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Foto: Shutterstock
Edição 220

PIB positivo, mas sustentável?

O aumento do consumo das famílias no primeiro trimestre pode não ter fôlego se não houver incremento substantivo da renda, que requer crescimento econômico palpável

Adalberto Piotto
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Em economia, há o estrutural, que são aquelas condições sólidas que dão sustentabilidade de longo prazo para projeções econômicas, e o conjuntural, normalmente efêmero e com consequências de curto prazo. Guarde bem a diferença entre os termos, porque eles nos permitem uma avaliação mais crível e serena sobre o recente crescimento da economia brasileira neste início de ano.

Aos fatos, primeiramente.

O governo comemorou o avanço do produto interno bruto no primeiro trimestre de 2024. O resultado de alta de 0,8% veio acima das estimativas de mercado e dá uma leve sensação de recuperação depois da patinada no último trimestre do ano passado, quando ficou em 0% com revisão para menos 0,1%, segundo o IBGE. Ou seja, saímos de um quarto trimestre recessivo, em 2023 — que já vinha de outro trimestre ruim —, para um primeiro trimestre de crescimento de 0,8%, em 2024.

Por mais que os dados nos levem a ver que o setor de serviços e o consumo das famílias contribuíram para essa alta, há ponderações sobre quão sustentável será esse crescimento a partir de agora. Os dados a serem divulgados a partir de junho, no segundo trimestre, vão considerar, principalmente, a tragédia no Rio Grande do Sul, devastado pelas chuvas e enchentes que ocorreram no final de abril e ao longo de todo o mês de maio. O Estado sofre na sua reconstrução pela inércia executiva governamental, sobretudo em Brasília, e ainda mais pela politização palanqueira com a nomeação do lulista Paulo Pimenta como o 39º ministro do governo, na pasta recém-criada de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. Pimenta é uma espécie de governador “biônico” com pretensões eleitorais no Estado governado por Eduardo Leite, democraticamente eleito.

O Rio Grande do Sul precisa de poucas coisas, mas essenciais. Dados o tamanho da tragédia e o desafio da reconstrução, são necessários administradores públicos competentes e inovadores, e não políticos de palanque; recursos financeiros para as pessoas, as empresas, o governo do Estado e as prefeituras; e solidariedade pública constante, sobretudo neste momento em que a tragédia passa a ser preocupantemente normalizada pelo consórcio de mídia aliado ao governo federal. Um empresário do setor de uva e vinho, que teve parte de seus parreirais e de sua capacidade industrial perdida na enchente, revelou-me que precisará de, pelo menos, três anos para voltar aos níveis anteriores à devastação. O PIB não será alterado apenas no segundo trimestre. A conjuntura de estragos na economia dos brasileiros do Rio Grande e das empresas gaúchas terá efeitos estruturais ainda impossíveis de mensurar.

Farmácia e outros estabelecimentos alagados, no Rio Grande do Sul (2024) | Foto: Douglas Pfeiffer

Além disso, há dados do PIB do primeiro trimestre deste ano que sugerem cuidado na análise, mesmo que os áulicos do poder, entre economistas e agentes governistas na imprensa e na Academia, tenham inflado a recuperação.

Uma comparação com 2017 pode ser útil e relevante em cenários. Naquele primeiro trimestre, depois de dois anos de recessão, o Brasil crescera 1% ancorado no avanço do agronegócio, com uma safra até então recorde de grãos. O próprio IBGE reveria o crescimento para cima, em 1,1%. O país, então presidido por Michel Temer, era reformista (a reforma trabalhista seria aprovada em 2018) e fiscalmente responsável. Sob a gestão do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, foram aprovados no Congresso o Teto de Gastos (que devolveu credibilidade ao país e estancou a sangria dos cofres públicos dos governos petistas) e a nova Lei das Estatais (que cessou o uso político das empresas públicas, como a Petrobras, assolada pela corrupção e pela má gestão). Ou seja, havia uma lógica estrutural de que a conjuntura daquele momento encontraria fôlego para continuar crescendo. Se não fosse o escândalo do “Joesley Day”, da JBS, cujos sócios e executivos viriam a ser alvos de investigação e até de prisões, caso que teve exploração política com um possível (e posteriormente descartado) envolvimento de Temer (depois inocentado), o país teria avançado ainda mais nas reformas, com crescimento mais robusto.

Mesmo assim, sucederam-se anos de crescimento — à exceção do fatídico 2020, auge da pandemia de covid-19 —, sob a lógica da austeridade fiscal e da liberdade econômica, num país que tinha decidido se modernizar e ser responsável com os próprios gastos. A aceleração durou até o fim do governo Bolsonaro, que, mesmo depois da pandemia e com a guerra na Ucrânia, entregou o país em 2022 com PIB de +2,9% e endividamento de 71,7% em relação ao PIB. Para efeito de comparação, sem pandemia e com a guerra na Ucrânia estabilizada em seus efeitos externos, o governo Lula adicionou mais de R$ 1 trilhão à dívida bruta (mesmo nível de 2020, com pandemia e ajuda generalizada a Estados, empresas e pessoas), e a relação dívida/PIB, que já avançou para 74,3% no fim de 2023, continua aumentando, com prognósticos de superar os 77% no final deste ano, segundo o Tesouro Nacional. Até o fim do mandato de Lula, tende a superar os 81%. Em países emergentes, o descontrole fiscal é trágico.

Em que pesem os dados positivos do PIB no primeiro trimestre de 2024, há conjunturas como o endividamento do governo e o investimento patinando que nos obrigam a uma análise mais ponderada que a do proselitismo político-partidário governista.

Aos fatos, conjunturais e estruturais, dos dados recentes, muito além do impacto inevitável da tragédia do Rio Grande do Sul, ainda a ser contabilizado.

O consumo das famílias, que representa enorme influência no cálculo do produto interno bruto — economia é feita de gente —, teve crescimento de 1,6% em relação ao quarto trimestre de 2023. É significativo? É! Porém, como a taxa de poupança caiu para 16,2%, 1,3 ponto porcentual menor que em igual período do ano passado, o consumo pode ter sido aumentado pelo fenômeno da “despoupança”. Ou seja, gastos maiores impulsionados pelo uso de reservas financeiras feitas em tempos melhores da economia, e não pelo crescimento da renda na conjuntura atual.

Os gastos maiores podem ter sido impulsionados pelo uso de reservas financeiras feitas em tempos melhores da economia | Foto: Shutterstock

Em economia comportamental, há também o fenômeno do cansaço com a crise. Em algum momento, as pessoas decidem ser mais lenientes com os gastos. Pode ser, mas é preciso colocar na mesma régua os gastos obrigatórios maiores de início de ano, e não apenas uma eventual leniência. Mesmo com a melhora das taxas de emprego, em abril de 2024 o Índice de Confiança do Consumidor ficou em 93,2 pontos, uma alta de 1,9 ponto, mas abaixo de 100, o que significa pessimismo. Esse índice é uma média da avaliação do consumidor da situação atual (80,6 pontos) com a expectativa (102,5). Situação atual é o real, o estrutural, o palpável, o que se pode garantir. Expectativa é conjuntural, uma sensação em relação ao futuro, normalmente mais otimista, mas sem lastro.

Como 78,5% das famílias brasileiras dizem ter dívidas a pagar, não há cansaço com a crise que consiga manter os gastos em alta. O aumento do consumo das famílias no primeiro trimestre pode não ter fôlego se não houver incremento substantivo da renda, que requer crescimento econômico palpável, com perspectiva de ser sustentável no longo prazo. Não há sinais de que o governo atual repita o êxito das gestões anteriores que superaram recessão, pandemia, guerra e uma explosão no preço do petróleo. O cenário hoje é muito mais favorável, menos difícil, mas requer coragem e qualidade de gestão, o que não temos no Palácio do Planalto nem na Esplanada.

Lula e seus lulistas preferem chamar o agronegócio de “fascista”, ignorando a sua competência e o dolorido significado do fascismo

Veja que, mesmo que consumidores continuem gastando e sustentando o consumo das famílias e os serviços como indutores do crescimento, há o temor de que essa conjuntura afete o PIB com um efeito colateral negativo. A taxa de investimento, que pode fazer com que empresas consigam produzir mais, cresceu a 16,9%, mas é a menor desde 2020. No ano de 2023 foi ainda menor, 16,5%, e registrou queda em relação a 2022, quando chegou a 17,8%. Nem mesmo o verificado aumento da formação bruta de capital fixo (FBCF), que é o investimento em máquinas e novas instalações produtivas, pode mitigar a baixa taxa de investimento.

Se o consumo das famílias continuar crescendo, há o risco de desabastecimento, porque a estrutura atual não atenderia à demanda crescente. Isso gera inflação. Como o governo já pressiona os índices de inflação com contas públicas explosivas em gastos muito acima da arrecadação — que nós e as gerações futuras teremos de pagar —, um novo vetor de pressão inflacionária obrigaria o Banco Central, que já reduziu a intensidade da queda dos juros básicos na última reunião do Copom, a paralisar o movimento de queda e até a subir os juros. O aumento dos investimentos de FBCF das empresas se deveu justamente ao movimento de redução dos juros, como também resultou no crescimento dos serviços (+1,4%). A manutenção dos juros em dois dígitos minaria os setores que trouxeram boas noticias e o único dado positivo do investimento trazido pelo PIB do primeiro trimestre de 2024. Ou seja, estruturalmente, a manutenção da alta do produto interno bruto estaria comprometida e não se manteria.

Prédio do Banco Central do Brasil, em Brasília | Foto: Adilson Sochodolak

Com queda da indústria (-0,1%) e consumo das famílias e dos serviços na dependência da manutenção da queda dos juros, que o governo federal joga contra com irresponsabilidade fiscal e ausência de políticas econômicas que gerem crescimento econômico sustentável, estruturalmente só o agronegócio se mantém. E muito porque parece ter conseguido algum nível de independência e distanciamento dos erros de gestão de Lula 3.

Não é para menos. De cada três cafés que o mundo toma, um vem do Brasil. Com 42% da produção, somos o maior produtor de soja do mundo, um fenômeno de eficiência. Mais: somos o segundo maior produtor de carne bovina e de frango (primeiro em exportação), o terceiro em milho, mas também o maior exportador. O Brasil produz excedente de alimentos com tecnologia, muita pesquisa e valor agregado, que nos permitem alimentar mais de 1 bilhão de pessoas no planeta. É o maior soft power que se tem hoje, que o PIB brasileiro evidencia a cada medição, mas que Lula e seus lulistas preferem chamar de “fascista”, ignorando a competência do agro nacional e o dolorido significado do fascismo. Tudo isso por mera querela política de um presidente que não sai do palanque.

Leia também “Bagunça institucional, econômica e afins”

2 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    É uma conta básica, que alguns ”economistas”, ou ”faria limers” insistiram em não enxergar na eleição de 2022 e hoje fingem costume.

  2. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    Esse ” aumento ” do PIB , é um voo de galinha .

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