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Emmanuel Macron, presidente francês, no Palácio do Eliseu, em Paris (3/10/2024) | Foto: Reuters/Sarah Meyssonnier
Edição 237

A desonestidade do Ocidente em relação ao Líbano

Por que o establishment político e midiático não fala a verdade: que o Hezbollah começou essa guerra terrível?

Brendan O'Neill, da Spiked
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Se um rapaz elegante, adornado com um keffiyeh, em um campus universitário, falasse sobre o confronto entre Israel e Líbano sem mencionar a palavra “Hezbollah”, nenhum de nós ficaria surpreso. Para os odiadores de Israel à moda do Ocidente, o Estado judeu é responsável por todos os males do Oriente Médio, e seus inimigos são sempre inocentes. Mas é imperdoável que um líder mundial faça isto: discorrer sobre essa batalha sangrenta sem mencionar o implacável grupo terrorista cujos foguetes a desencadearam.

Surge o presidente Emmanuel Macron. Na sexta-feira, após o ataque dos pagers de Israel contra militantes do Hezbollah e o disparo de mísseis de ambos os lados, ele disse que a França está do lado do Líbano e expressou seu “pesar por todas as vítimas civis dos ataques”. Macron disse que conversou com as principais partes envolvidas na guerra “de Israel contra o Irã” e pediu a eles que reduzissem a escalada. No entanto, houve uma parte que não foi mencionada. O que é estranho, já que foi a parte que iniciou a guerra, lançando foguetes contra Israel desde 8 de outubro de 2023 — em solidariedade aos ataques racistas do Hamas — e, no processo, expulsou 60 mil judeus de suas casas, destruiu terras e massacrou crianças. Como disse o Times of Israel, ele “não fez nenhuma menção explícita ao Hezbollah”.

Em termos de descuidos, foi um choque. É como discursar sobre a intervenção do Ocidente em Raqqa sem citar o ISIS, ou lamentar o 11 de Setembro, mas se esquecer de mencionar certo culto islâmico da morte. É de se admirar que, em um telefonema supostamente tenso entre Macron e Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense tenha dito que “em vez de pressionar Israel, está na hora de a França aumentar a pressão sobre o Hezbollah”? Ou pelo menos mencionar o Hezbollah. Seria um começo dizer em voz alta o nome dos representantes iranianos que estão atacando o Estado judeu com mísseis há um ano, em uma demonstração de apoio ao pior ato de violência contra os judeus desde o Holocausto.

O comentário de Macron depois da explosão dos pagers pode ter sido bizarro, mas não foi surpreendente. Ao falar sobre uma guerra sem se referir aos instigadores da guerra, sem citar o nome do autoproclamado “Exército de Deus”, cuja destruição de casas israelenses e assassinato de crianças drusas deram origem a essa última rodada de hostilidades, Macron estava fazendo o que muitos no Ocidente fizeram. Ou seja, tirou essa batalha de seu contexto histórico e moral. E a descreveu como um ato de maldade unilateral israelense. Pior ainda, absolveu implicitamente o Hezbollah da responsabilidade por esse show de horrores, minimizando seu papel ou apagando seu nome de sua pomposa sinalização de virtude.

Grupo de soldados do Hezbollah | Foto: Shutterstock

Exército antissemita

Em boa parte da grande mídia e nas redes sociais, o confronto entre Israel e Líbano está sendo moralizado de forma indesculpavelmente unilateral. Os ataques de Israel aos postos do Hezbollah no sul do Líbano ontem, que supostamente deixaram mais de 500 mortos, foram tratados como salvas em uma ofensiva. É uma “escalada dramática”, afirma o Washington Post, o que levanta a dúvida sobre por que ele não disse algo semelhante quando o Hezbollah matou aquelas 12 crianças drusas em Israel em julho. Vozes radicais estão furiosas com os “massacres” de Israel no Líbano. Essa nação insana está empenhada em “outro massacre de inocentes”, diz um observador. E, claro, os protestos já começaram. Em Sydney, Chicago, Berlim. Nada — literalmente nada — faz com que os virtuosos saiam às ruas tanto quanto o Estado judeu reagindo contra os terroristas que praticam violência contra seu povo.

O foco míope nos civis feridos ou mortos pela operação dos pagers e pelos ataques de mísseis de Israel também distorce o que está acontecendo. Sim, civis no Líbano morreram, e isso é terrível. Esse é um dos motivos pelos quais alguns de nós nos opusemos às violentas provocações do Hezbollah contra Israel após o ataque do Hamas — não apenas porque isso representou uma violação grotesca da soberania israelense e um desrespeito imprudente pela vida israelense, mas também porque significava uma guerra futura na qual os libaneses também sofreriam. No entanto, os ataques de Israel ao Líbano não são ataques a civis, muito menos uma “matança de inocentes”. São uma firme reação, depois de meses de provocação, contra o exército racista de um poderoso Estado estrangeiro.

Outra coisa que é suprimida nos sermões fáceis dos odiadores de Israel é a questão de quem é o alvo de Israel. É o Hezbollah, os soldados desse exército antissemita que vê o Estado judeu como um “câncer que está se espalhando” e deve ser extirpado do Oriente Médio. Você não saberia disso pela cobertura infantil e dolorosa da mídia mainstream, mas o Hezbollah identificou mais de 500 de seus membros mortos por Israel nos últimos meses. Isso não é um massacre de inocentes — é uma retaliação pelo terrorismo. O ataque aos pagers da semana passada foi expressamente direcionado aos militantes do Hezbollah que usam esses dispositivos arcaicos. E os ataques ao Líbano nos últimos dias eliminaram muitos agentes do Hezbollah, inclusive um dos principais comandantes: Ibrahim Aqil.

Bandeiras do Hezbollah e de Israel | Foto: Shutterstock

Narrativa moral pré-aprovada

Ninguém nega o horror das mortes de civis. Mas é uma mentira flagrante chamar as ações de Israel no Líbano de guerra contra civis. É uma guerra contra terroristas, está ocorrendo há um ano, desde que o Hezbollah decidiu bombardear Israel para colocar sal na ferida do ataque do Hamas. Em tempos mais normais, o presidente francês e o presidente dos EUA estariam agradecendo a Israel pela remoção de um comandante terrorista como Aqil. Afinal de contas, ele é amplamente considerado suspeito de ter ajudado nos atentados a bomba no quartel de Beirute em 1983, que mataram 241 militares americanos e 58 franceses. É um testemunho da desordem moral das elites do Ocidente, quando não de seu total colapso moral, o fato de elas terem reagido à morte justa de um assassino em massa que odeia o Ocidente criticando aqueles que o levaram à justiça. Assim, enquanto Macron lamenta a agressão israelense no Líbano, os Estados Unidos de Joe Biden “não têm reação nenhuma”, comenta um think-tanker de Washington. Que bela maneira de comemorar os militares e as mulheres que Aqil ajudou a massacrar, França e Estados Unidos.

A descontextualização implacável do confronto entre Israel e Líbano pela mídia é um tipo de censura de guerra. Pode não ser tão brutal quanto a censura de guerra de antigamente, quando as autoridades antiquadas simplesmente privavam o público de fatos inconvenientes. Mas, ao não situar essa guerra no contexto da perseguição pós-7 de outubro a Israel pelos representantes antissemitas em suas fronteiras, e ao não fornecer um relato honesto do número de militantes do Hezbollah feridos ou mortos com sucesso por Israel, a mídia nos dá uma visão distorcida e quase fraudulenta dessas tensões. Ela transformou uma guerra contra terroristas em uma guerra contra pessoas, encobrindo a culpabilidade do Hezbollah e inflamando ainda mais a israelofobia que está na moda entre as elites acadêmicas. É uma desonestidade imprudente. E é motivada pelo desejo autocentrado de alimentar o povo com uma narrativa moral pré-aprovada, em vez da verdade.

O silêncio da esquerda antirracista

Quanto à esquerda barulhenta, para quem Israel está promovendo mais um “massacre de inocentes” no Líbano, onde vocês estavam quando os mísseis do Hezbollah forçaram 60 mil civis a evacuar suas casas no norte de Israel? E quando os mísseis do Hezbollah provocaram incêndios que destruíram milhares de hectares de terra em Israel? E quando um míssil do Hezbollah matou as crianças drusas? Se vocês não disseram nada sobre tudo isso, não nos interessa o que pensam sobre o que está acontecendo no Líbano. Se alguém tivesse me dito, alguns anos atrás, que um dia a autodenominada esquerda antirracista ficaria em silêncio quando dezenas de milhares de judeus fossem forçados ao exílio interno por militantes antissemitas, mas se enfureceria quando o Estado judeu lutasse pelo direito desses judeus de voltar para casa, eu teria tido dificuldade de acreditar.

A terrível verdade é que Israel tem pouca escolha a não ser buscar o enfraquecimento do Hezbollah. Tanto econômica quanto espiritualmente, Israel não pode tolerar a evacuação em massa do norte de seu país. Tampouco pode correr o risco de “outro 7 de outubro”, como o Hezbollah estava considerando. De volta a Macron: o que ele faria se dezenas de milhares de civis franceses fossem expulsos de suas casas e muitas crianças francesas fossem massacradas por um exército patrocinado por estrangeiros do outro lado da fronteira, na Bélgica? Aposto que o presidente francês tomaria uma atitude e esperaria que seus aliados pelo menos citassem o nome do grupo terrorista que ameaçou seu país de forma tão terrível. Isso é tudo o que Israel também quer, presidente Macron.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, After the Pogrom: 7 October, Israel and the Crisis of Civilisation, foi lançado em 2024. Brendan está no Instagram: @burntoakboy

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