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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 221

O Arrozão do PT

Governo cancela leilão bilionário de importação de arroz e demite secretário depois de sinais descarados de fraude e ameaça de CPI

Silvio Navarro
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Uma pequena mercearia de bairro em Macapá (AP), chamada “Queijo Minas”, uma locadora de veículos e máquinas no Distrito Federal e uma fábrica de sucos e sorvetes em Tatuí, no interior de São Paulo. Essas foram as principais vencedoras do leilão realizado pelo governo Lula para comprar 260 mil toneladas de arroz, em uma operação de R$ 1,3 bilhão em junho. Na última terça-feira, 11, cinco dias depois, o certame foi cancelado diante da possibilidade de instalação de uma CPI na Câmara dos Deputados e do pedido de investigação ao Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de fraude.

No mesmo dia, o secretário de Política Agrícola do governo, Neri Geller, foi demitido. A justificativa oficial para a anulação do leilão foi que as empresas vencedoras “têm fragilidades”; logo, “não demonstraram capacidade financeira para operar um volume desse tamanho”. Na prática, o problema era ainda maior: elas não são do ramo de importação, ou seja, nem sequer deveriam ter participado da concorrência — duas das arrematantes tinham restrições da Receita Federal para comércio exterior.

Aliás, toda a operação, cujo montante total chega a 300 mil toneladas de arroz estrangeiro tipo 1 — o “agulhinha” —, ao custo de R$ 1,7 bilhão, foi desastrosa.

Aos fatos: a desculpa do governo para importar arroz foi a catástrofe provocada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção nacional. Porém, entidades e órgãos oficiais afirmaram que 85% da safra deste ano já foi recolhida — ou seja, não há risco de desabastecimento.

Notícia publicada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (28/5/2024) | Foto: Reprodução/Gov

A intenção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é distribuir esse arroz com a logomarca do governo Lula, a R$ 4 o quilo, a partir de setembro, o que coincide com o calendário das eleições municipais. O valor de compra final do cereal, no entanto, chegou a R$ 5, o que significa que o governo vai arcar com a diferença — uma modalidade de subsídio estatal conhecida como subvenção. As embalagens pesam 5 quilos.

A Conab foi transformada em braço político desde o ano passado pelo PT. Lula transferiu o órgão do Ministério da Agricultura para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que cuida dos interesses do MST, por meio de decreto. A mudança foi feita para que o controle dos 64 armazéns e graneleiros espalhados pelo país passassem para o comando do PT, já que a pasta da Agricultura é considerada sensível — leia-se: precisa manter boa relação com o agronegócio.

O chefe da Conab é o petista Edegar Pretto, nomeado depois de perder a última eleição para o governo gaúcho. Edegar é filho do ex-deputado Adão Pretto, fundador do MST, herdeiro do seu espólio de votos dos sem-terra. A família é inteira de políticos: o irmão de Edegar é deputado estadual, uma espécie de garoto-propaganda da falácia do “arroz agroecológico” do MST.

Edegar Pretto | Foto: Marcelo Bertani/ALRS/Divulgação
Texto disponível no site da Conab (26/4/2017) | Foto: Reprodução/Conab

O perfil das arrematadoras é outro ponto complexo. Ficou claro que o governo não se preocupou em estabelecer parâmetros rigorosos no edital para a seleção. A principal vencedora, a mercearia amapaense Wisley A. de Sousa LTDA, cujo nome fantasia é “Queijo Minas”, foi autorizada a vender quase 150 mil toneladas ao preço de R$ 730 milhões. A Icefruit, de Tatuí (SP), fabricante de polpa de frutas para sucos e sorvetes, ficou com 20 mil toneladas, por R$ 100 milhões. Outro lote ficou com a locadora de veículos e máquinas ASR, do Distrito Federal — 22 mil toneladas, por R$ 112 milhões.

A principal vencedora, a mercearia amapaense Wisley A. de Sousa LTDA, cujo nome fantasia é “Queijo Minas” | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Segundo entidades do ramo, além da capacidade real de armazenagem, a principal questão não respondida é: como essas empresas dariam conta da logística de entrega dos grãos em diversos Estados do país em curto prazo? O arroz estrangeiro seria submetido à certificação de conservação em estoque e às exigências sanitárias brasileiras? Mais: o governo se comprometeria a arcar com prejuízos se o produto nunca chegasse?

Essas e outras perguntas foram feitas na terça-feira por jornalistas durante uma entrevista coletiva com os ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário). O primeiro se embananou ao tentar justificar as falhas grotescas no leilão. O segundo foi mais direto. Respondeu aos repórteres com um sonoro “Isso não interessa” (veja o vídeo a seguir).

A demissão do secretário de Política Agrícola, Neri Geller, ex-ministro de Dilma Rousseff e antigo frequentador do noticiário policial — ele foi preso em 2018 pela Lava Jato —, também ampliou a confusão. Durante a semana, a imprensa descobriu que o dono de uma corretora que atuou no leilão, Robson Luiz de França, defende Geller em 30 processos na Justiça. As empresas dele intermediariam 45% do arroz importado.

Os dois mantêm ligação há décadas. França foi assessor de Geller na Câmara dos Deputados e depois na pasta da Agricultura. Ele é sócio do filho do ex-ministro em outra empresa e trabalhou para o diretório do PP de Mato Grosso, liderado por Geller.

O responsável pelo leilão foi o diretor de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos, que também foi assessor parlamentar de Neri Geller. O ex-ministro e ex-secretário tentou se eleger senador em 2022, com o apoio de Lula, mas teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral.

Neri Geller, ex-secretário de Política Agrícola | Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Notícia publicada na Veja (11/6/2024) | Foto: Reprodução/Veja

No Congresso Nacional, um grupo de parlamentares recolhe assinaturas para a instalação de uma CPI, batizada de CPI do Arrozão. A iniciativa partiu do gabinete do deputado Zucco (PL-RS), que presidiu a CPI do MST no ano passado. Faltam 50 assinaturas. “O leilão está cheio de irregularidades”, disse Zucco. “Como pode o governo federal comprar arroz de sorveteria, de casa de queijo, de material de locação de veículo pesado?”.

A oposição, contudo, segue dividida sobre a instalação da investigação por dois motivos: o calendário eleitoral vai esvaziar a Câmara a partir do mês que vem, e o receio de que o PT use a comissão para atacar o agronegócio, constrangendo produtores importantes.

Não bastassem as suspeitas de que o leilão é um caso de polícia, as federações de produtores reclamam que o governo “bagunçou o mercado”, nas palavras do economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz.

“O governo, quando interveio no mercado, criou uma alta no preço”, afirmou Luz. “Quando disse para as pessoas que podia faltar arroz, elas saíram para o supermercado para se abastecer, e o preço subiu para o consumidor. E, quando anunciou o leilão de 1 milhão de toneladas, o preço no Mercosul explodiu. Depois, comunicou que não compraria do Mercosul, compraria de fora, logo o preço na Tailândia e no Vietnã subiu.”

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF). “O arroz produzido e colhido pelos produtores rurais gaúchos certamente sofrerá com a predatória concorrência de um arroz estrangeiro, subsidiado pelo governo federal e vendido no Brasil fora dos parâmetros econômicos de fixação natural de preços”, disse a entidade. A Corte ainda não se pronunciou.

Consultores do mercado de commodities alertam ainda para o risco de desemprego na indústria nacional no próximo ano se o volume de arroz importado desembarcar no país no segundo semestre com prazo de validade de 300 dias. Em suma, além de não existir risco de desabastecimento, a negociata vai prejudicar a indústria e a próxima safra.

O fato é que, desde o anúncio, em maio, o leilão da compra emergencial de arroz tinha todos os indícios de que era trambique. O desfecho da operação provou que era mesmo. O problema a partir de agora é que o governo do PT vai tentar de novo.

Leia também “Estado Relativo Democrático de Direito”

7 comentários
  1. Paulo César da Conceição
    Paulo César da Conceição

    Governo maldito! Não está nem aí para o RS.

  2. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio, Amapá lembra Macapá a pior cidade entre 100 brasileiras em saneamento básico, lembra Randolfe e Alcolumbre, lembra pobreza, saúde publica e insegurança, e ainda assim tem uma poderosa empresa autorizada a vender 150 mil toneladas de arroz ao preço de R$730 milhões?.
    Não é estranho Silvio?

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Onde a quadrilha petista põe o dedo, pode ter certeza que é trambique. Não tinha como ser de outro jeito nesta situação do arroz.
    A Conab também deve tá uma “beleza” sendo chefiada por um dos integrantes desta gangue.

  4. Leonardo de Almeida Queiroz
    Leonardo de Almeida Queiroz

    Não falha nunca ! Se foi nomeado pelo governo Lula com certeza vai dar nas páginas policiais !

  5. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Vergonhosa farra com o dinheiro público.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Isso é que é ser cabras-safados, se aproveitar de uma tragédia que arrasou o Rio Grande do Sul pra roubar, mesmo sabendo que não ia faltar arroz. Uns pestes bobônica desses merece o quê ?

  7. José Luís Apud
    José Luís Apud

    Ouvi na Band do Cláudio Humberto que o Lula em maio/2024 em uma cidade do nordeste (não lembro o nome) falou que o governo importaria arroz
    a

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