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Ilustração: Shutterstock
Edição 235

A extrema direita populista

Essa assombração política apareceu, por exemplo, no despacho de Alexandre de Moraes que determinou o banimento do X

Flávio Gordon
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“Faz-se necessário que o homem superior declare guerra às massas!”
(Friedrich Nietzsche, A Vontade de Poder)

Ao longo da última década, o assim chamado “nacional-populismo” — cujas variações terminológicas mais frequentes são “extrema direita populista”, “populismo extremista” etc. — converteu-se na bête noire dos globalistas ocidentais, que o tem utilizado como pretexto para avançar o que eu tenho chamado de a Internacional da Censura.

Essa assombração política apareceu, por exemplo, no despacho do ditador brasileiro Alexandre de Moraes que determinou o banimento do X. A rede social foi acusada pelo censor de permitir a desinformação e o discurso de ódio, a fim de favorecer “grupos populistas extremistas” — um suposto favorecimento ao qual, não satisfeito em interferir nas disputas político-eleitorais brasileiras, e intrometendo-se também na arena política internacional, o militante político de toga atribuiu a vitória do Brexit e a eleição de Donald Trump, ambos em 2016.

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Mais recentemente, a assombração política apareceu também numa declaração de Hillary Clinton à entrevistadora Rachel Maddow, da MSNBC. Segundo a notória mentirosa de Benghazi, o governo federal deveria processar criminalmente americanos que compartilham “propaganda”. Dita no contexto de uma campanha eleitoral marcada pela violência retórica e física da esquerda (já são, no mínimo, dois atentados contra a vida de Donald Trump), a opinião é coerente com a bandeira pró-censura sempre erguida por madame Clinton. Em 2022, dentre outras, ela lamentara que “as plataformas de tecnologia amplificaram a desinformação e o extremismo sem responsabilidade” e apoiara a legislação da União Europeia para eliminar a liberdade de expressão, sempre apontando o “nacional-populismo” — ou seja, a direita antiglobalista — como o perigo global a ser evitado.

Ao falar em “nacional-populismo”, “populismo de extrema direita” ou “extremismo populista”, Clinton, Moraes e seus camaradas da esquerda internacional estão pensando obviamente em nomes como Donald Trump, Matteo Salvini, Viktor Orbán, Recep Erdogan, Javier Milei, Jair Bolsonaro, entre outros. Mas se, por um lado, pode até haver alguma verdade em descrever essas figuras políticas como “populistas” — apenas no sentido genérico de que todo político o é em alguma medida, ao tentar ocultar interesses particulares da elite à qual pertence sob a aparência de demandas do povo —, o fato é que, hoje, o termo “nacional-populismo” não pode ser compreendido indissociavelmente de sua nêmesis, uma força política tão ou mais organizada, que eu proponho chamar de internacional-elitismo. Deveria ser escusado dizer, mas a adjetivação utilizada por Moraes e Clinton jamais poderia ser confundida com uma descrição objetiva de um sujeito que ocupasse uma posição altaneira e exterior à disputa política. Ao contrário, a expressão “nacional-populismo” — usada, pois, como ofensa política — nasce dentro do internacional-elitismo, e só pode ser adequadamente compreendida como um dos elementos de um par de opostos conceituais, que tem no internacional-elitismo o seu rival complementar.

Que o internacional-elitismo se tornou uma força política autoconsciente e organizada é evidenciado pelas manifestações de alguns dos seus intelectuais orgânicos, todos reagindo aos efeitos políticos perturbadores da democratização do mercado de informações e opiniões promovida pelas redes sociais. Trata-se, de fato, daquilo que Christopher Lasch celebremente chamou de “a revolta das elites”. Vejamos, por exemplo, o caso do jornalista Joel Stein, um internacional-elitista orgulhoso, que por anos assinou uma coluna na revista Time, onde oferecia a sua perspectiva sobre as assim chamadas “guerras culturais” nos EUA.

Em 2016, na noite em que Donald Trump venceu a eleição presidencial, o judeu esquerdista Joel Stein acreditou ter compreendido imediatamente o motivo da catástrofe. Ao contrário do que se dizia majoritariamente nos meios culturais pró-Democratas, a principal razão não fora a ansiedade econômica ou o pretenso racismo de seus apoiadores, mas o fato de Donald Trump ser antielitista. Hillary Clinton representava Wall Street, os acadêmicos, os artigos de políticas públicas, o beautiful people de Davos, os tratados internacionais e as pessoas que se achavam superiores ao americano médio — pessoas, justamente, como o próprio Stein. Trump representava algo muito mais atraente: a oportunidade de bater (metaforicamente) em pessoas como Joel Stein.

Ilustração: Wit Olszewski/Shutterstock

Dessa avaliação, surgiu o livro Em Defesa do Elitismo, um panfleto irônico (mas nem por isso menos sério) em defesa dos americanos melhores contra os americanos “deploráveis” (na expressão de Hillary Clinton) que votaram em Trump. Numa defesa aberta da Academia, da imprensa tradicional, do bife ao ponto e da civilidade, Joel Stein luta contra o populismo. O autor temia que uma nova massa tribal estivesse surgindo para substituir as elites tradicionais, abolindo a ideia mesma de expertise, e jogando o país de volta a uma época de guerras, estagnação econômica e bifes bem passados com ketchup (como os que Trump e seus apoiadores comem).

Para entender o processo de mudança e o que poderia ser feito para evitá-la, Stein passou uma semana no condado de Roberts, no Texas, que teve a maior porcentagem de eleitores de Trump no país, mais de 95%. Nas palavras do autor:

“Eu decidi descobrir quem são essas pessoas que derrubaram a elite, o que elas querem e por que — de repente e em todo o mundo — elas ficaram tão zangadas. Vou corajosamente entrar nos centros da revolução populista, encontrar seus líderes e comer seus alimentos fritos e gordurosos. Então, vou analisar meus dados, tirar conclusões e emitir um relatório sugerindo que finjamos dar a essas pessoas o que elas querem, mas façamos o que é melhor em vez disso. Este livro é um chamado às armas para a elite. Não armas de verdade, já que não achamos que as pessoas deveriam tê-las, mas armas metafóricas, que são o tipo de armas que serão inúteis contra as armas dos populistas, que são armas de verdade. É por isso que não estou enfrentando os populistas pessoalmente, e sim aqui, por escrito, onde nenhum deles saberá a respeito.”

A simples presença do homem alaranjado na corrida eleitoral americana já afigurava como uma derrota política do internacional-elitismo para o nacional-populismo

De modo menos irônico, mas também em reação a fenômenos “populistas” como a ascensão de Donald Trump e o triunfo do Brexit, o jornalista britânico James Traub, membro do Council of Foreign Relations (CFR), o mais importante think tank globalista do mundo, publicou na revista do CFR um artigo com título autoexplicativo: “Chegou a hora de as elites se erguerem contra as massas ignorantes”. Segundo Traub, o Brexit desnudara “o maior abismo político do nosso tempo”, uma divisão não entre esquerdistas e direitistas, mas entre “sãos” e “raivosos descerebrados”. Escrevendo em junho de 2016, o autor nutria ainda a esperança de que Trump viesse a ser derrotado por Hillary Clinton nos EUA. De todo modo, a simples presença do homem alaranjado na corrida eleitoral americana já se lhe afigurava como uma derrota política do internacional-elitismo para o nacional-populismo. Em suas palavras:

“O Partido Republicano (nos EUA), já tomado por negacionistas da ciência e negacionistas da realidade econômica, atirou-se nos braços de um sujeito que fabrica realidades em que pessoas ignorantes gostam de viver. Eu disse ‘ignorantes’? Sim. É preciso dizer que as pessoas estão enganadas e que a missão das lideranças é esclarecê-las. Isso é ‘elitista’? Talvez. Tornamo-nos tão inclinados a celebrar a autenticidade de toda convicção pessoal que hoje soa elitista acreditar na ‘razão’, no ‘conhecimento’ e nas ‘lições da história’. Se é assim, o partido dos que aceitam a realidade deve se preparar para derrotar o partido dos que a negam (…) Se essa é a reorientação futura, devemos apoiá-la.”

Ilustração: Roman Samborskyi/Shutterstock

Na mesma linha, tendo sempre como referências o Brexit e Donald Trump, o filósofo americano Jason Brennan lançou em 2016 o livro Contra a Democracia, mais um panfleto político em prol do internacional-elitismo. Na visão do autor, esses fenômenos políticos “nacional-populistas” sinalizavam uma “crise da democracia global e dos sistemas de representação política”. Daí que, para solucionar a crise, o apóstolo do elitismo propôs que a democracia moribunda fosse substituída pela epistocracia — o governo “dos que sabem”. Escreve Brennan:

“Quando alguns cidadãos são moralmente irracionais, ignorantes ou incompetentes em relação à política, isso justifica que não se lhes permita exercer autoridade política sobre os outros. E que tenham seu acesso ao poder vetado ou, ao menos, reduzido, para que pessoas inocentes não sofram os efeitos de sua incapacidade.”

Para o epistocrata, as coisas são muito simples: assim como motoristas inaptos não podem ter o direito de dirigir, eleitores politicamente incapazes não deveriam ter direito a voto — e, hoje sabemos, tampouco a direitos humanos fundamentais, como liberdade de expressão e acesso a informação. Assim como Em Defesa do Elitismo, o livro Contra a Democracia e o artigo “Chegou a hora de as elites se erguerem contra as massas ignorantes” são documentos históricos de grande relevância, porque seus autores dizem às claras aquilo que, na maioria das vezes, o establishment globalista pensa, mas não tem coragem de tornar público. Com exceção, é claro, dos internacional-elitistas brasileiros, que tampouco se vexam em, do alto de seu provincianismo bacharelesco e de sua colossal incultura histórica, extravasar o seu ódio político maldisfarçado de ordem judicial contra os “imbecis” da internet e os egressos de “guetos pré-iluministas”.

Leia também “Nada me ocorre sobre Alexandre de Moraes”

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