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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 234

Insensatez jurídica vezes X

A cada dez economistas, empresários e especialistas em negócios, todos manifestam preocupação com o temor de mudança da regra do jogo com o jogo em movimento ou com o jogo terminado

Adalberto Piotto
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O Brasil vive uma epidemia de insegurança jurídica. E o próprio Supremo Tribunal Federal tem sido o responsável pela parte mais heterodoxa das decisões judiciais que hoje representam o principal desafio do país. Nesta coluna, o tema é frequente porque os fatos se impõem. A cada dez analistas, economistas, empresários, advogados e especialistas em negócios com quem falo, todos os dez manifestam preocupação crescente com o temor de mudança da regra do jogo com o jogo em movimento ou do resultado do jogo com o jogo terminado.

As afrontas ao Estado Democrático de Direito e aos direitos e garantias individuais previstos na Constituição até pouco tempo atrás eram quase que ignoradas pelo mundinho econômico, que imaginava uma vida chinesa por aqui, mas não resistiu ao avanço supremo contra a liberdade de expressão. Já era hora. O híbrido de ganhos capitalistas com supressão de direitos individuais da China não combina com a história e a vida deste país abaixo da linha do Equador.

Hoje, esse mesmo mundo, antes seguro em caros escritórios de advocacia, está assustado. Não é para menos.

O bloqueio da plataforma X por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do STF, referendada posteriormente pela Primeira Turma da Corte em votação eletrônica — o que não permitiu a discussão da divergência aberta pelo ministro Luiz Fux de não multar quem usasse VPN para acessar a rede —, foi um dos últimos atos recentes que solaparam o debate nacional e a segurança de fazer negócios no Brasil. Na sequência, a pá de cal da decisão de congelar as contas da Starlink, apenas porque Elon Musk também é sócio dela, expôs as vísceras da decadente previsibilidade das leis no Brasil.

A decisão de congelar as contas da Starlink, apenas porque Elon Musk também é sócio dela, expôs as vísceras da decadente previsibilidade das leis no Brasil | Foto: Shutterstock

Mas quanto custa para o país essa insegurança jurídica? A decisão de proibir o uso do X, por exemplo, ancorada na frágil justificativa de que a empresa não tinha um representante no Brasil não resiste ao cenário de inconveniente maleabilidade do entendimento das leis no país a partir de 2019, ano da instauração do primeiro inquérito, o das fake news. A empresa sempre teve um representante no território nacional, assim como um escritório inteiro de negócios. Acabou por fechar a representação e retirar seus representantes legais sob o justificável receio de ver seus funcionários vítimas de prisões arbitrárias e sem possibilidade de um recurso justo.

Nesta semana, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o economista Paulo Rabello de Castro trouxe um estudo matemático que revela o surpreendente número das perdas econômicas da proibição do X no Brasil: R$ 18 bilhões em cinco anos. Desses, R$ 10 bilhões só nos primeiros 12 meses, num cálculo, segundo ele, “conservador”. Ou seja, o prejuízo para a economia e a vida das pessoas com a impossibilidade de troca de informações, inclusive científicas, de serviços e vendas na rede mais importante do debate nacional e mundial pode ser ainda maior. Rabello de Castro foi presidente do IBGE e do BNDES e é detentor de um currículo e uma formação acadêmica que lhe conferem todas as credenciais para fazer essa conta com precisão e credibilidade. Veja que ele também faz um comparativo para dar uma dimensão da perda provocada pela censura do STF. A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, de estragos sem precedentes, é estimada em R$ 11 bilhões.

O surpreendente número das perdas econômicas da proibição do X no Brasil: R$ 18 bilhões em cinco anos | Foto: Shutterstock

Por outro lado, qual é o custo para a economia do país de todos os homens e mulheres presos no dia 8 de janeiro, a maioria em idade produtiva? Ou para os filhos dessas pessoas que se desenvolverão com déficits cognitivos e de desenvolvimento afetivo-psicológico pela educação prejudicada, dada a ausência dos pais e traumatizados pela noção de injustiça?

O “golpe do algodão-doce” tem punido pessoas sem nenhum histórico criminal e com questionável participação no movimento a 17 anos de prisão em regime fechado

Aqui, não se trata de abrir mão da aplicação da justa pena a criminosos que quebram as leis de um país e a confiança da sociedade. Ao contrário! Crimes têm punição prevista no Código Penal. E lei é lei. A questão é a necessidade de questionar o uso abusivo e ilegal das mesmas leis nesse caso, a generalização das centenas de prisões, a ausência de individualização de conduta, as detenções por prazo alongado, as penas exageradas e até o custo com advogados que acaba tirando dinheiro da educação dos filhos, da vida das pessoas e, consequentemente, até da abertura de um novo negócio que geraria renda e outros empregos. Tudo advindo de julgamentos cuja maioria dos juristas do país chama de ilegais e injustos porque, antes, baseados numa tese estapafúrdia de um suposto golpe que nunca existiu e que jamais teria condições de acontecer. O inquérito draconiano dentro do STF atropelou o devido processo legal dos acusados e dos réus, seja pela cada vez mais aparente perseguição ideológica com a mão pesada da lei a um grupo do pensamento nacional, seja por meras questões logísticas. O Supremo é uma Corte constitucional que até se tornou instância recursal de uso recorrente, mas nunca poderia ter se tornado uma vara criminal. Não por acaso, afloram arbitrariedades que não permitiram o direito à ampla defesa a centenas de presos que, caso fosse devidamente comprovada a participação no quebra-quebra, deveriam responder por, no máximo, depredação de patrimônio público. O “golpe do algodão-doce” tem punido pessoas sem nenhum histórico criminal e com questionável participação no movimento a 17 anos de prisão em regime fechado. É atroz.

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Vendedor de algodão-doce, no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília | Foto: Divulgação/Redes Sociais

Fato é que essa reinvenção do atual Supremo Tribunal Federal fora dos limites constitucionais deixou um povo inteiro com medo de falar, de protestar, de fazer e acontecer, inclusive no que poderia nos aperfeiçoar como sociedade e tornar o país mais produtivo. Ditaduras empobrecem sociedades. Democracias liberais, mesmo sob eventuais solavancos, são terras de oportunidades e prósperas. E é justamente a liberdade que corrige rotas, não o arbítrio.

Não bastasse a morte de Cleriston da Cunha, o Clezão, sob tutela do Estado, com parecer para o tratamento da saúde debilitada em liberdade não julgado a tempo, um outro caso ilustra o custo da injustiça contra cidadãos. Refiro-me ao martírio enfrentado pela cabeleireira Débora dos Santos, de 38 anos, empreendedora do próprio salão de beleza, em Paulínia, interior de São Paulo. Ela tem dois filhos menores de idade. No dia 8 de janeiro de 2022, escreveu com batom a frase “perdeu, mané” na estátua da deusa Têmis, em frente ao Supremo. A estátua foi limpa com água e sabão no dia seguinte e não sofreu nenhum outro dano.

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Clezão tinha 46 anos. Ele deixou a mulher e duas filhas | Foto: Reprodução/Facebook/Cleriston Cunha

Um entendimento pacificado do próprio STF decidiu que mulheres presas preventivamente com filhos menores de 12 anos de idade — é o caso de Débora — podem ter a prisão convertida em domiciliar. O entendimento já beneficiou acusadas de tráfico, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e golpes contra a economia popular.

Nesta última semana, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestou contrário a um novo pedido da defesa pela prisão domiciliar porque os advogados não teriam trazido elementos novos.

Na verdade, foi a falta de isonomia da PGR que não se alterou.

Débora dos Santos continua presa. Os filhos continuam sem a mãe presente porque a ela não é dado o direito à jurisprudência do Supremo que beneficia outras acusadas de crimes de gravidade incomparável ao crime do batom.

O custo para as crianças é incalculável.

Para o país, também.

Leia também “A ‘criatividade’ do atraso”

12 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Estes custos, da proibição do X, bem como das famílias ceifadas injustamente pelo ditador Alexandre de Moraes e todos seus comparsas, precisa, e espero um dia, ser pago por eles mesmos que causaram tudo isto.

  2. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Inacreditável.

  3. Josenildo Nascimento Melo
    Josenildo Nascimento Melo

    Ler neste país é uma dádiva quando deveria ser um hábito corriqueiro de todos os brasileiros. O pessoal da Revista escreve bem. Acompanho Adalberto Piotto desde a época em que era apresentador da TV em programas de economia. Época em que a TV Brasil era informativa e não meramente ideológica. O inferno existe nobre amigo. Dante Alighieri nunca esteve tão certo. inocentes morrem, pessoas simples e de Deus são presas arbitrariamente e o churrasco corre é solto sem nenhuma misericórdia ou piedade. A justiça que eles (homens sem misericórdia) pode até falhar mais a de Deus jamais. Quem está escrevendo isto é um analfabeto? Não. É uma pessoa que preza pelos estudos e a busca do conhecimento. Quanto mais estudamos mais acreditamos em Deus e nos tornamos seres humanos e não meros amantes do dinheiro e de um poder passageiro! Piotto você juntamente com a Oeste prestam um excelente serviço ao Brasil. Aqui no nordeste pessoas estão deixando de gostar de estudar e trabalhar; somente querem as migalhas governamentais!

  4. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    A mulher está presa porque sujou uma estátua com batom, enquanto isso o Brasil é desgovernado por um ladrão condenado em mais de uma instância por diversos juízes. Já passou da hora da população tomar as ruas desse país e forçar os nossos representantes no congresso, porque é lá que eles estão, a tomarem uma atitude para que o país volte a entrar no eixo, se é que ainda é possível.

  5. NILSON OCTÁVIO
    NILSON OCTÁVIO

    É repugnante o que acontece no Brasil.

  6. Maria Weber
    Maria Weber

    Excelente trocadilho, a propósito, estamos carentes de mais pessoas como o senhor. אי ישרץק הי

  7. Maria Weber
    Maria Weber

    Excelente trocadilho, a propósito, estamos carentes de mais pessoas como o senhor. אי ישרץק הי

  8. Adalberto Piotto
    Adalberto Piotto

    É vezes porque se multiplica. Usei o X como trocadilho.

    1. MNJM
      MNJM

      Um ministro INSANO responsavel por todo esse desatino.
      O melhor para o país seria a renovação de pelo menos 6 togados desse Tribunal politico. Não tem nada de Constitucional . CAOS.
      Parabéns Piotto como sempre preciso .

  9. Sergio Hora
    Sergio Hora

    O título correto não seria insensatez jurídica VERSUS X ?

    1. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      Sergio, obrigado pelo comentário. É vezes porque só se multiplica. O X é um recurso literário, um trocadilho.

    2. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      Sergio, obrigado pelo comentário. É vezes porque só se multiplica. O X é um recurso literário, um trocadilho.

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