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Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 224

Um governo infrutífero

Este governo, simplesmente, acabou antes mesmo de começar; gorou, não vingou. São tantos os erros saltando à vista que nem a velha imprensa aliciada consegue mais esconder

Ubiratan Jorge Iorio
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“Porque, se a trombeta der sonido incerto,
quem se preparará para a batalha?”
(I Cor 14:8)

Decorridos exatos 18 meses desde que o “governo do amor” começou a atazanar a vida dos brasileiros, a impressão que se tem é a de que tudo na paisagem é assolação. Olha-se para cima, à frente, à direita e à esquerda; vira-se e espia-se para trás, piscam-se os olhos; e o que se vê é só devastação, escombros e destroços. É inútil procurar por alguma notícia boa, porque, simplesmente, não existem boas novas. Este governo, definitivamente, é infrutífero; é a própria figueira estéril. É inútil esperar que dê frutos. Sua mediocridade é tão impressionante que, às vezes, parece até proposital — e, segundo alguns, é mesmo um caso pensado de destruição. Prefiro, contudo, continuar acreditando que seja só incompetência.

Não se trata, absolutamente, de “torcer contra”. É que a economia e as demais atividades no campo da ação humana, para funcionarem bem, exigem respeito a certos princípios insubstituíveis, e este governo é um desastre, porque desacata e ofende todos eles. Na base de todo o retumbante fracasso que se constata diariamente, temos uma combinação fulminante, com pelo menos três elementos: a) a ausência de uma coordenação mínima, que alguns chamariam de programa de governo; b) a concepção inteiramente ultrapassada (até mesmo para os superados padrões “desenvolvimentistas”) da função do Estado na economia e na própria vida das pessoas; e c) o desgaste do partido do governo e do próprio presidente, uma corrosão que vem desde os tempos da Lava Jato e que nenhuma operação conduzida por amigos, “amigos de amigos” ou por quem quer que seja conseguiu e vai conseguir apagar.

Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, em Brasília | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Este governo, simplesmente, acabou antes mesmo de começar; gorou, não vingou. São tantos os erros saltando à vista que nem a velha imprensa aliciada consegue mais esconder. A coisa chegou a tal ponto que, quanto mais o jornalismo subserviente tenta, como sempre fez no passado, ocultar e negar fatos e apresentar narrativas para manipular as opiniões, mais fica visível o seu papel degradante e deprimente de porta-voz de um dos piores governos de toda a nossa história republicana — e não custa lembrar que, em termos de mediocridades, a República brasileira sempre foi pródiga. Aliás, alguns jornalistas já começam a reconhecer que não dá mais para continuar agindo como verdadeiros cães de guarda do governo e já ensaiam — embora visivelmente constrangidos e ainda com timidez — algumas críticas.

Não é necessário qualquer esforço para listar dezenas de “feitos” extraordinários do governo que veio para “salvar a nossa democracia” das garras da “ultradireita golpista”, colhidos aleatoriamente do noticiário. Vamos citar alguns.

Para começar, pela oitava semana consecutiva, o Boletim Focus desta semana prevê alta da inflação de preços para este ano, ao mesmo tempo que mantém estável a expectativa para a Selic (em 10,5%) e projeta arrefecimento no crescimento do PIB para este ano e o próximo. O real, que está completando 30 anos, foi a moeda que mais se desvalorizou entre as moedas dos países emergentes em 2024, perdendo até mesmo para o peso argentino, que, sob a liderança de Milei, já mostra o que todos deveriam saber — que a boa teoria econômica funciona. O ministro da Fazenda, entretanto, atribui a disparada do dólar a simples “ruídos” na comunicação do governo. 

fernando haddad
Fernando Haddad, ministro da Fazenda | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Não à toa, de acordo com a consultoria especializada Henley & Partners, cerca de 800 cidadãos brasileiros com patrimônio de pelo menos US$ 1 milhão — o equivalente a 1% do total dos milionários existentes no país — vão deixar o Brasil neste ano, o que nos coloca como o sexto país do mundo em êxodo de milionários, atrás apenas da China, Reino Unido, Índia, Coreia do Sul e Rússia.

O governo tem sido também um verdadeiro campeão na liberação de emendas parlamentares, uma idiossincrasia típica de nossas instituições, mas que, nos tempos de Bolsonaro — não custa lembrar —, eram vistas como crime de lesa-pátria. Por sua vez, os gastos sigilosos com cartões corporativos vêm batendo todos os recordes e refletem um esbanjamento desavergonhado, sem qualquer cerimônia ou pudor, do dinheiro dos pagadores de impostos.

Ilustração: Shutterstock

E o que dizer do meio ambiente, esse fetiche do globalismo progressista? Pois então, o governo vem assistindo passivamente ao aumento descomunal nas queimadas, que no primeiro quadrimestre deste ano já cresceram 154% em relação ao mesmo período de 2023. O que vem acontecendo no Pantanal é um verdadeiro crime, mas os especialistas da imprensa amiga e do governo — a começar pela ministra especialista em regurgitar cachoeiras de palavras sem dizer coisa com coisa — teimam em pôr a culpa na natureza, um diagnóstico bastante estranho, tendo em vista que até 31 de dezembro de 2022 faziam um escarcéu contra o antigo governo sempre que alguém riscava um inocente fósforo na Amazônia para acender uma daquelas espirais para espantar mosquitos. Imaginem o barulho que teriam feito caso o governo anterior reduzisse a verba do Ibama para combate ao fogo. Pois o governo atual reduziu em 24%, com silêncio absoluto nas redações. 

No que diz respeito às agressões aos direitos de propriedade, estamos assistindo a recordes em invasões de terras e em violência no campo, apesar das declarações do chefe do Executivo de que “há muito tempo” o MST não invade terras e de que é um grupo “altamente produtivo”, emendando com a afirmativa pueril de que quem toma a terra dos agricultores não é o MST, mas os bancos. Ora, haja paciência, em outubro de 2023, com apenas dez meses de seu governo, o número de invasões já tinha superado o ocorrido durante todo o mandato de Bolsonaro.

Diante de tanta inoperância e incompetência, para que servem os quase 40 ministérios, a não ser para distribuir favores e gastar os recursos dos pagadores de impostos?

Outra patuscada inacreditável dessa gente é a decisão de importar arroz, comercializá-lo com rótulo do governo do amor e fixar o seu preço abaixo do preço do mercado. Para completar, a identificação de velhas irregularidades nos leilões, o que levou à sua anulação.

E, para encerrar, com relação ao trato com o chamado “dinheiro público”, o mínimo que se pode atribuir ao governo atende pelo nome de irresponsabilidade: as necessidades de financiamento do setor público (ou déficit nominal) já bateram em R$ 1 trilhão em 2024, um número compatível com o verificado durante a pandemia, só que agora não há nenhuma pandemia. A dívida bruta como proporção do PIB já está na casa dos 76,8%, o maior nível em dois anos. Pode não parecer muito, mas, se levarmos em conta que o prazo médio de pagamento dos títulos do governo é bem menor do que nos países que apresentam percentuais mais elevados, esse é um problema sério a ser enfrentado. O déficit primário do setor público consolidado ascendeu a R$ 63,9 bilhões em maio deste ano, o maior saldo negativo para o mês desde 2020 e R$ 13,7 bilhões (27,4% a mais) acima do resultado de maio de 2023.

Ilustração: Shutterstock

Obviamente, não se escuta um pio dentro do governo no sentido de se adotar qualquer medida que venha a contribuir para o enxugamento do Estado. Pelo contrário, o que se vê são discursos no sentido contrário. O ministro da Fazenda só sabe falar em aumentar a arrecadação, em criar novos impostos, em tributar o que antes era isento e em pôr fim a desonerações fiscais. Todo o esforço que a equipe econômica anterior fez para descomplicar a vida dos brasileiros e abrir caminho para o empreendedorismo está sendo posto abaixo, para sustentar um modelo de Estado pesado demais, totalmente ultrapassado e absolutamente incompatível com as reais necessidades do país.

Diante de tanta inoperância e incompetência, parece perfeitamente cabível arguir: para que servem os quase 40 ministérios, a não ser para distribuir favores políticos e gastar os recursos dos pagadores de impostos?

Até aqui, fiquei no âmbito do Executivo e restrito ao plano da economia, mas acontece que uma sociedade não pode ser vista só com esse olho: é preciso enxergar os outros dois Poderes, a maneira como os três se relacionam e as instituições como um todo. Portanto, quando olhamos para o Brasil dos nossos dias, temos que levar em conta fatos que transcendem a economia, mas que a afetam negativamente. E o que encontramos?

Estamos vivendo há tempos um clima de insegurança jurídica inacreditável, em que o Poder Judiciário de mete sem qualquer constrangimento no Executivo e, principalmente, no Legislativo, com a alegação de que só faz isso porque é provocado, quando na verdade o que se vê é um ativismo jurídico totalmente inaceitável dentro de um verdadeiro Estado de Direito; a impressão que se tem é a de que existe uma Constituição especial a ser aplicada em cada caso e por cada um que deve guardá-la.

Em resumo, as instituições estão funcionando muito precariamente. É muito difícil compreender o som que a trombeta está emitindo, se é de ataque, defesa, retirada, rendição ou qualquer outra coisa. É óbvio que as atividades econômicas são as primeiras a serem afetadas por tamanha incerteza. Ora, assim como, se você estiver convencido de que vai chover, é prudente levar um guarda-chuva ao sair de casa, quando você percebe o tamanho das incertezas que esfumaçam o ar no Brasil, os riscos que a sua liberdade está enfrentando e a incompetência descomunal do governo em lidar com os princípios mais elementares da política econômica, não é preciso ser um bom economista para encolher-se e esperar passar o período de trevas. Esperar de uma figueira estéril que dê frutos, cá entre nós, é burrice.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Rede X: @biraiorio

Leia também “A vitória da direita”

6 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Artigo perfeito! Retrata fielmente nossa trágica realidade.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    As ações nefastas deste DESgoverno me remetem a outro triste episódio da nossa republiqueta das bananas.
    O ano era 1984 e Tancredo de Almeida Neves havia sido eleito primeiro presidente civil depois do regime militar de 1964.
    15 de março de 1985 seria a data de posse, mas um dia antes foi internado com diagnóstico de diverticulite.
    Tomou posse o vice José Ribamar de Araújo Costa, conhecido como José Sarney.
    Sua administração foi um desastre tendo conquistado por meios nada republicanos um ano a mais de mandato, sendo o único presidente a ocupar o cargo por 5 anos e este ano a mais custou muito caro ao país.
    Na economia passaram 4 ministros e a hiperinflação era devastadora.
    Surgiu então o plano Cruzado em 28 de fevereiro de 1.986, com congelamento de preços, desabastecimento, donas de casa eram chamadas de “fiscais do Sarney”, gerentes de supermercados presos, Polícia Federal indo às fazendas confiscar bois no pasto.
    Nos dias atuais a PF está assoberbada em busca de fake news, o judiciário deixou de cumprir as leis que regem o país e o legislativo abandonou suas prerrogativas constitucionais.
    Estamos a revelia…

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Infelizmente é uma triste e real fotografia do que o establisment transformou o Brasil.

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A imprensa do consórcio silencia porque vive a base de gordas verbas públicas. Lembro no início de 2023, um repórter da Globo falando ao vivo que recebe ordens do que falar e o que não falar vindas dos gabinetes de Brasília.

  5. Rosângela Baptista da Silva
    Rosângela Baptista da Silva

    Excelente artigo! Disse tudo e mais um montão do que penso também.. Parabéns!

  6. JOSE CARLOS GIOVANNINI
    JOSE CARLOS GIOVANNINI

    CANAPENTES ; (CANALHAS INCOMPETENTES)

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