“Nosso objetivo é dar voz às famílias e às pessoas que foram silenciadas, e que não podem opinar sobre o que aconteceu naquele dia”, resumiu a advogada Gabriela Ritter, que dirige a Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav). Gaúcha de Santa Rosa, ela também é filha de um dos presos na manifestação. Seu pai, o mecânico Miguel Ritter, de 61 anos, foi condenado a passar os próximos 14 de sua vida atrás das grades, por “golpe de Estado”, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e outros três crimes estabelecidos por nove ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Atualmente, a associação cuida de mais de 100 famílias. Um dos braços da entidade é amparar financeiramente essas pessoas com recursos oriundos de doações. Outro meio de assistir a toda essa gente é produzir relatórios sobre os abusos e violações cometidos contra os presos e denunciar em países onde há democracia de fato.
Segundo Gabriela, é importante que outras nações tomem conhecimento do que está acontecendo no Brasil. Por isso, uma caravana composta de advogados integrantes da Asfav já esteve nos Estados Unidos e na Argentina. “Sabemos que o ministro Alexandre comete arbitrariedades todos os dias”, constatou. “Então, para cada nova situação que vai aparecendo, precisamos de um remédio diferente. Não sei se todas as solturas e prisões domiciliares que testemunhamos são resultado direto da nossa atuação, mas sei que, uma hora, a corda vai romper, e não devemos desistir nunca.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro?
Depois das primeiras prisões, fizemos um protesto em frente ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, em 11 de abril. Ali, conheci o doutor Ezequiel Silveira, que sugeriu criarmos uma associação. Inicialmente, fiquei com receio, mas depois entendi que seria bom para fortalecer a causa e dar voz aos silenciados. Por isso, no dia 28 daquele mês, surgiu a Asfav, com CNPJ e toda a documentação regularizada. Passamos a conversar com as famílias de outros manifestantes detidos para montar a nossa diretoria. Dessa forma, conseguimos criar uma equipe bem diversa e que se mantém até agora, com psicólogos, terapeutas, médicos e advogados. Há bastante gente unida.
Como é o dia a dia da associação?
Trabalhamos 24 horas envolvidos na causa dos presos do 8 de janeiro. Além de cuidar das famílias, nossa atividade abrange a produção de conteúdo. Isso porque escrevemos relatórios sobre a situação dos manifestantes na cadeia, redigimos documentos que tratam do desrespeito aos direitos, fazemos tradução para outros idiomas e enviamos ofícios a instituições, como o STF, a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e organismos voltados aos direitos humanos. Resumidamente, é um trabalho de várias frentes, que vai da assistência à parte documental e ao lado combativo. Temos enfrentado o que está acontecendo. Sabemos que o ministro Alexandre comete arbitrariedades todos os dias. Então, para cada nova situação que vai aparecendo, precisamos de um novo remédio.
Como a Asfav ajuda as famílias?
Atualmente, atendemos mais de 100 famílias, e temos critérios para ajudá-las. Aquelas com crianças e idosos, por exemplo, recebem um pouco mais de dinheiro. E tudo isso ocorre de forma organizada. Cada depósito é previamente aprovado pela nossa tesouraria, e eu mesma faço os pagamentos por meio da conta da associação. Os recursos que temos são oriundos de doações das famílias envolvidas e de gente que apoia a causa da Asfav. Não há instituições, empresas ou políticos nos financiando. É tudo iniciativa de pessoas físicas que contribuem com valores diversos. Em paralelo a essas doações, cobramos também uma mensalidade facultativa dos nossos integrantes, de R$ 10, para ajudar no funcionamento da associação e na ajuda a quem precisa.
Vocês já estiveram no Congresso dos Estados Unidos e no Parlamento da Argentina. Como isso aconteceu?
Depois de audiências públicas na Câmara dos Deputados e no Senado, nas quais denunciamos incansavelmente a situação dos presos, protocolamos cem denúncias individuais na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e cumprimos uma agenda em várias cidades dos Estados Unidos. Foi aí que vimos a importância de denunciar os abusos no estrangeiro. Posteriormente, também fomos recebidos pelo deputado republicano Chris Smith. Inclusive, entregamos a ele um relatório repleto de violações sobre o protesto. Depois, os advogados doutor Ezequiel e Carolina Siebra partiram para Buenos Aires, na Argentina, a convite da deputada María Celeste Ponte, e relataram no Parlamento as arbitrariedades no Brasil: violações de direitos fundamentais e humanos. Foram duas oportunidades muito boas para a Asfav. Lembro também que todas essas viagens só se tornaram viáveis porque usamos recursos próprios. Apenas para a mais recente houve uma campanha de arrecadação.
Quais foram os resultados obtidos com essas viagens internacionais?
Quando todos estavam presos, no ano passado, começamos a fazer pressão política com denúncias. Depois disso, os alvarás de liberdade provisória começaram a ser expedidos. Passamos a entender que a pressão política ajuda. Não podemos ficar apenas no sofá esperando algo acontecer. Dentro do Brasil, fizemos o possível e continuaremos a fazer. Nesse percurso, percebemos também a importância que denúncias no estrangeiro teriam. Por isso, optamos por essa via adicional. Não sei se todos os efeitos práticos que testemunhamos são resultado direto da nossa atuação, mas sei que, uma hora, a corda vai romper, e não devemos desistir nunca. Vencerá quem durar mais tempo.
“Nas redes sociais, há internautas que marcam o perfil do ministro Alexandre em posts nossos com os dizeres ‘olha o que eles estão falando aqui’. É horrível ter a sensação de que não há liberdade em lugar nenhum”
Os congressistas brasileiros aderiram à causa da Asfav?
Alguns deputados e senadores de direita apoiam a causa. Eles enxergam que as garantias constitucionais conquistadas pela população estão sendo violadas. Nosso trabalho é mostrar tanto para parlamentares de direita, quanto de esquerda, que o que acontece hoje com esses presos políticos pode ocorrer com a esquerda, em virtude dos precedentes abertos pelo STF.
Condenados pelo 8 de janeiro têm deixado o Brasil. A Asfav tem ajudado no processo de obtenção dos asilos políticos? E como está a condição dessas pessoas?
Nossa ajuda tem sido indireta, por meio das denúncias nos Parlamentos de outros países, da leitura dos relatórios e do material que temos produzido, mas só isso. Tampouco fomos a favor da fuga do Brasil. A respeito da condição de vida dessas pessoas, tomamos conhecimento de gente que vive em situação deplorável. E não há nenhum exagero em falar isso. São pais, mães, avôs e avós que têm de dormir em colchões com bichos, amontoados em imóveis precários, onde não há geladeira ou fogão. Sem contar a temperatura da água nesses locais, que é bastante fria. Além disso, há a parte psicológica, de gente que deixou tudo para trás para viver em uma situação totalmente desumana.
Desde que a Asfav surgiu, a senhora chegou a ser intimidada em virtude do seu ativismo em prol dos direitos humanos?
Sim, e várias vezes, inclusive por deputados de esquerda. Já ouvi todo tipo de intimidação, daquelas que sugerem “descer o braço em golpista”. Nas redes sociais, há internautas que marcam o perfil do ministro Alexandre em posts nossos com os dizeres “olha o que eles estão falando aqui”. É horrível ter a sensação de que não há liberdade em lugar nenhum, tampouco na internet, que é aberta a todos.
A senhora tem medo de ser investigada pelo STF?
Sempre fiz tudo sabendo que meus atos teriam consequências. Em janeiro deste ano, descobri, por meio de uma notícia, que sou investigada pelo STF. Dei uma entrevista ao portal Terra sobre a doença rara que minha filha tem. Em um conteúdo relacionado, notei uma reportagem da Lupa que tratava também do meu pai, Miguel Ritter. À agência de checagem, Moraes informou que eu estava na mira do STF.
Como tem sido a coleta de assinaturas pela anistia dos presos?
Quando a iniciativa começou, sentíamos que estava mais forte. No entanto, com o passar do tempo, as coisas vão esfriando. Por isso, precisamos relembrar esse tema sempre que possível para ele não sair da cabeça das pessoas. A ideia da coleta de assinaturas é ter um plano B, caso o projeto de lei da anistia, no Congresso Nacional, não seja aprovado. Uma iniciativa popular como a que queremos tem a capacidade de mostrar ao Parlamento que o brasileiro defende a causa, e, assim, nossos deputados e senadores terão a certeza absoluta de que é uma bandeira do país.
Leia também “Importar arroz é uma desculpa do governo para intervir no mercado”
Muita força e coragem Gabriela. Todas as pessoas honradas e de bem desse país estão do seu lado ! Teria como haver mais difusão para que mais gente possa colaborar com essa justíssima e nobre causa?
como posso contribuir para a ASFAV
Imprensa internacional tem que ser esclarecida
Aquele que não pode ser nominado terá que colher exatamente aquilo que está plantando, não sei se o inominável crê na lei da semeadura, mais isso é totalmente irrelevante, na mesma medida que está julgando tbm será julgado.
Um dia se fará justiça em relação aos presos politicos . O STF ficará na história deste país , como uma das instituiçoēs mais infames , que existiram dentro do Judiciário.
Força Gabriela. Também acredito que vai chegar a hora da corda estourar, e estas pessoas terão sua decência devolvida. Não podemos também perder de vista que os responsáveis por isso precisam e devem ser punidos, cedo ou tarde. Alexandre de Moraes e seus comparsas.
Parabéns para a doutora Gabriela Ritter, esse STF são 11 corvos, estão fazendo feito Putim, vai atrás de investigar a vida de quem aponta seus crimes. Um governo terrorista dissimulado ladrão com a justiça fazendo horrores
Cambada de malandros.
Excelente entrevista. Parabéns. Se um ministro do STF já tivesse sofrido um processo de impeachment, não estaríamos nesta situação. Rodrigo Pacheco sabujo da Suprema Corte.
Creio que a REVISTA OESTE, GAZETA DO POVO, BRASIL PARALELO e as várias mídias centro direita poderiam divulgar diariamente essa coleta de assinaturas pela ANISTIA DOS PRESOS POLITICOS e posterior punição aos abusos de autoridade praticados pelo Judiciário com essa farsa do 8 de janeiro.
Não sabia do abaixo assinado. Divulguem mais, por favor
Excelente entrevista e esclarecedora.
Obrigada pelo excelente jornalismo Cristyan Costa.Ainda existem pessoas íntegras nesse país. Força Gabriela,nunca esqueceremos das vítimas de um golpe inexistente.
Força Gabriela nao desanime, a hora desse ditador vai chegar , atraves de meios verdadeiramente democratcos.