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Dedetização contra o mosquito transmissor da dengue | Foto: Andre Borges/Agência Brasília
Edição 220

Brasil: o país da dengue

O relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde mostrou ao mundo a catástrofe epidemiológica causada pela inércia do governo federal

Rachel Díaz
Rachel Díaz
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Em 19 de abril, na edição 213, Oeste publicou uma reportagem sobre os fracassos do Ministério da Saúde em medidas de prevenção e combate à dengue, doença que atingiu índices de contaminação históricos entre fevereiro e maio deste ano. Sete edições depois, a situação permanece a mesma. Nesta semana, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que, no início de 2024, mais de 80% dos casos de dengue no mundo foram registrados no Brasil. 

Até 30 de abril, o país havia registrado 6,2 milhões de pessoas infectadas, de um total global de 7,6 milhões. Depois do Brasil, os países com mais casos são Argentina (420 mil), Paraguai (257 mil) e Peru (199 mil). Os dados do Ministério da Saúde divergem dos da OMS e calculam que, até o momento, foram 5,6 milhões de casos prováveis de dengue. O número de mortes pela doença ultrapassou 3,5 mil, o que representa um aumento de cerca de 230% em comparação com 2023.

Em uma situação normal, a confusão nas estatísticas e a conclusão do relatório da OMS seriam motivo de protestos. No entanto, o cidadão brasileiro parece não mais se surpreender com os números alarmantes da dengue nem com a falta de preparo das entidades responsáveis. Desde janeiro, o país enfrenta o pior surto já registrado desde a chegada da doença ao Brasil, no início do século passado.

Proporcionalmente, o local com maior número de casos da doença é o Distrito Federal, sede do poder central. São cerca de 9,4 mil registros para cada 100 mil habitantes. Minas Gerais ocupa o segundo lugar (7,4 mil para cada 100 mil), seguido pelo Paraná (5,3 mil). Estado mais populoso do país, São Paulo está na sexta colocação (3,7 mil). Por um lado, as secretarias estaduais e municipais continuam empenhadas em ações de combate, prevenção e tratamento da doença. Por outro lado, enfrentam dificuldades em atender à demanda de vacinação, que depende do governo federal. 

Mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue | Foto: Thammanoon Khamchalee/Shutterstock

O atual cenário catastrófico da epidemia pode ser classificado como uma tragédia anunciada. Ao longo de 2023, o governo Lula recebeu diversos alertas sobre o risco de um aumento considerável dos casos de dengue. O boletim de Atualização Epidemiológica da Dengue na Região das Américas, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em junho do ano passado, mostrava o Brasil no topo da lista de casos suspeitos e de incidência acumulada. 

Nesse relatório, a Opas declarou que, devido ao aumento de casos e mortes por dengue e chikungunya no Hemisfério Sul no início de 2023 e ao início da temporada de transmissão de arboviroses (como são chamadas as doenças causadas por vírus transmitidos, principalmente, por mosquitos) no Hemisfério Norte, os Estados membros deveriam intensificar a vigilância, triagem, diagnóstico e tratamento dessas doenças. Além disso, recomendou que os serviços de saúde fossem preparados para uma possível epidemia. Os alertas foram ecoados pela organização no relatório de julho de 2023, no qual também foi ressaltada a crescente taxa de mortalidade.

Em 15 de setembro de 2023, em um relatório sobre o aumento de casos de arboviroses na América Central e no Caribe, a Opas repetiu o alerta. Àquela altura, o Brasil já havia se tornado o país com maior número de casos em toda a região das Américas. Eram mais de 2,5 milhões dos cerca de 3,4 milhões de casos registrados no mundo, o que representa 75% do total. 

O Ministério da Saúde permaneceu em silêncio. Diante do perigo exposto em três boletins seguidos, do número crescente de casos e da inércia do governo federal, alguns veículos da imprensa velha começaram a divulgar alguns alertas de especialistas. Numa reportagem publicada em 3 de outubro de 2023, Kleber Luz, consultor para arboviroses da Opas, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que o Brasil estava prestes a passar por uma epidemia do sorotipo 3 da doença em 2024. 

Notícia publicada na Folha de S.Paulo (3/10/2023) | Foto: Reprodução
Tapar o sol com a peneira

Em 17 de novembro de 2023, a pasta deu o braço a torcer e publicou a Nota Informativa nº 30/2023, que alertava para o risco de uma epidemia de dengue no Brasil. A entidade usou como base os relatórios publicados pela Opas. A Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) atribuiu o avanço das arboviroses às mudanças climáticas e afirmou que, diante desses fatores, o cenário para o aumento da transmissão da dengue em 2024 era “propício”. 

Apesar da elaboração do documento, o alerta do governo veio tarde demais. Em um release de 9 de dezembro de 2023, 13 dias depois da publicação da nota técnica, o Ministério da Saúde informou que os casos de dengue no Brasil aumentaram quase 16% em 2023 (1,6 milhão) em comparação ao mesmo período de 2022 (1,3 milhão). Os óbitos aumentaram mais de 5% em 2023 (1.053) em relação a 2022 (999), mas a taxa de letalidade caiu 13%. Os dados eram da semana epidemiológica 48.

Do R$ 1,5 bilhão anunciados pelo Ministério da Saúde, pouco mais de R$ 140 milhões foram repassados para dez Estados e 491 municípios, o que corresponde a 9% do valor supostamente disponibilizado

Com a explosão dos casos de dengue, numa tentativa de tapar o sol com a peneira, o Ministério da Saúde de Nísia Trindade pareceu ter chegado à conclusão de que anunciar repasses de valores exorbitantes para o combate à doença e divulgar medidas que já existiam seria uma boa estratégia. Em dezembro de 2023, a pasta liberou mais de R$ 111 milhões para Estados e municípios, fez um repasse de R$ 144 milhões para ações de vigilância no país e lançou uma campanha para a TV aberta e as redes sociais. 

Nísia Trindade, ministra da Saúde, em campanha de combate ao mosquito da dengue nas escolas | Foto: Reprodução/Agência Brasil

Para monitorar os casos em tempo real, foi “implantada” a Sala Nacional de Arboviroses (SNA). Embora o governo Lula tenha anunciado a medida como uma novidade, ela foi inaugurada em maio de 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro, sob a gestão do cardiologista Marcelo Queiroga. Em 14 de fevereiro, a pasta anunciou um repasse de R$ 1,5 bilhão para ações de enfrentamento, seguido por outro de R$ 300 milhões para a compra de soros e medicamentos necessários para o tratamento da dengue. 

Em março, uma reportagem da Folha informou que, do R$ 1,5 bilhão anunciados pelo governo em fevereiro, haviam sido liberados apenas R$ 60 milhões para cinco Estados. Isso porque, para receber os fundos de emergência, os Estados e municípios precisam decretar emergência em saúde e elaborar um plano de ação com informações sobre a situação epidemiológica e a capacidade da rede de saúde.

Através da Lei de Acesso à Informação (LAI), a reportagem de Oeste obteve, em 21 de maio, dados atualizados sobre os repasses efetuados pelo Ministério da Saúde. Do R$ 1,5 bilhão, pouco mais de R$ 140 milhões foram repassados para dez Estados e 491 municípios, o que corresponde a 9% do valor supostamente disponibilizado. O documento enviado pelo Ministério da Saúde omite a quantia bilionária anunciada em fevereiro e destaca, em vez disso, os R$ 256 milhões disponibilizados em dezembro de 2023. Os valores enviados para cada cidade variam entre R$ 6,3 mil e R$ 2,6 milhões. O único município que teve um repasse excedente a essa faixa foi São Paulo, que por ser o mais populoso do país recebeu R$ 18,5 milhões. 

Ao longo do texto, o Ministério da Saúde argumenta que, desde 2023, realizou cinco reuniões sobre estratégias de combate à dengue. A pasta também menciona a “expansão do método Wolbachia”, que consiste em soltar mosquitos Aedes aegypti infectados com uma bactéria que impede a transmissão de doenças como a dengue. A ampliação deveria ocorrer em Natal (RN), Uberlândia (MG), Londrina (PR), Presidente Prudente (SP), Foz do Iguaçu (PR) e Joinville (SC). Embora o Ministério da Saúde afirme que a primeira liberação dos mosquitos com a Wolbachia deveria ocorrer até o final do primeiro semestre, a medida ainda não foi implementada.

A reportagem de Oeste perguntou ao Ministério da Saúde se os R$ 140 milhões repassados foram retirados do R$ 1,5 bilhão liberados para a ampliação do fundo emergencial. Não houve resposta até o fechamento da edição.

Nísia Trindade e Lula
O Ministério da Saúde alegou ‘divergência’ na portaria | Foto: Divulgação/Agência Brasil
‘Ameaça global’

Há dois dias, a OMS classificou a dengue como “ameaça global à saúde pública”. Segundo a organização, isso aconteceu devido à falta de diagnóstico e registro da doença em muitos países. De acordo com o médico infectologista Francisco Cardoso, o status de ameaça global não significa que a dengue seja, neste momento, um risco à vida e à economia em escala mundial. “A OMS costuma usar essa nomenclatura para explicar que algumas doenças que atingem o estado epidêmico têm mais impacto do que outras”, disse. “A dengue é uma chaga muito dolorosa, que atinge, principalmente, os mais pobres. Ela causa turbulência nos serviços de saúde e afeta as horas trabalhadas. Mas a classificação da OMS não significa que o mosquito vai, por exemplo, se proliferar nos Estados Unidos ou na Alemanha. O Aedes aegypti não consegue se manter em climas mais frios.”

Ele explicou que o aumento de casos ainda é consequência da alta registrada nos primeiros meses do ano. A doença se espalhou de forma tão agressiva que, mesmo com a chegada da temporada de redução de casos, os números continuam altos. A persistência dos focos de proliferação e a falta de ações de prevenção no último ano também contribuem para o problema atual. No entanto, com a chegada do inverno, o número de casos deve continuar diminuindo. Ainda haverá ocorrências da doença, mas não nos níveis anteriores.

Cardoso atribui os resultados da epidemia ao governo federal, visto que o Ministério da Saúde foi alertado pelas entidades responsáveis durante todo o ano de 2023, mas demorou para se posicionar sobre a questão. “O governo federal já sabia que teríamos o El Niño em 2023”, explicou. “Também sabia que o aumento da temperatura contribuiria para a proliferação do mosquito. Junto do calor, a falta de ações de prevenção e combate em 2023 foi um booster para a infestação e resultou no que estamos vendo. Foi isso que levou o Brasil a se tornar o ‘país da dengue’.”

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5 comentários
  1. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Desgovernantes inconsequentes estão matando os brasileiros por falta de planejamento.

  2. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    A preocupação dessa ministra é com a ” vacinação” em massa desse experimento ultrapassado, baticu e csrgo para o filho

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Nísia Trindade é uma mala sem alça. Carinha de boa moça, e só vive de olho no erário público. Colocou logo o filho para seguir esse caminho em uma secretaria de Cabo Frio RJ.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Não é novidade estarmos nessa caótica situação, o país na mão dum marginal desse analfabeto ladrão com uma corja de incompetentes nos ministérios, um bocado de militonto retardados que só pensa em roubar o Erário. Uma justiça formada por ladrões de alta periculosidade. Esse bandido véio desse Lula não sabe administrar uma creche. Vão deixar essas desgraças levar o país à ruína ?

  5. Daniel Santos da Rosa
    Daniel Santos da Rosa

    Tenho falado. Me escutem:

    A Solução para a Dengue está no uso massivo de Repelente por quem está Doente.

    Motivo: Só assim um Mosquito se contamina e então pode contaminar outros.
    * A viremia ocorre um dia antes da Febre em uma doença de 7 Dias.

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