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Friedrich August von Hayek à esquerda e Anthony Fauci recebendo a vacina Moderna contra a covid-19 (22/12/2020) à direita | Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons
Edição 220

Hayek x Fauci

A pandemia pode ter acabado, mas o 'mindset' que permitiu tamanho avanço do controle estatal no Ocidente permanece bem vivo

Rodrigo Constantino
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O doutor Fauci voltou aos holofotes ao comparecer para mais um depoimento no Congresso americano. Ele foi alvo de duros questionamentos, em especial dos republicanos, acerca de medidas drásticas e autoritárias adotadas durante a pandemia, assim como pelo esforço em ocultar trocas de mensagens comprometedoras e negar a tese da origem laboratorial do vírus chinês. O conflito de interesses por ter ajudado a investir em pesquisas de ganhos de função também foi abordado. Em suma, foi um massacre. Um merecido massacre.

Fauci foi alçado ao patamar de papa, ou mesmo Deus, durante a histeria pandêmica. Na era moderna do “cientificismo”, os “especialistas” são os novos profetas, e todos nós devemos nos subordinar às suas decisões, por mais bizarras que pareçam. Quem discordar, ou mesmo questionar, será rotulado de “negacionista” e sofrerá censura. Tudo isso ainda está muito recente, e, se não aprendermos as lições certas, poderemos repetir os mesmos erros. Distanciamento de seis pés, máscaras em crianças, vacinas experimentais obrigatórias, lockdown de tudo, inclusive negócios, escolas e igrejas, e nada disso com o devido embasamento científico, ao contrário do que os jornalistas repetiam.

Anthony Fauci, durante audiência do Subcomitê Selecionado de Supervisão e Reforma da Câmara sobre a Pandemia do Coronavírus, no Capitólio, em Washington (3/6/2024) | Foto: Leah Millis/Reuters

Escrevi bastante sobre o assunto durante o caos, tentando trazer algum bom senso ao debate e defender nossas liberdades básicas. Mas meus colegas jornalistas preferiram interditar o debate, atacar gente como eu que fazia apenas o trabalho básico de jornalismo, e fechar os olhos para as terríveis consequências das medidas que aplaudiam, especialmente para crianças e os mais pobres. Não podemos simplesmente ignorar e esquecer o que essa turma fez com o mundo. Nem mesmo as democracias liberais do Ocidente resistiram às tentações autoritárias dos “especialistas”. E por isso devemos resgatar o debate e trazer Hayek, o Prêmio Nobel de Economia, para algumas reflexões.

Para Hayek, a liberdade inclui também a liberdade de errar, e, como o conhecimento é limitado e as preferências são subjetivas, somente a ausência de coerção permite o eterno aprendizado e progresso humano. A razão humana não pode prever ou deliberadamente desenhar seu próprio futuro. O avanço consiste na descoberta do que fizemos de errado. Uma restrição grande à liberdade individual reduz a quantidade de inovações e a taxa de progresso da sociedade.

Friedrich Hayek, em Gothenburg, na Suécia (1981) | Foto: Wikimedia Commons

Não temos como saber anteriormente quem vai inventar o quê. O conhecimento é disperso e evolui. Nenhum ser seria capaz de concentrar algo perto da totalidade do conhecimento existente, e ainda assim este está sempre aumentando. Somente a redução drástica da coerção estatal pode garantir a evolução do conhecimento humano e o consequente progresso. Quanto mais o Estado planeja as coisas, mais difícil o planejamento fica para os indivíduos.

Hayek considerava que a liberdade fica muitas vezes ameaçada pelo fato de que leigos delegam o poder decisório em certos campos para os “especialistas”, aceitando sem muito questionamento suas opiniões a respeito de coisas das quais eles mesmos sabem apenas um pequeno aspecto. Adotar uma postura de maior ceticismo, questionando até mesmo os especialistas nos assuntos, é fundamental.

A arrogância de quem quer o poder absoluto para decidir tudo de cima para baixo, tratando indivíduos como peões sacrificáveis, é uma praga muito pior do que qualquer “aquecimento global” ou mesmo o vírus chinês

É a preocupação com o processo impessoal da sociedade onde mais conhecimento é utilizado do que qualquer indivíduo ou grupo organizado de pessoas pode possuir que coloca os economistas em constante oposição às ambições de outros especialistas que demandam poderes de controle, porque sentem que seu conhecimento particular não é levado suficientemente em consideração. A humildade é crucial, principalmente quando suas políticas públicas impactam a vida de tanta gente. A política é feita de trade-offs, e não levar em conta os efeitos secundários em medidas radicais como o lockdown foi uma total irresponsabilidade de muitas autoridades. “A economia a gente vê depois”, diziam os insensíveis diante da preocupação legítima do então presidente Bolsonaro.

Playground de uma escola pública em Michigan, bloqueado com fita adesiva durante o lockdown (4/2020) | Foto: Shutterstock

A pandemia pode ter acabado, mas o “mindset” que permitiu tamanho avanço do controle estatal no Ocidente permanece bem vivo. Basta ver a postura dos que espalham o alarmismo climático, clamando por medidas extremistas e concentração plena de poderes no Estado e nos “especialistas”, muitas vezes sob evidente conflito de interesses e com seus salários pagos por quem quer impor o socialismo para combater as “mudanças climáticas”. A arrogância de quem quer o poder absoluto para decidir tudo de cima para baixo, tratando indivíduos como peões sacrificáveis, é uma praga muito pior do que qualquer “aquecimento global” ou mesmo o vírus chinês.

Quem conseguiu sintetizar essa mensagem em prol da liberdade e da humildade de forma brilhante foi Raymond Aron, autor de O Ópio dos Intelectuais, uma crítica contundente ao marxismo:

“O liberal é humilde. Reconhece que o mundo e a vida são complicados. A única coisa de que tem certeza é que a incerteza requer a liberdade, para que a verdade seja descoberta por um processo de concorrência e debate que não tem fim. O socialista, por sua vez, acha que a vida e o mundo são facilmente compreensíveis; sabe de tudo e quer impor a estreiteza de sua experiência — ou seja, sua ignorância e arrogância aos seus concidadãos.”

Leia também “Liberdade de expressão”

11 comentários
  1. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    Rodrigo Constantino como sempre ótimas análises excelentes artigos, verdadeiras aulas !
    parabéns pelo trabalho Rodrigo

  2. Julio José Pinto Eira Velha
    Julio José Pinto Eira Velha

    Durante a pandemia se fosse atribuído aos médicos o controle da doença e o tratamento com os remédios disponíveis, e não aos magistrados, políticos e jornalistas, com certeza o numero de mortos teria sido muito inferior, portanto fica claro, a quem interessou o maior numero de mortes possíveis, e para que?

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Constantino, gostei da ideia citada no programa 4×4 de um programa somente sobre a pandemia. Este assunto precisa sempre vir a tona.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Rodrigo vai abrindo os olhos dos milpes, glaucômicos e cataráticos até expulsar essa cegueira a cada reportagem

  5. Derlei Do Carmo
    Derlei Do Carmo

    Excelente texto.
    Parabéns por trazer Hayek ao debate.
    Você sempre está me surprrendendo positivamente.

  6. Tereza Cristina Vieira Tenorio
    Tereza Cristina Vieira Tenorio

    Aprendo muito com seus coerentes artigos. Fantástico👍🏼 vc é ótimo💪🤝🏻👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾

  7. NOS
    NOS

    R. Aron publicou seu livro em 1955 e continua atual. A verdade científica nasce, exatamente, do debate. Quando este é interditado aquela fica prejudicada.

  8. Celso Ricardo Kfouri Caetano
    Celso Ricardo Kfouri Caetano

    Constantino fecha o artigo com chave de ouro na citação entre a diferença do liberal e do socialista….perfeito.

  9. Denis R.
    Denis R.

    Excelente texto. Pena que os pensadores DE VERDADE não são ensinados nas escolas. Somente assim teríamos uma juventude mais preparadas para os desafios da vida e vacinadas contra a desconstrução do progressismo.

  10. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Desde o início, Bolsonaro estava certo. O problema com ele é que tentou introduzir otimismo na população, dizendo coisas que o comprometeram. O único problema de Bolsonaro e seu governo, não só quanto à pandemia, mas, no geral, foi a sinceridade. Não foi “politicamente correto” e foi sacrificado. Muitos já sabem, para outros o tempo dirá quem sempre teve razão, se ele, ou o cara que está no lugar dele. Infelizmente o tempo não volta, quando entenderem, já será tarde demais.

  11. Gustavo Alberto Lichtenberger
    Gustavo Alberto Lichtenberger

    Muito bom, realmente gostei, ate aonde minha memoria permite esye cara tambem esteve envolvido na historia da aids.

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