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Daniel Silveira | Foto: Montagem Revista Oeste/Câmara dos Deputados/Shutterstock
Edição 226

Abandonado na prisão

Daniel Silveira segue preso há quase 900 dias, mesmo tendo sido indultado por Bolsonaro

Cristyan Costa
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Habituado ao conforto de uma ampla casa rodeada de árvores em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, o ex-deputado federal Daniel Silveira agora tem de dividir uma cela apertada com outras três pessoas em Bangu 8, que, tempos atrás, era visitada por ratos. Ali, precisa acordar cedo todos os dias, tomar banhos frios e usar o banheiro comunitário com os demais colegas de cárcere.

Os compromissos da intensa agenda no Congresso Nacional, que previam idas a encontros partidários e sessões alongadas no plenário da Câmara, foram substituídos por banhos de sol entediantes com detentos comuns vagando sem rumo de um lado para outro, exercícios físicos constantes e trabalho como faxineiro em unidades do presídio. As horas vagas que passavam rápido quando as dedicava à família agora percorrem lentamente os ponteiros de um relógio branco no alto da entrada da biblioteca do presídio, onde Silveira devora vários livros para evitar enlouquecer e conseguir reduzir a pena “malhando o cérebro”.

Caso queira comer algo diferente do alimento frio e de má qualidade do presídio, Silveira tem de esperar a chegada de um kit enviado pela família, com algumas guloseimas que incluem bolachas e pudim, o que nem sempre é possível. Isso porque o dinheiro é curto, e o trajeto que separa a casa onde ele morava do presídio onde está é de mais ou menos três horas. Essas dificuldades se repetem quando é necessário enviar itens de higiene pessoal e roupas limpas.

A maioria das informações que consegue do mundo aqui fora chega por meio da defesa e de seus parentes. Por isso, não é incomum Silveira ficar surpreso com as “novidades” que recebe de notícias que já envelheceram na semana anterior. Os diálogos com os parceiros de cela giram em torno do que fazer quando sair dali, política e assuntos banais do dia a dia. A nova realidade monótona do ex-deputado se repete há quase 900 dias.

Do lado de fora, a mulher, Paola, e as duas filhas do ex-deputado, uma de 8 anos e outra de 23, vivem com o dinheiro proveniente de doações, em virtude dos sucessivos bloqueios judiciais do patrimônio do casal, avaliado em aproximadamente R$ 500 mil. Os recursos que recebem de terceiros servem para comprar alimentos e bancar as despesas básicas do imóvel, que é alugado, como água e luz. Advogada, Paola nem sequer tem os instrumentos para trabalhar adequadamente, visto que, durante uma operação da Polícia Federal (PF), os agentes levaram seu laptop e celular, com dados pessoais e inúmeros arquivos que a ajudavam a desempenhar seu ofício com os clientes.

O inferno vivido por Silveira e sua família começou a arder ainda mais depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado um indulto que o ex-deputado recebera, em 2022, do então presidente Jair Bolsonaro, um dia depois de ter sido condenado pelo STF a oito anos e nove meses, por ofensas que proferiu contra os juízes da Corte. No ano anterior, Silveira insultou os integrantes do tribunal em uma live na internet.

Segundo o advogado Paulo Faria, que atua na defesa do ex-deputado, Silveira está na cadeia 82 dias além do prazo para ter acesso ao regime semiaberto. De acordo com Faria, “sem fundamento jurídico”, Moraes decidiu que a progressão se dará quando Silveira alcançar 25% da pena em regime fechado, apesar de o próprio gabinete do juiz do STF ter declarado o contrário ao expressar, em várias ocasiões, que o porcentual exato do benefício era de 16%.

Tampouco o apelo da mãe do ex-deputado, dona Matildes, foi capaz de abalar as estruturas do STF. “Acredito veementemente que ele já entendeu que errou, pois conheço meu filho como a palma de minha mão e peço ao senhor ministro que venha a se despir da figura de juiz e leia esta carta como um filho e também como pai, que acaba sendo um pouco de ‘mãe’”, escreveu ela. “A falta de urbanidade, o desrespeito e deselegância que ele se dirigiu aos ministros desta corte não condiz com os ensinamentos familiares que foram passados a ele. Me sinto envergonhada, mas afirmo que não se repetirá, pois me encarregarei pessoalmente de cuidar deste assunto.”

Violações e arbitrariedades

O caso de Silveira é marcado por abusos desde o primeiro dia. Na noite de 16 de fevereiro de 2021, o então deputado federal foi detido em flagrante pela PF, no Rio, por causa de um vídeo gravado horas antes, no qual também defendeu a volta do Ato Institucional nº 5. Na decisão, Moraes ressaltou a importância de “medidas energéticas para impedir a perpetuação da atuação criminosa do parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes” — Silveira estava inserido no âmbito do Inquérito das Fake News desde 2019. No dia seguinte, o plenário da Corte referendou o mandado.

Ministro Alexandre de Moraes, do STF | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O ato ocorreu mesmo estando Silveira protegido pelo artigo 53 da Constituição, dispositivo que trata da imunidade parlamentar. De acordo com o texto, congressistas são invioláveis por opiniões, palavras e votos. Além disso, seria competência da Câmara, e não do STF, decidir se o vídeo serviria como motivo para afastamento ou cassação na Comissão de Ética. Mesmo com todas essas salvaguardas jurídicas, a Casa se acovardou perante Moraes e, três dias após a canetada do juiz do STF, decidiu referendar a prisão ilegal de Silveira, por 364 votos a 130, abrindo precedente para que outros possam também sofrer punições parecidas.

A meia liberdade viria só em novembro daquele ano. Isso porque Moraes proibiu Silveira de usar redes sociais e falar com outros investigados pelo inquérito. Em março, uma nova determinação: o uso de tornozeleira eletrônica, por suposto descumprimento da cautelar anterior. Depois de Silveira se recusar a cumprir a ordem, Moraes enviou a PF às dependências da Câmara para instalar o equipamento. O então deputado subiu à tribuna e disse que o ministro era “um sujeito medíocre”, que “desonra o STF”. Depois, passou a noite acampado no gabinete — aliados o ajudaram com colchão e travesseiro.

“Aceito a imposição quando os deputados decidirem se ela deve ou não ser aplicada”, avisou Silveira. “Não se deve abrir um precedente contra o Legislativo.” Paralelamente, a bancada evangélica cobrou do presidente da Câmara, Arthur Lira, que pautasse uma votação em plenário sobre a imposição da tornozeleira e ressaltasse a independência dos Poderes. Lira lavou as mãos e só assegurou que Silveira não seria preso dentro da Casa. O juiz do STF reiterou a ordem e o ameaçou com uma multa diária de R$ 15 mil, desconto no contracheque e bloqueio das contas bancárias. Encurralado financeiramente e sem o respaldo do comando da Câmara, o deputado prometeu acatar a decisão. “Não tenho caixinha de corrupção, não tenho secretaria, não tenho carguinho aqui e acolá, então é o meu salário”, disse. “Quem vai pagar a multa diária para mim?”

Deputado Daniel Silveira coloca tornozeleira
Polícia Federal coloca a tornozeleira eletrônica em Daniel Silveira | Foto: Reprodução

No dia seguinte, contudo, Silveira apareceu sem a tornozeleira em um evento de despedida dos ministros no Palácio do Planalto, o que causou alvoroço no consórcio de imprensa. Ao longo daquela semana, publicações sobre o caso nem sequer se referiam a ele como deputado, mas, sim, como “bolsonarista”. Colunistas do portal UOL e do jornal O Globo defenderam a condenação à prisão do “valentão discípulo de Bolsonaro que desrespeitou o STF”.

Moraes ficou furioso ao ver imagens de Silveira na TV, sentado na primeira fila do salão, sem a tornozeleira. Em novo despacho, fixou horário e estabeleceu que o equipamento deveria ser colocado na sede da PF. Silveira cumpriu a ordem horas depois. “É preciso avaliar a necessidade ou não da utilização humilhante de tornozeleira por um deputado federal, que é um representante do povo brasileiro, e é necessário que se pense no contexto”, disse o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello. “Para mim, esse ato deveria ter sido submetido à Câmara dos Deputados.”

Condenação, indulto e abandono no cárcere

Em abril, o STF condenou Silveira, por maioria, a oito anos e nove meses de cadeia, além de cassar os direitos políticos dele. Vinte e quatro horas depois, contudo, Bolsonaro concedeu ao ex-deputado um indulto, prontamente encarado pela Corte como uma forma de desafiá-la. Com a derrota do presidente para Lula, na eleição daquele ano, o STF anulou a graça, em maio de 2023. Após 13 dias, quando acabou efetivamente o mandato de Silveira, Moraes determinou o imediato cumprimento da pena. Daquele dia em diante, Silveira teve uma série de pedidos negados pelo reator, entre eles inúmeros recursos — que renderam uma sucessão de multas ao advogado de defesa — e mais de 30 solicitações de progressão de pena.

Em um dos processos, Moraes tampouco poupou a defesa da cruzada contra Silveira ao ordenar ao advogado o pagamento de R$ 4 mil de multa. Tempos depois, mandou-o desembolsar mais R$ 2 mil, por “excesso de recursos”. Noutra ocasião, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sugeriu à Ordem dos Advogados do Brasil que investigasse Faria por suposta falta de decoro nas ações que apresentou ao STF. Na sequência das arbitrariedades cometidas pelo PGR e pelo ministro, Moraes foi além e mandou o advogado se retratar do que seriam “palavras indecorosas” e que insultariam o Poder Judiciário.

Daniel Silveira | Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados

Nesse período, Silveira também acumulou uma quantidade absurda de multas, por suposto desrespeito às medidas cautelares — mesmo durante a vigência do indulto —, que somam quase R$ 4 milhões. Sem dinheiro, Silveira e Paola iniciaram uma “vaquinha” nas redes sociais para arrecadar recursos até que o ex-deputado possa ser libertado.

O ex-deputado recebe apenas visitas da mulher e de Faria. Por meio deles, tem enviado cartas a fim de denunciar a situação que vive. Em uma delas, elogiou a postura da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, que soltou o deputado estadual Capitão Assumção (PL) à revelia de Moraes, e citou o Parlamento dos Estados Unidos. “Até mesmo o Congresso norte-americano já está prestes a colher depoimentos de pessoas exiladas e perseguidas no Brasil”, disse Silveira. “Temos jornalistas exilados, deputado federal preso por palavras, manifestantes presos aos milhares e uma polícia sendo usada como brinquedo para sádicos.” O ex-deputado cobrou de seus colegas “medidas capazes de frear abusos” vindos do Poder Judiciário, sob o risco de o Congresso se tornar uma repartição de fachada. O recado serve tanto para os parlamentares que querem se reeleger em 2026 quanto para os que querem fazer parte do Legislativo.

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15 comentários
  1. Maria Regina Szyscko Petrillo
    Maria Regina Szyscko Petrillo

    Essa matéria está excelente, mostrando cronológicamente todas as injustiças e arbitrariedades cometidas contra o primeiro e único deputado federal que eu elegi com meu voto direto! Arthur Lyra ali naquele episódio mostrou bem que é um covarde e que não vale nada. Já Rodrigo Pacheco nem se fala, um prevaricador. Enfim, ótima matéria que só peca quando afirma que ele teria “defendido a volta do AI5”. Ele não fez isso, eu vi o vídeo reiteradas vezes e tudo que ele falou ali foi a verdade! Esse homem não merecia ter sua vida e de sua família desgraçada dessa forma baixa, nojenta e vil! Mas Deus é grande e poderoso e vai recompensá-lo por toda essa crueldade que estão lhe fazendo 🙏🏼

  2. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Inútil esperar compaixão de um psicopata. Mad o dia dele vai chegar e não vai demorar. A queda vai ser feia.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Mais um grande trabalho do jornalista Cristyan Costa.
    O sentimento de uma mãe, só ela mesmo sabe. Mas acredito que deva resistir, ser forte, e não fazer apelos ao Alexandre de Moraes. Pois um tirano não merece isso, somente chegar a hora da punição divina ao mesmo e o Daniel Silveira ter sua liberdade de volta.

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O Brasil está mergulhado em uma ditadura do judiciário e se faz urgente colocar um freio nestas arbitrariedades.

  5. Manoela Machado
    Manoela Machado

    eu espero que esse menino seja indenizado pelo CPF Alexandre IMorais no final dessa história… muito triste tudo isso .

    1. Emilio Sani
      Emilio Sani

      Amém

  6. Ana Cláudia Chaves da Silva
    Ana Cláudia Chaves da Silva

    Fico imaginando o sofrimento do Daniel e de sua família. Até a própria mãe se humilhar para tentar frear as arbitrariedades deste juiz insano e sádico.
    Mas parece que quanto mais maldades ele faz, mais prazer sente.
    Temos que ter fé na justiça divina. Aqui se faz, aqui se paga.

  7. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo artigo. Parabéns. Enquanto tivermos corruptos, covardes, medrosos nos governando, nada mudará.

  8. Regina Maria Falcão Rangel Vila
    Regina Maria Falcão Rangel Vila

    Deus tenha piedade do Daniel Silveira 🙏🏻

  9. Arthur Pinho Vivaqua Rocha
    Arthur Pinho Vivaqua Rocha

    Que relato! Não existe “normalidade” enquanto Daniel estiver nessa cadeia. Essa pauta deveria estar nas praças públicas. Se ele fosse de Esquerda, a ONU, o Papa e o diabo a 4 já estariam no Brasil clamando “pela democracia”. Que tristeza…

  10. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse STF já vem agindo com tornozeleira no pescoço dos seus membros desde o regime militar. A prova é a impunidade da família Sarney, pra citar uma. Agora com esse PCC dentro, aí que escancarou tudo

  11. Raimundo Rabelo Lucas
    Raimundo Rabelo Lucas

    Deputado Daniel Silveira, perseguido político desse , o que dizer dele?, Xandao, do nosso grande Roberto Carlos diriamos para você o seguinte: “uma dia a areia branca seus pés irão tocar e ao te sentir em casac sorrindo vai chorar”. E ao tal do Monstro SOCIOPATA SÁDICO Xandão, plagiariamos o esquerda caviar Chico Buarque: APESAR DE VOCE AMANHA A DE SER UM NOVO DIA.

  12. MNJM
    MNJM

    Cristyan parabéns pela matéria, a hora do ditador chegará. Quanto mal esse ministro faz ao país? Um ser arrogante, desprezível, vingativo, cruel, ,merece um castigo do tamanho da sua maldade. Um juiz que não cumpre as leis. Só mesmo na Republica das Bananas e graças a um Congresso covarde que tem como Presidentes Rodrigo Pacheco e Lyra na Câmara dos Deputados.

  13. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    Quem faz o bem colhe o bem quem faz o mal colhe o mal. A hora de Moraes um dia vai chegar.

  14. Maki K
    Maki K

    Cristian, parabéns pela matéria. Isto sim, é jornalismo. Seco e informativo. Sem sentimentalismo.

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