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Bruno Dantas, ministro e presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) | Foto: Reprodução/TCU
Edição 226

O balcão de acordos do TCU

Criado para fiscalizar e aplicar multas, o Tribunal de Contas da União passou a servir como uma mão amiga a unir interesses públicos e privados

Redação Oeste
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Segundo o site do Tribunal de Contas da União (TCU), entre as atribuições do órgão estão: “apreciar as contas anuais do presidente da República”; “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos”; “realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional”; e “fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito Federal e a municípios”.

Agora, como mostra uma reportagem escrita por Breno Pires e publicada na edição 214 da Revista Piauí, o TCU se deu uma nova incumbência — inexistente na Constituição ou em qualquer documento que explica as funções do tribunal. Batizado de Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, esse recém-criado setor do TCU funciona como uma espécie de balcão de mediação de acordos entre governo e empresas — muitas das quais envolvidas em casos de corrupção, inclusive da Lava Jato. 

Depois de quatro meses de investigação, que resultaram num texto com mais de 10 mil palavras, a Piauí detalhou como o órgão criado para fiscalizar e aplicar multas passou a servir como uma mão amiga a unir interesses públicos e privados. Os acordos bilionários são negociados sob a tutela de Bruno Dantas, presidente do TCU. Até agora, a secretaria recebeu 28 pedidos de conciliação. Cinco foram aceitos, quatro foram rejeitados, e não houve acordo em três deles. Restam 16 na mesa. Os vídeos com as sessões foram retirados do YouTube a pedido de Dantas. 

A reportagem da Piauí começa descrevendo um evento promovido pela Esfera Brasil, “o grupo de lobby mais influente da atualidade” — informa a revista —, fundado por João Camargo, presidente da CNN Brasil e sogro de Bruno Dantas. Ao som de Carlinhos Brown, que comandou o show de encerramento, reuniram-se num resort no Guarujá, além do presidente do TCU e de Camargo, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, Rubens Menin, fundador da construtora MRV, Wesley Batista, dono da JBS, e Rubens Ometto, proprietário da Cosan e maior doador de campanhas nas eleições de 2022, entre outros empresários. Do lado do setor público estavam presentes Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, e os ministros Renan Filho, dos Transportes, Alexandre Silveira, de Minas e Energia, Ricardo Lewandowski, da Justiça, e Miriam Belchior, a ministra em exercício da Casa Civil.

Acordos bilionários são negociados sob a tutela de Bruno Dantas, presidente do TCU | Foto: Divulgação/TCU

“Depois de dois dias de debates públicos e conversas ao pé do ouvido, havia uma atmosfera de dever cumprido”, observa a reportagem da Piauí. “Era sábado, 8 de junho de 2024. Hotel Jequitimar Resort & SPA, no Guarujá, 15 horas. O encontro — a 1.000 quilômetros de Brasília — era mais uma extensão festiva do congraçamento entre o poder público e o PIB, mas reunia algumas das figuras centrais de um fenômeno muito peculiar e pouco visível: a onda de renegociações de contratos e concessões que vem sendo promovida pelo TCU, sob as diretrizes do governo Lula. São repactuações nos setores de aeroportos, rodovias, ferrovias, telefonia e energia. O palco onde essas negociações acontecem é uma nova unidade do tribunal, criada em dezembro de 2022 por iniciativa de Bruno Dantas. A secretaria — cujo nome oficial é Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) — fica no quarto andar do Anexo 3 do TCU, mas as reuniões acontecem no Instituto Serzedello Corrêa, uma espécie de universidade do tribunal. Ali, representantes de empresários, governo e agências reguladoras discutem, alteram e selam acordos bilionários sob as bênçãos do TCU.”

Entre os casos em discussão na SecexConsenso está, por exemplo, o da Oi, empresa de telefonia em sua segunda recuperação judicial. E o da Rumo, de Rubens Ometto, que detém a concessão de mais de 2 mil quilômetros da ferrovia Malha Paulista, da Rede Ferroviária Federal. A empresa “conseguiu um acordo para evitar que o descumprimento de suas obrigações de investimento resultasse na cassação da concessão”, informa a Piauí. “Um terceiro grupo prestes a fechar sua renegociação é a J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, cuja empresa Âmbar Energia, além do prazo, descumpriu outras cláusulas essenciais do acordo.”

Oi, empresa de telefonia em sua segunda recuperação judicial | Foto: Divulgação

A reportagem pondera que “soluções consensuais podem ser uma boa alternativa para resolver entraves em contratos públicos — poupam tempo, eliminam etapas burocráticas e otimizam o uso do dinheiro público, além de evitar intermináveis brigas na Justiça”. As complicações começam, contudo, com a própria existência de uma secretaria criada para fazer mediação em um tribunal cuja função é fiscalizar. “São funções aparentemente conflitantes”, constata a revista. “Afinal, o órgão que fiscaliza, aplica multa, zela pelos cofres públicos e pela boa política da administração pública talvez não deva servir simultaneamente como a mão amiga a unir interesses públicos e privados.”

O outro aspecto delicado, segundo a Piauí, é que as renegociações estão fazendo bem mais do que simplesmente reajustar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. “Há acordos em negociação que reabilitam concessionárias que haviam desistido do negócio — como é o caso das concessionárias dos aeroportos de Viracopos, em Campinas, e do Galeão, no Rio de Janeiro”, afirma o texto. “Outras descumpriram obrigações contratuais, acumularam dívidas com a União e seguem inadimplentes, como a ViaBahia, a concessionária de duas rodovias que já deu tanto problema que o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, definiu-a como ‘a pior do Brasil’.”

Em outros casos, o governo renova vínculos com empresas envolvidas em corrupção, “inclusive no âmbito da Operação Lava Jato, como a CCR, que enfrentou acusações de corrupção, suborno e doações ilegais de campanha, e hoje controla as concessionárias de trechos da rodovia BR-163, em Mato Grosso do Sul”, destaca a Piauí. “Outra é a Eco101, que pertence à EcoRodovias e foi flagrada em esquemas de corrupção que envolviam justamente a concessão de rodovias. Superfaturava os pedágios usando orçamentos falsos, segundo as investigações policiais.”

Eco101, que pertence à EcoRodovias e foi flagrada em esquemas de corrupção que envolviam justamente a concessão de rodovias | Foto: Shutterstock
O poderoso chefão

De acordo com a reportagem, a mecânica da SecexConsenso pode ser resumida assim: todo o poder ao presidente do TCU. “Só o governo ou uma agência reguladora têm a prerrogativa de pedir uma solução consensual para um determinado caso”, explica o texto. “A empresa envolvida não pode fazer a solicitação, mas sempre terá a liberdade de levar seu pleito ao governo ou à agência reguladora, que, se concordarem, encaminham o caso ao tribunal. Ao receber os pedidos, a SecexConsenso faz uma análise prévia e envia a solicitação ao presidente do tribunal. E aí surge a primeira estranheza: quem decide se o caso será admitido ou recusado é o presidente do TCU — Bruno Dantas, no caso. A norma interna, em seu artigo 5º, diz que, caso o presidente recuse o pedido, ‘o processo será arquivado’. Isso significa que o presidente, sozinho, escolhe o que pode ser objeto de consenso no TCU. E, como tudo é sigiloso, os demais ministros podem até desconhecer que chegou um pedido à Corte.”

Todo o esquema envolve muitos amigos do rei e pouca transparência, ressalta a reportagem. Quando o caso da Oi chegou à Corte, por exemplo, havia quatro ministros do TCU lidando com diversos processos que tratam de telefonia. Em vez de fazer um sorteio de quem seria o relator do caso entre os quatro, Dantas preferiu entregar o assunto nas mãos do ministro Jorge Oliveira, seu aliado. “Justificou sua decisão com aquele tipo de palavreado que pode justificar qualquer decisão: ‘Ao analisar o grau de conexão de cada um dos processos, bem como a relevância e potencial impacto de cada um deles no deslinde dos presentes autos, considero pertinente a atribuição da relatoria deste processo ao ministro Jorge Oliveira'”, expõe o texto. “Até o fechamento desta edição, havia 12 processos na SecexConsenso com relatores definidos. Em quatro, os relatores foram sorteados. Nos outros oito, foram escolhidos por Dantas.”

Teoricamente, nenhuma dessas atitudes envolvendo o TCU e a SecexConsenso pode ser classificada como uma ilegalidade. Mas, como muitas coisas no governo Lula, as imoralidades são evidentes.

O presidente, sozinho, escolhe o que pode ser objeto de consenso no TCU | Foto: Divulgação/TCU

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16 comentários
  1. Paulo César da Conceição
    Paulo César da Conceição

    O TCU virou um balcão de negócios.

  2. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Fica muito claro que esse país tem de ser reiniciado do zero. Aqui a tal “ justiça “ só existe para que o exercício da ilegalidade seja garantido ou para que determinados grupos possam praticar a corrupção livremente. Muito triste ver um país com tanto potencial ser vilipendiado dessa maneira.

  3. Vinicius Moreno Júlio
    Vinicius Moreno Júlio

    É só olhar a cara desse pilantra ! Esse Bruno Dantas é um vagabundo !

  4. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Nada nesse governo é limpo

  5. Iramar Benigno Albert Júnior
    Iramar Benigno Albert Júnior

    Isso só vai mudar, no dia que exonerarem todos esses ministros de instâncias superiores e desembargadores e fazer concurso aberto à todos e não apenas aos amigos do rei. Sabe quando isso vai ocorrer? No dia de São Nunca. Infelizmente.

  6. Gilson Herz
    Gilson Herz

    Canalhas sendo canalhas. Morte aos canalhas.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Aqui em Alagoas se fala que o Renan Calheiros está pavimentando a sua ida para o TCU.
    Brasília hoje, realmente, é o paraíso da corrupção.

  8. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Lamentável

  9. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Brasil, país das falcatruas.
    Na lista de presentes, quem ainda não é réu, certamente irá figurar nos processos presentes e futuros no mínimo como testemunha.

  10. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente texto. Parabéns. Ocasionalmente, tenho vergonha de ser brasileiro. Parece que já nascemos com a corrupção, a malandragem, a “esperteza” em nosso DNA.

  11. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    A Administração Pública de nosso país – de qualquer esfera – municipal, estadual ou federal – cada vez mais se parece com quadrilhas. Os prefeitos, governadores ou presidente fazem o que querem. Criam , destorcem as atividades processadas pelas entidades – que deveriam fiscalizar, cobrar, não deixar acontecer o mal feito fazendo exatamente o contrário de suas atribuições.. Daqui a algum tempo, isto que foi noticiado pela Piaui serão noticiados os resultados: trambicagens + ladroagens + roubalheiras + CORRUPÇÃO. E os brasileiros pagando por isso, com seus impostos. Crer que isto poderá ser revertido é muito difícil de acreditar…???

  12. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Os conselheiros ou ministros quem coloca são os políticos, quem audita são os técnicos mas quem dar o veredito são os ministros. Então a coisa é pra não funcionar como todas as coisas desse governo

  13. Marbov
    Marbov

    O TCU deveria mudar para TUCP – Todos Unidos Contra o Povo, superfaturamentos e roubalheira na cara dura. É o governo do ladrão.

  14. Denis R.
    Denis R.

    Só não enxerga o quão ruim é este (des)governo quem é muito alienado ou está ganhando dinheiro. E lá se vão mais alguns bilhões pro ralo… a solução? Taxar as blusinhas da mulherada para cobrir o rombo nas contas públicas. Parabéns aos envolvidos.

  15. MNJM
    MNJM

    Bruno Dantas é figura carimbada, CRIA de Renan Calheiros, precisa falar mais alguma coisa? Governo da imoraldiade.

  16. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    O Brasil na mão de quem entende. Eles sabem o que é melhor para o povo.

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