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Edição 229

Governo espanta-investidor

Os nós do governo Lula explicam por que o Brasil é um emergente difícil de desatar e que pega pneumonia quando o mundo espirra, ao menor sinal de instabilidade internacional

Adalberto Piotto
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A primeira semana cheia de agosto começou com um mundo turbulento na economia. O temor de uma possível recessão nos Estados Unidos levou os mercados ao típico movimento de manada. Tudo começou com a frustração de analistas — no mínimo estranha e, talvez, suspeita — com a geração de empregos nos Estados Unidos abaixo das expectativas. O número apurado foi de 114 mil novas vagas em julho. Mas o mercado, sabe-se lá como, esperava 175 mil. Foi o que bastou para um exagerado sentimento de pânico se alastrar. Empresas negociadas em bolsas viram derreter seu valor de mercado com perdas desproporcionais ao que de fato são e representam. No outro lado, investidores reforçavam suas posições em moedas fortes e nem tão fortes assim. O mandamento era vender ações e comprar moeda. No Brasil, quem levou a pior foi o real. A moeda brasileira vem apanhando há muito tempo. Apanhou mais uma vez. Mas não por acaso.

Os nós do governo Lula explicam por que o Brasil é um emergente difícil de desatar e que pega pneumonia quando o mundo espirra, ao menor sinal de instabilidade internacional. Até o final de junho, antes de todo o barulho de agosto, a Bolsa brasileira já tinha perdido R$ 42 bilhões, contabilizados como fuga de capital. É a segunda maior desde a pandemia. Quando se fala em Investimento Direto no País (IDP), um dinheiro que vem para ficar em novas máquinas, fábricas e infraestrutura, longe da volatilidade dos mercados financeiros, o caso também é preocupante. Embora tenha ensaiado uma melhora neste começo de ano, nos dados fechados de 2023, o país teve 17% menos investimento externo se comparado a 2022, quando houve a mudança de governo e de política econômica. Ninguém sai ou deixa de vir para onde é bom, seguro e lucrativo.

Reunião com Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, presidente Lula, Rui Costa, ministro da Casa Civil, e Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (12/1/2023) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

E o caso atual brasileiro é ainda agravado por uma combinação explosiva de retrocesso institucional. A trinca formada por irresponsabilidade fiscal, ideias ruins e insegurança jurídica espanta o investidor.

O real era, até o início de julho, a quinta moeda que mais tinha se desvalorizado no mundo, com queda de 13,4% só em 2024. Piores que nós, só a Nigéria, Egito, Sudão do Sul e Gana. Sendo o Brasil um dos principais celeiros do mundo, exportador gigante de minérios, com indústria de aviação e petrolífera de ponta, um dos casos de maior sucesso na retomada pós-pandemia e sob a guerra na Ucrânia, como fomos parar na rabeira do planeta? Lula 3 é a explicação.

Antes da turbulência da “segunda sangrenta”, quando o dólar atingiu o pico de R$ 5,86 durante o dia, a realidade brasileira já era de um déficit de R$ 68,7 bilhões nas contas públicas no primeiro semestre deste ano, com uma arrecadação que havia crescido incríveis 9,08% acima da inflação no mesmo período. O conceito de insolvência fiscal está aí, até porque, em 2023, Lula reverteu um superávit de mais de R$ 50 bilhões, recebido de Bolsonaro, para um rombo de R$ 249 bilhões.

Jair Bolsonaro, então presidente da República, e Paulo Roberto Nunes Guedes, então ministro da Economia, durante declaração à imprensa, em Brasília (22/10/2021) | Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

A economia tenta se descolar do barulho político do governo, encontra meios de crescer, arrecada mais, mas o governo dobra a aposta e aumenta o gasto ainda mais. Não tem conta que feche! Tanto que a relação dívida/PIB saiu de 71,7% no final de 2022 para 77,8% em junho de 2024, depois de 18 meses de governo Lula. Os fundamentos da economia de mais longo prazo, de comportamento e escolhas do governo, são as bases das decisões de investimento, sejam momentâneas durante o sufoco, sejam planejadas.

Por isso, ao menor sinal de crise, de onde você acha que o investidor vai tirar seus recursos? Tanto que o real perde valor, de forma mais severa, desde dezembro de 2023, quando US$ 1 era cotado a R$ 4,85. Na segunda-feira de desespero, o real sofreu queda de 0,56%, e US$ 1 fechou valendo R$ 5,74. E a corrida à moeda norte-americana foi um fenômeno brasileiro, porque o mesmo dólar se desvalorizou em relação ao euro e, principalmente, ao iene.

Mas, se a conjuntura internacional eventualmente atropela o país, o buraco estrutural aumenta e é cavado internamente.

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Pressionado pela própria irresponsabilidade fiscal, o atual governo tem sanha arrecadatória predatória. Logo no início do seu terceiro mandato, Lula determinou ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga recursos de penalidades e multas aplicadas pela Receita Federal. No governo Bolsonaro, eram quatro representantes do governo e quatro dos contribuintes. Em caso de empate, a decisão era favorável aos contribuintes. Com a volta do “voto de qualidade”, um eufemismo para garantir maioria ao governo, o contribuinte já entra perdendo de 5 a 4. Vale lembrar que a mudança foi aprovada pelo Congresso, absolutamente cúmplice na manobra. Depois de beneficiados com uma derrama bilionária de recursos para emendas, os parlamentares aprovaram a medida que só beneficia o governo federal. E olha que são chamados de representantes do povo.

Além dos memes que tornaram Haddad o ministro da Fazenda mais ridicularizado de todos os tempos, há contestações técnicas e jurídicas que começam a questionar os abusos

É essa cultura de leniência com o erro e admissão do absurdo que tem condenado o avanço do país. Afinal, trata-se de uma gestão que notoriamente extrapola nos gastos e que ganhou mais uma autorização parlamentar para apertar ainda mais a sociedade e o setor produtivo com taxas, aumento de impostos e multas.

Sufocada, a sociedade começa a reagir. Além dos memes que tornaram Haddad o ministro da Fazenda mais ridicularizado de todos os tempos, há contestações técnicas e jurídicas que começam a questionar os abusos. E isso vem depois de um período de quase asfixia democrática que praticamente anulou a contestação e o debate no país desde o resultado eleitoral de 2022, com a indevida hipertrofia do consórcio entre o governo Lula e o Supremo Tribunal Federal, ao arrepio da independência e harmonia entre os Poderes previstas no artigo 2º da Constituição Federal.

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Em artigo publicado no blog de Fausto Macedo, no portal do Estadão, no dia 7 de agosto, os advogados Sérgio Grama Lima, Bruno Romano e Leonardo Rubim Chaib, do escritório Leite, Tosto e Barros, de São Paulo, colocam luz no obscurantismo da mudança de regras fiscais para socorrer o governo gastador. No texto, questionam a legalidade de uma decisão da Receita Federal que mudou o entendimento da lei que reinstituiu o tal “voto de qualidade” no Carf. A lei diz que em julgamentos empatados e com decisão favorável ao Fisco pelo voto de qualidade “ficam excluídas as multas”, sendo devido apenas o imposto reclamado. Meses depois da aprovação da lei, a Receita Federal publicou uma instrução normativa que reinstituía a cobrança das multas. É o nó da insegurança jurídica em estado puro. Em Direito, há a hierarquia legal. Instrução normativa, de órgão regulador ou fiscalizador como a Receita, não pode se sobrepor a qualquer lei aprovada pelo Congresso Nacional, pondera o doutor Bruno Romano, em conversa com este colunista. Ele ainda questiona a constitucionalidade da cobrança sem trânsito em julgado e do próprio voto de desempate que o governo voltou a deter.

Mas falar em constitucionalidade no Brasil tem sido tarefa árdua. Releituras da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal e mudanças de entendimentos pacificados criaram um clima severo de insegurança jurídica como jamais visto em tempos de paz. E não me refiro apenas às afrontas infames aos direitos individuais da liberdade de expressão e do devido processo legal com as quais temos convivido, cheias de prisões preventivas ilegais e de advogados cerceados do mero direito de acesso às provas e à investigação. Em assuntos tributários, o revisionismo e a reinterpretação também são uma realidade preocupante.

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Em fevereiro do ano passado, os ministros decidiram por unanimidade que, se a Corte mudasse seu entendimento sobre o pagamento de determinado imposto, as empresas e contribuintes que haviam garantido na justiça o direito de não pagá-lo, mesmo com decisões em última instância, seriam obrigados a voltar a recolher o tributo. Mas o STF foi além. Desconsiderou a modulação, com explícitas críticas em plenário do ministro Luiz Fux, e, por maioria, aplicou uma inacreditável retroatividade de pagamento de impostos devidos a partir de 2007, ano da ação que gerou o julgamento. No fim daquele dia, empresas que não recolhiam o imposto por decisão judicial definitiva havia anos, que ganharam as causas na Justiça, viram-se com um passivo tributário de milhões de reais. O GPA, dos supermercados Pão de Açúcar, foi um dos afetados. À época, logo após a decisão do Supremo, comunicou os acionistas que estimava um prejuízo de R$ 290 milhões em razão da cobrança retroativa de CSLL de todos os processos que tinha em andamento e até de impostos não recolhidos por decisões já terminativas da Justiça.

A recordação de Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso, que dizia que no Brasil até o passado é imprevisível, é sempre lembrada em momentos assim. Mas o presente pode e deve ser corrigido ou aprimorado. Para isso, na democracia que pretendemos, mais gente precisa voltar ao debate em nome do interesse público.

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10 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Por onde o PT passa, o que resta é terra arrasada.
    Já quebraram o país e irão quebrar novamente.
    Espanta investidores, sacrifica empresários e massacra o povo.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Na empresa em que trabalho foram feitos parcelamentos de débitos de ICMS por volta de 2022, quando chega agora, recebemos cobrança de impostos de 2021 para trás, ou seja, a receita estadual ”esqueceu” de inclui-los á época no parcelamento.
    Realmente no Brasil dos impostos, até o passado é incerto.

  3. Milton Machado Aragão
    Milton Machado Aragão

    Uma nação regida através de um sistema democrático, e concomitantemente tem um povo desinteressado na política , ficamos sempre à mercê dos políticos que as tem como carreira profissional .

  4. Milton Machado Aragão
    Milton Machado Aragão

    Uma nação regida através de um sistema democrático, e concomitantemente tem um povo desinteressado na política , ficamos sempre à mercê dos políticos que as tem como carreira profissional .

  5. Luiz Fraga
    Luiz Fraga

    O Brasil, definitivamente, não é um “país sério”!

    1. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      Luiz, é sim. O Brasil é sério. Tem muitos que não são e estão no poder, compreendo seu ponto de vista. Mas estamos aqui, você e eu, com a seriedade devida, nos indignando com o erro e apontando caminhos melhores, remando para o lado certo. Abraços e seja muito bem-vindo!

  6. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Cada vez mais me convenço que nasci no país errado. Não tem para onde correr.

    1. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      Robson, compreendo sua indignação. Mas é preciso resistir e insistir com o certo. Tem muita gente fazendo isso. Estamos você e eu debatendo esse tema aqui. E muita gente fazendo em outros lugares. Vamos seguir porque este país não pode prescindir dos seus. Abração!

  7. André Luiz Nascimento Santos
    André Luiz Nascimento Santos

    Destaque especial para a atuação CANALHA do Congresso votando pelo retorno do “voto de qualidade”. Parlamentares venais, povo vendido.

    1. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      A mudança no voto de qualidade do Carf era o grande objetivo do governo naquele momento de enxurrada de liberação de verbas. A Reforma Tributária veio a reboque. O Congresso poderia ter barrado ambas. Não o fez e isso nos custará caro.

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