O piquenique do lobo solitário

— Boa tarde.

— Boa tarde.

— O que o senhor está fazendo aí?

— Um piquenique.

— Piquenique com fuzil?

— Isso não é um fuzil.

— Ah, não? É o quê, então?

— Um guarda-chuva.

— Guarda-chuva? Acho que estou vendo um gatilho ali.

— Sim, é um gatilho.

— Então não é um guarda-chuva. É um fuzil.

— Engano seu. É um guarda-chuva.

— Guarda-chuva com gatilho?

— Exatamente. É para abrir mais rápido. Às vezes a chuva chega muito de repente.

— Chuva? Mas o tempo está bom!

— Está. Mas pode mudar. Já ouviu falar nas mudanças climáticas?

— Já.

— Pois é. Todo cuidado é pouco. Aliás, cadê o seu guarda-chuva?

— Não trouxe.

— Não?! Como é que você sai pra passear nos dias de hoje, com as mudanças climáticas mudando o clima toda hora, sem um guarda-chuva, seu louco?!

— Não estou passeando.

— Ah, não? Está fazendo o quê?

— Uma ronda. Sou do serviço secreto.

— O quê?! Você é do serviço secreto?!

— Sou.

— E não anda armado de guarda-chuva?

— Não. Ando armado de fuzil.

— Você é louco. Não sabe o risco que está correndo. Mas pode deixar que não vou te denunciar.

— Obrigado. Posso te fazer mais uma pergunta?

— Fala rápido que quero continuar meu piquenique.

— Ok. É rapidinho. Estou vendo que, além de um gatilho, o seu guarda-chuva tem um cano. Pra que serve esse cano?

— Se as nuvens estiverem muito pesadas, eu atiro nelas.

— Mas aí vai chover.

— Exatamente. E não serei pego desprevenido. Aí é só abrir o guarda-chuva.

— Tá. Mas você promete que só vai atirar em nuvem?

— Claro! Por que essa preocupação?

— Porque aqui do lado é o campo de golfe do Donald Trump.

— Quem?

— Donald Trump.

— Nunca ouvi falar.

— Ah, que bom. Desculpe a indiscrição.

— Imagina. É o seu trabalho.

— Obrigado pela compreensão. Já vou andando, então. Pode me passar só o seu nome, pra botar aqui no relatório?

— Pois não. Aqui está minha carteira de identidade.

— Hum… numa primeira pesquisa estou vendo que você tem antecedentes criminais.

— É verdade.

— Como é que eu posso ir embora sem suspeitar de você?

— Como você mesmo disse, são antecedentes. Antecedente é aquilo que antecede. Ou seja, está no passado. Hoje sou um homem limpo.

— Posso confiar?

— Claro. A prova é que estou há 12 horas no meio desses arbustos fazendo um piquenique, armado apenas de um guarda-chuva. Um criminoso não perderia seu tempo com um programa monótono desses.

— Tem razão. Bom apetite.

— Obrigado. Bom serviço. Cuidado com os criminosos!

— Deixa comigo!

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