FOLHA), para fazer o “L” com Dória, Jereissati e outros, finalizando com a escolha de Alckimin para vice daquele que “queria voltar a cena do crime”.
    Como consegue dormir o desatinado Alckimin ao homenagear do altar de uma paroquia um “comunista cristão” principal articulador do 8 de janeiro com esta insanidade: “quis o destino que Flavio Dino fosse Ministro da Justiça e Segurança na hora certa e no momento certo para ajudar a salvar a democracia e evitar o golpismo”. Quanta desumanidade de ALCKIMIN com patriotas democratas, trabalhadores, sem antecedentes criminais, que sempre se manifestaram pacificamente, e talvez ex tucanos.
    Que vergonha ter admirado e votado nesses inúteis sem caráter.

  8. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    ”Temos que ter a mesma paciência que os inimigos da liberdade e do Ocidente tiveram e fazer com que bebam do seu próprio veneno”.
    Exatamente!

    1. NOS
      NOS

      Destaco esse trecho também.

  9. Angela Alves
    Angela Alves

    Sensacional 👏👏👏

  10. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse mal moral do homem da farmácia é um defeito nos cromossomos do genótipo pela própria evolução

    1. Ricardo Marques Figueiredo
      Ricardo Marques Figueiredo

      Parabéns

  11. Vanildo
    Vanildo

    Magistral.

  12. Maurício de Souza Arruda
    Maurício de Souza Arruda

    Excelente artigo. Leitura obrigatória! Obrigado.

  13. Elza Silva
    Elza Silva

    Excelente artigo. Pena que vai demorar, mas o mundo é um moinho…

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