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Silvio Almeida, ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania | Foto: Valter Campanato
Edição 234

Assédio no centro do poder

Aclamado pela imprensa amiga, Silvio Almeida deixa o governo Lula pela porta dos fundos

anderson scardoelli
Anderson Scardoelli
Sarah Peres Batista
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Brasil, quinta-feira, 22 de dezembro de 2022. Um anúncio do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez com que veículos de comunicação produzissem manchetes típicas de assessorias de imprensa. Para parte da mídia, o petista havia escolhido para chefiar o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania uma “notoriedade”, uma “referência” e “um dos maiores intelectuais brasileiros”. O novo ministro atendia pelo nome de Silvio Almeida, um advogado e professor universitário sem destaque na vida pública. Mas que começou a virar notícia ao escrever um livro no qual afirma que um dos problemas do Brasil seria o “racismo estrutural”.

Notícia publicada no UOL (21/12/2022) | Foto: Reprodução/UOL
Notícia publicada no iG (22/12/2022) | Foto: Reprodução/iG
Notícia publicada no Poder360 (22/12/2022) | Foto: Reprodução/Poder360
Notícia publicada no Estadão (22/12/2022) | Foto: Reprodução/Estadão
Notícia publicada no G1 (22/12/2022) | Foto: Reprodução/G1
Notícia publicada no Globo (22/12/2022) | Foto: Reprodução/O Globo

A pilha de elogios envelheceu mal. Menos de dois anos depois, Silvio Almeida já não exerce mais o cargo de ministro de Estado. Deixou a função sem implementar nada de relevante na área em que a imprensa amiga o apresentara como “especialista”. Não marcou posição contra violações aos direitos humanos cometidas por meio de decisões judiciais. Em 30 meses de trabalho, não manifestou apoio algum aos presos políticos do 8 de janeiro, assim como não reclamou da prisão ilegal de Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência da República.

Silenciou-se diante da série de assassinatos de policiais na Baixada Santista, mas teve tempo de reclamar da operação policial que lutava contra o crime organizado na mesma região. Para ele, havia “graves” denúncias contra agentes da Polícia Militar de São Paulo. Também encontrou espaço na agenda para curtir o Carnaval deste ano em dose dupla, desfilando pela carioca Portela e pela paulistana Vai-Vai. E ainda permitiu que sua equipe usasse dinheiro público para pagar a passagem da “Dama do Tráfico” do Amazonas para uma reunião em Brasília, no próprio ministério.

Almeida foi demitido no último dia 6. A saída se deu em meio à propagação de denúncias de assédio — tanto moral quanto sexual. Uma das vítimas, inclusive, seria uma colega de trabalho e integrante do primeiro escalão do Poder Executivo federal: a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

Em meio à acusação de assédio contra Silvio Almeida, Janja compartilha foto com Anielle
Silvio Almeida, então ministro dos Direitos Humanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Janja da Silva, durante solenidade em Brasília (17/7/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A primeira denúncia contra Almeida surgiu no portal UOL, no dia 4 de setembro. Segundo a publicação, a gestão dele no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania era marcada por assédio moral, com ao menos 13 procedimentos internos abertos para apuração, dos quais dez foram arquivados por “ausência de materialidade” e três permaneceram ativos no mínimo até julho. O UOL ainda enfatizou como uma crítica definia o ministro: “Combinação de inexperiência política, arrogância e autoritarismo”.

Para Almeida, o que estava ruim ficou ainda pior no dia seguinte. Em 5 de setembro, o portal Metrópoles divulgou que o então aliado de Lula teria sido alvo de denúncias anônimas feitas por mulheres que acionaram a organização não governamental (ONG) Me Too Brasil com relatos de assédio sexual. A respeito de Anielle, uma das mencionadas como eventuais vítimas, a informação deu conta de “toque nas pernas”, “beijos inapropriados ao cumprimentá-la” e “expressões chulas, com conteúdo sexual”.

Depois da demissão, mais conteúdos nada honrosos a Almeida ganharam vez. De acordo com o site da CNN Brasil, ele trocou mensagens com Anielle. Na manhã de 28 de agosto do ano passado, o ministro havia mandado mensagem em que reforçava a intenção de se aproximar da colega de Esplanada. “Quero ser seu parceiro, a pessoa em que você pode confiar”, afirmou. “Eu não estava bêbado quando conversamos ontem no avião.” (A íntegra da troca de mensagens entre Almeida e Anielle está no site da CNN Brasil)

Choro final

Diante das denúncias, Almeida tentou se defender. Em vídeo divulgado no Instagram, negou tudo e tentou fazer o papel de vítima. Definiu as acusações como “mentirosas e falsidades”. De acordo com ele, tudo seria fruto de “campanha bem orquestrada” e que teria como objetivo “afetar” a imagem dele “enquanto homem negro” com “posição de destaque no poder público”. “Essas pessoas não vão ter sucesso”, esbravejou. “Vou enfrentá-las.”

YouTube video

O prometido enfrentamento teve vida curta. O vitimismo não pegou. Figura central no governo, a primeira-dama Janja da Silva rapidamente mostrou de qual lado estava. Postou uma foto nos stories que a mostrava beijando a testa de Anielle. Foi a senha para a demissão do “homem negro”. Menos de 24 horas depois da divulgação da imagem da mulher de Lula, Silvio Almeida já havia sido demitido da cadeira de ministro. Foi uma demissão com requintes de crueldade por parte do Palácio do Planalto, que vazou a informação de que Almeida havia chorado na derradeira reunião com o presidente. Posteriormente, o governo apagou do site do Ministério dos Direitos Humanos as notas divulgadas em sua defesa.

janja da silva beija a testa de anielle franco
A primeira-dama Janja da Silva divulgou imagem em que aparece beijando a testa da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; horas depois, Silvio Almeida foi demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva do cargo de ministro dos Direitos Humanos (Brasília, 5/9/2024) | Foto: Reprodução/Instagram/@janjalula

‘Colocou a mão nas minhas partes íntimas, com vontade’

As servidoras do Ministério dos Direitos Humanos e Anielle Franco não teriam sido as primeiras vítimas da fúria sexual de Silvio Almeida. Em ofício encaminhado na semana passada à Polícia Civil de São Paulo, o deputado federal Paulo Bilynskyj (PL-SP) denunciou o ex-ministro por “possível conduta de importunação sexual” contra alunas da Universidade São Judas Tadeu — a mesma instituição que dá espaço para o padre Júlio Lancellotti celebrar missas. Conforme o parlamentar, os crimes teriam ocorrido de 2013 a 2018, período em que Almeida trabalhou como professor no local.

“Fazia tentativas de trocas de favores sexuais para que as alunas tivessem vantagem nas notas”

“Na qualidade de educador, ele fazia tentativas de trocas de favores sexuais para que as alunas tivessem vantagem nas notas das avaliações”, afirma Bilynskyj no ofício, ao qual Oeste obteve acesso. “A conduta de constranger com atos de cunho sexual, na qualidade hierárquica de educador, viola frontalmente o direito à integridade física e moral das vítimas, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.”

As denúncias não se limitam à Esplanada dos Ministérios e ao meio acadêmico. Também partem de pelo menos uma ex-colega de trabalho de Almeida. Hoje candidata a vereadora pelo PSB de Santo André (SP), a professora Isabel Rodrigues relatou que teria entrado para a lista de vítimas de assédio sexual em agosto de 2019, quando acompanhou uma aula dele. “Sentei do lado do Silvio. Eu estava de saia”, declarou, em vídeo divulgado nas redes sociais. “Ele levantou a saia e colocou a mão nas minhas partes íntimas, com vontade. Fiquei estarrecida.”

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A série de denúncias não surpreende um profissional que acompanhou de perto o trabalho inicial de Silvio Almeida no governo federal. De acordo com o advogado Ariel de Castro, que foi secretário dos Direitos da Criança e do Adolescente até maio do ano passado, o então ministro o demitiu sem justificativa alguma, dando a entender que seria um caso de racismo.

“Fiquei sabendo que ele e alguns assessores justificaram que eu não teria competência e que era insubordinado, porque não aceitava ordens de um ministro negro, dando a entender que eu seria ‘racista’”, diz Castro. “Foi muito difícil. No entanto, agora quem tem que se explicar é ele. O prejuízo para a imagem do governo e para a luta histórica dos direitos humanos gerado por Silvio Almeida foi muito grande.”

O ministro Silvio Almeida declarou "repudiar com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas" contra ele | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Silvio Almeida declarou ‘repudiar com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas’ contra ele | Foto: Reprodução/Agência Brasil

Imprensa amiga defende novamente

Dispensado de forma sumária e sem ter apoio de nenhuma autoridade relevante no cenário político nacional, o ex-ministro segue com apoio explícito de parte da imprensa.

Na GloboNews, a apresentadora Aline Midlej fez ponderações e sugeriu a possibilidade de Almeida ser vítima de racismo. “É fato que perseguições acontecem, sim, a todo momento, a pessoas pretas que alcançam espaços inéditos de poder.”

Diante das câmeras da CNN Brasil, a âncora Elisa Veeck pareceu entrar em tilt e não sabia se criticava ou elogiava Silvio Almeida. Ela destacou o fato de um ministro “preto” ter sido alvo de denúncia feita por uma ministra “preta”.

Outras duas mulheres da imprensa saíram em defesa de Almeida. Colunista do UOL, Milly Lacombe se propôs ao papel de apresentar um guia de como “acreditar em Anielle”, mas com uma observação: “sem cancelar” o “genial” ex-ministro de Lula. Também no UOL, Alicia Klein frisou que Almeida “é inocente até que se prove o contrário”.

Notícia publicada no UOL (9/9/2024) | Foto: Reprodução/UOL

Parte da imprensa — incluindo colunistas e apresentadores de TV — mostra que, dependendo do denunciado em questão, tudo bem demonstrar “desprezo pelo outro”. Isso para ficar numa expressão usada por um colaborador do jornal Folha de S.Paulo para criticar o então presidente Jair Bolsonaro, em meio à campanha eleitoral de 2022. O nome do colunista? Silvio Almeida. Parece que o tempo ajudou a mostrar quem realmente despreza e não respeita os direitos humanos dos outros. Sobretudo os direitos das mulheres.


Com colaboração de Lucas Cheiddi e Thiago Vieira

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6 comentários
  1. Paulo César da Conceição
    Paulo César da Conceição

    E as mulheres do sovaco cabeludo, que não tomam banho, continuam quietas. Não tem um que preste neste governo. Alguém consegue mostrar um sequer?

  2. Paulo César de Castro Silveira
    Paulo César de Castro Silveira

    A barbaridade foi a branca Elisa Weeck defendê-lo.

  3. José Luís da Silva Bastos
    José Luís da Silva Bastos

    O taradao e a ministri que não denunciou para não perder a boquinha de R$70,000 mil reais por mês!

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Silvio Almeida e Anielle Franco são dois malandros, que vivem de se vitimizar para, por trás dos panos, se apossar do dinheiro público.
    Além do mais, ambos os ministérios são desnecessários e só servem para alocar mais picareta na máquina pública.

  5. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Pergunto novamente: quem em sã consciência ainda acredita e dá audiência para a velha imprensa?

  6. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Sarah é um nome muito bonito, igual ao da minha filha….
    Então temos o assédio sexual estrutural.

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