O Brasil é líder mundial na exportação de tabaco desde 1993. É também o segundo produtor, com cerca de 640 mil toneladas. A China, maior produtor, com 2,4 milhões de toneladas, ainda importa 540 mil. Em 2023, o tabaco sozinho representou quase 1% das exportações brasileiras (US$ 2,73 bilhões) e gerou cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos. Ainda assim, a cultura do tabaco, moderna e sustentável, parece invisível quando se aborda o agro nacional. Dela não se fala e pouco se sabe. Está “alhures”, como se não fizesse parte da agricultura.
Cultivar tabaco é bom negócio. Atraídos pela alta rentabilidade em pequenas áreas e pela garantia de venda da produção, em 2023, 138 mil produtores cultivaram 284 mil hectares. A produção aferiu R$ 11,3 bilhões. Cerca de 620 mil pessoas participam dessa cadeia produtiva no meio rural, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). O setor gera ainda 40 mil empregos diretos nas indústrias de beneficiamento.
A indústria do tabaco é composta de empresas de pequeno, médio e grande porte. Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires (RS), concentram muitas empresas, num dos maiores complexos mundiais de processamento de tabaco. Elas utilizam conceitos modernos de produção e equipamentos industriais de última geração. A renda gerada nessa indústria é essencial aos municípios, garante empregos diretos e diversos indiretos.
O Brasil exporta 85% da produção para 107 países. Os principais destinos são União Europeia (42%), Extremo Oriente (31%), África/Oriente Médio (11%), América do Norte (8%) e América Latina (8%).
Tabaco é o fumo em folha proveniente da espécie Nicotiana tabacum L., submetido à cura artificial ou natural (Regulamento Técnico do Tabaco em Folha Curado). As folhas são consumidas na forma de cigarros, charutos e em cachimbos, pela aspiração da fumaça, mediante combustão, ou mascadas. As folhas também servem na preparação de pesticidas e são usadas na indústria farmacêutica. Talos e hastes entram na composição de alguns tipos de fertilizantes.
Conhecido há milênios nas Américas, o primeiro europeu a mencionar o tabaco foi Cristóvão Colombo. Em 15 de outubro de 1492, ele notou na canoa de um índio “várias folhas secas e odoríferas muito apreciadas na região”. Em novembro, Rodrigo de Jerez e Luis de Torres, em missão de reconhecimento, observaram como “muitos índios seguravam uma brasa acesa nas mãos”. E descreveram o costume de secar folhas, colocá-las em canas, queimá-las e inalar o fumo. Em 1493, o frei Romano Pane, na segunda viagem de Colombo, enviou amostras de tabaco a Carlos V, da Espanha.
A história do Brasil é a do tabaco. Os portugueses encontraram o tabaco comido, bebido, mascado, aspirado e fumado por indígenas. O primeiro a introduzir, atestadamente, o cultivo do tabaco na Europa foi Luís de Góis. Ele participou da expedição de Martim Afonso de Souza e morou em São Vicente. Em 1535, levou sementes de tabaco ao Jardim Botânico de Lisboa, como relatam as Crônicas do Rei D. Manuel, de autoria de seu irmão Damião de Góis, figura ímpar do Renascimento português, humanista, historiador, diplomata e alto funcionário régio.
A primeira descrição da planta foi feita pelo padre franciscano André Thevet. Capelão da rainha Catarina de Médicis, ele acompanhou Nicolas de Villegagnon na tentativa de colonização francesa do Brasil, em 1555. Retornou à França em 1556. Em apenas dois meses na Guanabara, reuniu muitas anotações e observações publicadas em seu livro Les Singularitez de la France Antarctique, em 1557, em Paris. No capítulo XXXII, apresentou o tabaco e seus usos. Em 1556, ele cultivou sementes de tabaco nos arredores de Angoulême, 20 anos depois de Luís de Góis em Portugal.
Em 1561, Jean Nicot, embaixador da França em Lisboa, baseando-se nos efeitos curativos do tabaco constatados por boticários e médicos lusitanos, enviou-o à rainha Catarina de Médicis para tratar suas terríveis enxaquecas. Deu certo. A rainha ordenou cultivá-lo na Bretanha, Gasconha e Alsácia. Para homenagear Nicot, o duque de Guise propôs chamar a erva de Nicotiana ao botânico Jacques Daléchamps. Não se lembraram de honrar Thevet nem Luís de Góis. O termo “Nicotiana” foi retomado por Lineu.
A primeira ilustração botânica, com detalhes de seu uso medicinal, foi publicada pelo médico espanhol Nicolas Monardes, em 1571: “…todas as cosas que traen de nuestras Indias Occidentales que sierven al uso de Medicina…“. Um tratado específico foi publicado por Jacques Gohory, em 1572: L’Instruction sur l’Herbe Petum.
Da Península Ibérica e França, o tabaco foi introduzido rapidamente na Itália, Inglaterra e Alemanha; em 1580, na Turquia e na Rússia; em 1590, na Índia, China e Japão; em 1600, na Grécia, Filipinas e Indochina. Em meados do século 17, o tabaco já era cultivado em quase todo o planeta.
Do Brasil ao Canadá existem na natureza mais de 60 espécies de tabaco do gênero Nicotiana, da família das solanáceas, a mesma da batata e do tomate. No final do século 16, a palavra “tabaco”, de origem indígena, passou a designar a planta. A nicotina foi descoberta em 1809 por Louis Vauquelin, professor de química na Escola de Medicina de Paris.
No século 18, bitucas de charutos eram recolhidas e enroladas em papel para serem fumadas. Primitivos cigarros industrializados surgiram em 1830. A primeira máquina eficiente e comercializada para fabricar cigarros foi inventada em 1881. E aos poucos eliminou o tabaco mascado ou inalado. Após a Segunda Grande Guerra, o cigarro se espalhou pelo planeta e em todas as classes sociais.
A Bahia foi a primeira região do mundo a produzir tabaco comercialmente, em 1570. A renda do monopólio de Estado do fumo, decretado em 1674 em Portugal, chegou a representar 15% das receitas da coroa. No século 18, o tabaco já era cultura comercial nas Antilhas, Virgínia e Brasil. Foi uma das principais exportações do Brasil Império. Um ramo de tabaco figurava na Bandeira do Império. O Brasão de Armas da República o manteve e coloca essa cultura como um dos símbolos da nação.
No Brasil, o tabaco é cultivado em pequenas propriedades, com 15 hectares de área em média, sendo 18% com tabaco; 23,3% outras culturas agrícolas; 17,5% criações e pastagens; 19,8% florestas nativas; 11,3% reflorestamento; 7,3% áreas em pousio ou descanso; e 2,8% açudes e reservas de água.
A produção é sustentável. Pesquisas atestam: entre as grandes culturas, o tabaco é uma das menores no uso de defensivos, com 1 quilo de ingrediente ativo por hectare (Esalq/USP). E 98,9% dos produtores devolvem as embalagens usadas de produtos químicos ao Programa de Recebimento de Embalagens Vazias de Agrotóxicos. Segundo pesquisa recente, 97,5% dos fumicultores possuem depósito específico para defensivos, e 99,6% têm equipamentos adequados (EPIs) para manejá-los.
Os fumicultores não têm acesso ao financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Em 2018, o cultivo do tabaco celebrou os 100 anos de adoção do sistema integrado de produção. O produtor recebe da indústria fumageira insumos, assistência técnica e treinamentos, além da garantia de compra da produção contratada.
A diversificação de atividades para reduzir a dependência de uma única cultura é incentivada. O plantio de milho, feijão e pastagens, após a colheita do tabaco, é praticado por 74,8% dos fumicultores: aproveitam a adubação do tabaco, geram uma segunda renda e trazem benefícios ao solo, recoberto por vegetação o ano todo. Em 2023, a diversificação garantiu R$ 650 milhões adicionais aos produtores no Sul, em 509 municípios.
A renda do produtor de tabaco é superior em 140% à média do brasileiro: R$ 3.541,00 ante R$ 1.625,00, respectivamente (IBGE, 2022). O nível socioeconômico dos produtores se destaca: 80,4% estão nas classes A e B (Pesquisa de 2023 do Centro de Estudos e Pesquisas em Administração). No Brasil, menos de 25% da população está nesse estrato social.
A renda média mensal da família produtora de tabaco é de R$ 11.755,00. Apenas 5% dos produtores recebem algum benefício social do governo (Bolsa Família ou auxílio-educação). Quais são suas principais motivações? Para 87%, a cultura é mais lucrativa; para 83%, a garantia de venda; para 74%, o preço negociado; para 72%, o seguro agrícola; e, para 82%, a orientação técnica.
Para evitar a doença da folha verde, o setor oferece, a preço de custo, um traje de colheita altamente eficiente, desenvolvido em 2009 pela Universidade de Campinas. Testes por uma empresa de consultoria em toxicologia comprovaram a redução de 98% da exposição dérmica, e 1,3 mil técnicos foram capacitados a auxiliar produtores na prevenção.
A enorme carga tributária (83,3%) sobre a produção e a venda de cigarros garante relevante arrecadação ao governo e incentiva a comercialização informal e o contrabando, com perdas superiores a R$ 2 bilhões por ano.
O número de fumantes está em declínio. Cerca de um em cada cinco adultos no mundo consome tabaco. Em 2000, era um em cada três. Ainda assim, 1,25 bilhão de pessoas são fumantes. O tabagismo para a OMS é a principal causa de mortes evitáveis: 8 milhões/ano ou 22 mil/dia. Doenças associadas ao tabaco teriam custado R$ 153,5 bilhões ao Brasil em 2022.
Em 2003, a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde pública da OMS, assinado por 192 países, previu reduções de área plantada e crédito, e diversificação nas propriedades com novas fontes de renda. Para a Associação Internacional dos Produtores de Tabaco, o desafio é enorme: 30 milhões de pequenos agricultores no mundo produzem 4,5 milhões de toneladas e dependem dessas lavouras como fonte garantida de renda.
Grande produtor e maior exportador mundial, se o Brasil deixar de produzir tabaco, seus principais concorrentes (Estados Unidos, Zimbábue etc.) assumirão seu lugar. A complexa questão da fumicultura e suas implicações agrícolas, industriais, sanitárias, sociais e econômicas deverão evoluir. Serão necessárias alternativas viáveis e negociadas. O Sinditabaco lançou um estudo para desmistificar e desconstruir falsas narrativas sobre a produção de tabaco: Assunto controverso, contraponto necessário. Em síntese, o documento diz o óbvio: o tabaco é agro!
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Ótimo conteúdo.
Excelente relato histórico, que ilustra bem nossa agropecuária. Parabéns Evaristo!
Que matéria excepcional.
Parabéns, dr Evaristo.
Que matéria excepcional.
Parabéns, dr Evaristo
Que aula magistral sobre o tabaco. Parabéns.
Sim o tabaco é agro
Aprendi muito sobre a trajetoria do cultivo do tabaco com esse brilhante artigo do Prof Evaristo
Apesar de todos os males que ele causa temos o livre arbitrio e temos que permitir que as pessoas façam as suas escolhas (pelo menos ate agora foi assim)
O tabagismo é talvez o único saber tradicional e cultural dos indígenas que foi adotado em quase todo planeta com as trágicas consequências bem conhecidas. O Brasil lidera a redução do tabagismo nos últimos 20 anos. Por isso pode aumentar e seguirá aumentando suas exportações de tabaco. Parabéns ao Dr. Evaristo e a Revista Oeste por essa abordagem ampla, técnica e inédita desse tema. Realmente o tabaco é Agro.