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Elon Musk versus Alexandre de Moraes | Foto: Montagem Revista Oeste/Lula Marques/Agência Brasil/Shutterstock
Edição 231

O resultado da censura

Depois de receber ameaças por ter se recusado a cumprir uma ordem ilegal de Alexandre de Moraes, Elon Musk decide tirar o escritório do X do Brasil

Loriane Comeli
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Há uma semana o X/Twitter anunciou o fechamento do seu escritório no Brasil. A razão: as sucessivas ordens ilegais do ministro Alexandre de Moraes, que mandou desativar contas e perfis em desconformidade com a Constituição Federal e com as leis brasileiras, especialmente o Marco Civil da Internet. Em comunicado feito no sábado 17, a plataforma de Elon Musk disse que a rede social continua ativa aos brasileiros, mas precisava proteger sua equipe, ameaçada de multas e prisão pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na ordem sigilosa, que a conta oficial do Twitter publicou, Moraes entendeu que a representante do Twitter no Brasil, Rachel Villa Nova Conceição, agia de má-fé, tentando se ocultar para não ser intimada. Isso depois que o gabinete do ministro tentou intimar um representante que não fazia parte do Twitter desde abril. Por isso, impôs multa diária de R$ 20 mil a Rachel (além de multa à plataforma) e determinou a prisão da representante em 24 horas, caso não houvesse cumprimento integral da decisão — que consistia em retirar do ar perfis que supostamente cometiam irregularidades, além do “imediato afastamento da direção da empresa” privada.

No documento da decisão de Moraes é possível ler que o ministro pediu o bloqueio de perfis que publicaram mensagens “antidemocráticas” ou com teor de ódio contra autoridades — não fica claro como isso teria sido configurado como uma infração às leis brasileiras | Foto: Reprodução
O Twitter publicou o documento com a ordem de prisão para a representante do X no Brasil, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, “por desobediência à determinação judicial”. Rachel, no entanto, não fazia parte do Twitter desde abril | Foto: Reprodução

“Apesar de nossos inúmeros recursos ao Supremo Tribunal Federal não terem sido ouvidos, de o público brasileiro não ter sido informado sobre essas ordens e de nossa equipe brasileira não ter responsabilidade ou controle sobre se o conteúdo é bloqueado em nossa plataforma, Moraes escolheu ameaçar nossa equipe no Brasil em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal”, afirmou a rede X.

O comunicado expressa profunda tristeza “por termos sido forçados a tomar essa decisão” e atribui a responsabilidade “exclusivamente a Alexandre de Moraes”. “Suas ações são incompatíveis com o governo democrático. O povo do Brasil tem uma escolha a fazer — democracia ou Alexandre de Moraes.”

Logo depois, Musk publicou uma ordem de Moraes que requisitava os dados cadastrais de 12 contas. Segundo o empresário, a divulgação desses dados violaria as leis do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos. “Devido às exigências da ‘Justiça’ (Alexandre de Moraes) no Brasil, que exigiria que violássemos (em segredo) as leis brasileiras, argentinas, americanas e internacionais, o Twitter não teve escolha a não ser fechar nossas operações locais no Brasil”, escreveu. “Ele é uma vergonha total para a Justiça.”

‘Alexandre de Moraes investiga, acusa, julga, pune’

Mas o que o fechamento do escritório do X no Brasil significa? Como disse a plataforma, “o serviço do X continua disponível para a população do Brasil”, ou seja, os usuários podem continuar com suas contas. Outro efeito é que a plataforma deixa de se submeter à jurisdição brasileira, e seus representantes legais não podem mais ser multados ou presos, salvo na remota e demorada hipótese de cooperação internacional. Porém, isso não impede o banimento da rede social do Brasil, como já ocorre em ditaduras ao redor do mundo.

“A partir do momento em que não há um responsável legal pelo serviço no Brasil”, explicou o advogado Fabrício Rebelo, “se uma ordem judicial emitida à empresa vier a ser eventualmente descumprida, não haverá como impor seu cumprimento forçado, e isso pode resultar, como forma de impedir o funcionamento sem esse cumprimento, no bloqueio da plataforma”.

Para Rebelo, ainda que as ordens de Moraes sejam manifestamente ilegais, apenas o próprio Judiciário faria essa avaliação. “Sim, é ilegal — como tantas outras ordens”, afirma. “O problema é que, por mais manifesta que seja a ilegalidade, a ordem judicial tem presunção de ser legal até que alguma decisão também judicial diga que não é. No caso específico do representante do X, se um tribunal disser que a ordem judicial é ilegal, não há nenhuma punição; mas, se um tribunal entender que, por mais absurda que tenha sido, a decisão era legal, a punição continua. Ou seja, a palavra final sempre será do Judiciário. E quem revisaria uma decisão da Suprema Corte?”

Uma das ilegalidades reside no fato de que o artigo 19 do Marco Civil da Internet determina que a ordem judicial para retirar conteúdo do ar contenha “identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente”, e não a remoção de perfis inteiros. E que respeite “a liberdade de expressão e demais garantias previstas no artigo 5º da Constituição Federal”.

“O bloqueio de conteúdos deve ocorrer com base em decisão judicial e apenas depois do devido processo legal, garantindo-se o direito de defesa e o cumprimento das normas legais vigentes no país”, explica o especialista em Direito Digital Alexander Coelho. “As decisões do ministro, especialmente em um contexto de decisões rápidas e de elevadas multas, levantaram preocupações sobre a violação desses princípios fundamentais. O que houve foi uma decisão arbitrária do STF, onde o Alexandre de Moraes investiga, acusa, julga, pune.”

Alexander Coelho, especialista em Direito Digital: “As decisões do ministro, especialmente em um contexto de decisões rápidas e de elevadas multas, levantaram preocupações sobre a violação desses princípios fundamentais. O que houve foi uma decisão arbitrária do STF, onde o Alexandre de Moraes investiga, acusa, julga, pune”
‘Isso nos rebaixa como democracia’

Um eventual bloqueio do X feito pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a mando do Judiciário, não impediria necessariamente o acesso à plataforma. A rede social poderia ser acessada pela rede privada VPN, que permite conectar-se à internet como se estivesse em outro país e, segundo os advogados, não é ilegal — nenhuma lei regula o dispositivo.

“Nesse caso, de um eventual banimento do X, as pessoas poderiam acessá-lo com VPN, e o Alexandre de Moraes e o STF podem ficar chorando, gritando, esperneando… Até na China tem gente que usa X, Facebook, YouTube”, avalia o advogado e professor Paulo Antonio Papini, mestre em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa. Segundo Papini, vigora um ambiente autoritário no Judiciário brasileiro.

O X é proibido na China, Coreia do Norte, Irã, Rússia, Nigéria, Mianmar e Turcomenistão. Recentemente, depois de ser acusado de fraudar as eleições, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, suspendeu a rede social por dez dias

“Isso nos rebaixa como democracia”, observa Coelho. “Num país sério, onde a democracia é respeitada, a liberdade de expressão e a segurança jurídica são, de fato, garantias constitucionais. Três coisas caminham sempre juntas: democracia, liberdade de informação e liberdade de expressão. Se você tirar um desses três, os outros dois deixam de existir”.

O X é proibido na China, Coreia do Norte, Irã, Rússia, Nigéria, Mianmar e Turcomenistão. Recentemente, depois de ser acusado de fraudar as eleições, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, suspendeu a rede social por dez dias. Embora não se conheçam regimes democráticos nos quais o X tenha fechado escritórios para fugir da censura, aliados do governo Lula subestimaram a decisão de Musk.

A morte civil

Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário, que escreveu “By by [sic] Elon Musk!”, disse que o bilionário “transformou o X em uma plataforma de proteção da atuação criminosa da extrema direita brasileira. O Estado brasileiro não pode admitir que uma rede social permita a prática de crimes”.

Na mesma linha se posicionou João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom). Para ele, a decisão da plataforma de ignorar ordens judiciais é “patética”. “Agora fecham o escritório para ‘proteger os funcionários’ (que não teriam qualquer risco se recebessem as intimações) e é muito provável que deixem de cumprir qualquer ordem judicial.”

O posicionamento do Estadão, um crítico das ilegalidades dos inquéritos “perpétuos” de Moraes, foi exatamente o mesmo defendido pelos petistas. Em editorial, o jornal afirmou que, mesmo havendo arbitrariedades, Musk deveria se submeter a Moraes. “Pode-se questionar a própria natureza do inquérito das fake news, sua inexplicável longevidade e seu absurdo sigilo, sem mencionar o fato de que o ministro Moraes acumula diversas funções, algumas das quais caberiam ao Ministério Público. Ainda assim, as ordens dadas pelo magistrado, como as de qualquer juiz, devem ser acatadas.” Com a conduta de fechar o escritório do X aqui, segundo o jornal, Musk “alimenta o discurso da extrema direita brasileira”.

A decisão de Musk sobre o Brasil também repercutiu nos principais jornais do mundo. The New York Times e The Wall Street Journal lembraram da briga de Musk com Moraes, que ficou evidente em abril, quando os jornalistas Michael Shellenberger e David Ágape tornaram públicas dezenas de ordens do ministro mandando fechar contas de políticos e influenciadores conservadores. Os Twitter Files Brasil foram parar no Congresso dos Estados Unidos, e centenas de documentos até então sigilosos, que faziam parte dos inquéritos secretos das fake news e das “milícias digitais” de Moraes, foram publicados.

Notícia publicada no New York Times: “Elon Musk fecha escritório do X no Brasil por causa de briga com juiz” (18/8/2024) | Foto: Reprodução/NYT
Notícia publicada no Wall Street Journal: “X de Elon Musk fechará operações no Brasil enquanto conflitos sobre conteúdo aumentam. Ameaças do governo sobre como modera sua plataforma deixaram a empresa ‘sem escolha’, diz Musk” (17/8/2024) | Foto: Reprodução/WSJ

A Gazeta do Povo, em editorial, considerou a decisão de Musk acertada e necessária diante dos abusos de Moraes, cujas decisões “forçam as empresas de mídia social a calar terceiros, seus usuários, em uma atitude que, como também já afirmamos, consiste em um ‘silenciamento puro e simples’ e ‘uma versão moderna do que antigamente se chamava de ‘morte civil’”. Dessa forma, conclui o jornal, “resistir ao abuso, dizer ‘não’ a uma ordem injusta, venha de onde vier, e arcar com as consequências é uma necessidade para quem não quer se tornar cúmplice da injustiça e do arbítrio”.

Leia também “A normalização da censura”

3 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Alexandre de Moraes já ultrapassou todos os limites éticos e morais que uma democracia exige.
    Conta com a conivência de 10 parceiros de toga e um presidente do Congresso Nacional cumplice e omisso.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Elon Musk está certo. Os brasileiros que precisam se engajar para tirar esta quadrilha do poder em Brasília.

  3. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Estadão é um jornaleco !

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