A primeira semana cheia de agosto começou com um mundo turbulento na economia. O temor de uma possível recessão nos Estados Unidos levou os mercados ao típico movimento de manada. Tudo começou com a frustração de analistas — no mínimo estranha e, talvez, suspeita — com a geração de empregos nos Estados Unidos abaixo das expectativas. O número apurado foi de 114 mil novas vagas em julho. Mas o mercado, sabe-se lá como, esperava 175 mil. Foi o que bastou para um exagerado sentimento de pânico se alastrar. Empresas negociadas em bolsas viram derreter seu valor de mercado com perdas desproporcionais ao que de fato são e representam. No outro lado, investidores reforçavam suas posições em moedas fortes e nem tão fortes assim. O mandamento era vender ações e comprar moeda. No Brasil, quem levou a pior foi o real. A moeda brasileira vem apanhando há muito tempo. Apanhou mais uma vez. Mas não por acaso.
Os nós do governo Lula explicam por que o Brasil é um emergente difícil de desatar e que pega pneumonia quando o mundo espirra, ao menor sinal de instabilidade internacional. Até o final de junho, antes de todo o barulho de agosto, a Bolsa brasileira já tinha perdido R$ 42 bilhões, contabilizados como fuga de capital. É a segunda maior desde a pandemia. Quando se fala em Investimento Direto no País (IDP), um dinheiro que vem para ficar em novas máquinas, fábricas e infraestrutura, longe da volatilidade dos mercados financeiros, o caso também é preocupante. Embora tenha ensaiado uma melhora neste começo de ano, nos dados fechados de 2023, o país teve 17% menos investimento externo se comparado a 2022, quando houve a mudança de governo e de política econômica. Ninguém sai ou deixa de vir para onde é bom, seguro e lucrativo.
E o caso atual brasileiro é ainda agravado por uma combinação explosiva de retrocesso institucional. A trinca formada por irresponsabilidade fiscal, ideias ruins e insegurança jurídica espanta o investidor.
O real era, até o início de julho, a quinta moeda que mais tinha se desvalorizado no mundo, com queda de 13,4% só em 2024. Piores que nós, só a Nigéria, Egito, Sudão do Sul e Gana. Sendo o Brasil um dos principais celeiros do mundo, exportador gigante de minérios, com indústria de aviação e petrolífera de ponta, um dos casos de maior sucesso na retomada pós-pandemia e sob a guerra na Ucrânia, como fomos parar na rabeira do planeta? Lula 3 é a explicação.
Antes da turbulência da “segunda sangrenta”, quando o dólar atingiu o pico de R$ 5,86 durante o dia, a realidade brasileira já era de um déficit de R$ 68,7 bilhões nas contas públicas no primeiro semestre deste ano, com uma arrecadação que havia crescido incríveis 9,08% acima da inflação no mesmo período. O conceito de insolvência fiscal está aí, até porque, em 2023, Lula reverteu um superávit de mais de R$ 50 bilhões, recebido de Bolsonaro, para um rombo de R$ 249 bilhões.
A economia tenta se descolar do barulho político do governo, encontra meios de crescer, arrecada mais, mas o governo dobra a aposta e aumenta o gasto ainda mais. Não tem conta que feche! Tanto que a relação dívida/PIB saiu de 71,7% no final de 2022 para 77,8% em junho de 2024, depois de 18 meses de governo Lula. Os fundamentos da economia de mais longo prazo, de comportamento e escolhas do governo, são as bases das decisões de investimento, sejam momentâneas durante o sufoco, sejam planejadas.
Por isso, ao menor sinal de crise, de onde você acha que o investidor vai tirar seus recursos? Tanto que o real perde valor, de forma mais severa, desde dezembro de 2023, quando US$ 1 era cotado a R$ 4,85. Na segunda-feira de desespero, o real sofreu queda de 0,56%, e US$ 1 fechou valendo R$ 5,74. E a corrida à moeda norte-americana foi um fenômeno brasileiro, porque o mesmo dólar se desvalorizou em relação ao euro e, principalmente, ao iene.
Mas, se a conjuntura internacional eventualmente atropela o país, o buraco estrutural aumenta e é cavado internamente.
Pressionado pela própria irresponsabilidade fiscal, o atual governo tem sanha arrecadatória predatória. Logo no início do seu terceiro mandato, Lula determinou ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga recursos de penalidades e multas aplicadas pela Receita Federal. No governo Bolsonaro, eram quatro representantes do governo e quatro dos contribuintes. Em caso de empate, a decisão era favorável aos contribuintes. Com a volta do “voto de qualidade”, um eufemismo para garantir maioria ao governo, o contribuinte já entra perdendo de 5 a 4. Vale lembrar que a mudança foi aprovada pelo Congresso, absolutamente cúmplice na manobra. Depois de beneficiados com uma derrama bilionária de recursos para emendas, os parlamentares aprovaram a medida que só beneficia o governo federal. E olha que são chamados de representantes do povo.
Além dos memes que tornaram Haddad o ministro da Fazenda mais ridicularizado de todos os tempos, há contestações técnicas e jurídicas que começam a questionar os abusos
É essa cultura de leniência com o erro e admissão do absurdo que tem condenado o avanço do país. Afinal, trata-se de uma gestão que notoriamente extrapola nos gastos e que ganhou mais uma autorização parlamentar para apertar ainda mais a sociedade e o setor produtivo com taxas, aumento de impostos e multas.
Sufocada, a sociedade começa a reagir. Além dos memes que tornaram Haddad o ministro da Fazenda mais ridicularizado de todos os tempos, há contestações técnicas e jurídicas que começam a questionar os abusos. E isso vem depois de um período de quase asfixia democrática que praticamente anulou a contestação e o debate no país desde o resultado eleitoral de 2022, com a indevida hipertrofia do consórcio entre o governo Lula e o Supremo Tribunal Federal, ao arrepio da independência e harmonia entre os Poderes previstas no artigo 2º da Constituição Federal.
Em artigo publicado no blog de Fausto Macedo, no portal do Estadão, no dia 7 de agosto, os advogados Sérgio Grama Lima, Bruno Romano e Leonardo Rubim Chaib, do escritório Leite, Tosto e Barros, de São Paulo, colocam luz no obscurantismo da mudança de regras fiscais para socorrer o governo gastador. No texto, questionam a legalidade de uma decisão da Receita Federal que mudou o entendimento da lei que reinstituiu o tal “voto de qualidade” no Carf. A lei diz que em julgamentos empatados e com decisão favorável ao Fisco pelo voto de qualidade “ficam excluídas as multas”, sendo devido apenas o imposto reclamado. Meses depois da aprovação da lei, a Receita Federal publicou uma instrução normativa que reinstituía a cobrança das multas. É o nó da insegurança jurídica em estado puro. Em Direito, há a hierarquia legal. Instrução normativa, de órgão regulador ou fiscalizador como a Receita, não pode se sobrepor a qualquer lei aprovada pelo Congresso Nacional, pondera o doutor Bruno Romano, em conversa com este colunista. Ele ainda questiona a constitucionalidade da cobrança sem trânsito em julgado e do próprio voto de desempate que o governo voltou a deter.
Mas falar em constitucionalidade no Brasil tem sido tarefa árdua. Releituras da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal e mudanças de entendimentos pacificados criaram um clima severo de insegurança jurídica como jamais visto em tempos de paz. E não me refiro apenas às afrontas infames aos direitos individuais da liberdade de expressão e do devido processo legal com as quais temos convivido, cheias de prisões preventivas ilegais e de advogados cerceados do mero direito de acesso às provas e à investigação. Em assuntos tributários, o revisionismo e a reinterpretação também são uma realidade preocupante.
Em fevereiro do ano passado, os ministros decidiram por unanimidade que, se a Corte mudasse seu entendimento sobre o pagamento de determinado imposto, as empresas e contribuintes que haviam garantido na justiça o direito de não pagá-lo, mesmo com decisões em última instância, seriam obrigados a voltar a recolher o tributo. Mas o STF foi além. Desconsiderou a modulação, com explícitas críticas em plenário do ministro Luiz Fux, e, por maioria, aplicou uma inacreditável retroatividade de pagamento de impostos devidos a partir de 2007, ano da ação que gerou o julgamento. No fim daquele dia, empresas que não recolhiam o imposto por decisão judicial definitiva havia anos, que ganharam as causas na Justiça, viram-se com um passivo tributário de milhões de reais. O GPA, dos supermercados Pão de Açúcar, foi um dos afetados. À época, logo após a decisão do Supremo, comunicou os acionistas que estimava um prejuízo de R$ 290 milhões em razão da cobrança retroativa de CSLL de todos os processos que tinha em andamento e até de impostos não recolhidos por decisões já terminativas da Justiça.
A recordação de Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso, que dizia que no Brasil até o passado é imprevisível, é sempre lembrada em momentos assim. Mas o presente pode e deve ser corrigido ou aprimorado. Para isso, na democracia que pretendemos, mais gente precisa voltar ao debate em nome do interesse público.
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Por onde o PT passa, o que resta é terra arrasada.
Já quebraram o país e irão quebrar novamente.
Espanta investidores, sacrifica empresários e massacra o povo.
Na empresa em que trabalho foram feitos parcelamentos de débitos de ICMS por volta de 2022, quando chega agora, recebemos cobrança de impostos de 2021 para trás, ou seja, a receita estadual ”esqueceu” de inclui-los á época no parcelamento.
Realmente no Brasil dos impostos, até o passado é incerto.
Uma nação regida através de um sistema democrático, e concomitantemente tem um povo desinteressado na política , ficamos sempre à mercê dos políticos que as tem como carreira profissional .
Uma nação regida através de um sistema democrático, e concomitantemente tem um povo desinteressado na política , ficamos sempre à mercê dos políticos que as tem como carreira profissional .
O Brasil, definitivamente, não é um “país sério”!
Luiz, é sim. O Brasil é sério. Tem muitos que não são e estão no poder, compreendo seu ponto de vista. Mas estamos aqui, você e eu, com a seriedade devida, nos indignando com o erro e apontando caminhos melhores, remando para o lado certo. Abraços e seja muito bem-vindo!
Cada vez mais me convenço que nasci no país errado. Não tem para onde correr.
Robson, compreendo sua indignação. Mas é preciso resistir e insistir com o certo. Tem muita gente fazendo isso. Estamos você e eu debatendo esse tema aqui. E muita gente fazendo em outros lugares. Vamos seguir porque este país não pode prescindir dos seus. Abração!
Destaque especial para a atuação CANALHA do Congresso votando pelo retorno do “voto de qualidade”. Parlamentares venais, povo vendido.
A mudança no voto de qualidade do Carf era o grande objetivo do governo naquele momento de enxurrada de liberação de verbas. A Reforma Tributária veio a reboque. O Congresso poderia ter barrado ambas. Não o fez e isso nos custará caro.