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Ilustração: Revista Oeste/IA
Edição 237

Eu conto ou você conta?

Como convencer alguém da melhora da classificação de risco do país, se o arcabouço fiscal brasileiro já foi alterado várias vezes para fazer caber a falta de responsabilidade do próprio governo?

Adalberto Piotto
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O governo brasileiro termina a primeira semana de outubro acreditando que está a um passo do grau de investimento. E usará como prova a elevação da nota do Brasil pela agência norte-americana de classificação de risco Moody’s Rating, anunciada na última terça-feira, dia 1º de outubro.

Eu conto ou você conta que a Moody’s é a mesma agência que errou de forma grotesca na crise de 2008? Porque é preciso lembrar que a então inquestionável Moody’s só foi rebaixar a nota do Lehman Brothers na véspera do dia em que o banco de investimentos colapsou. A derrocada do Lehman Brothers, entupido de hipotecas com baixo nível de capacidade de pagamento (a tal crise do subprime, em 2008), deu início à derrocada da economia americana, o que levou também o mundo para o mesmo buraco, no fim da primeira década deste século. Uma crise só comparável, até então, à Grande Depressão de 1929, quando houve a quebra da Bolsa de Nova York. Um banco promove farta distribuição de financiamentos para o setor imobiliário, sem garantias convincentes, por anos a fio, e a agência que avalia a contabilidade e o risco da instituição não consegue enxergar nada disso? É bem sintomático, não?

Apesar disso, na semana passada, durante a viagem a Nova York para a Assembleia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aproveitaram a oportunidade para se reunir com a Standard & Poor’s e, vejam só, a própria Moody’s Rating. Na conversa, discutiram a volta do grau de investimento do Brasil com a apresentação de dados das contas públicas e do arcabouço fiscal.

Fernando Haddad e presidente Lula reuniram-se com a Standard & Poor’s e a Moody’s para discutir a recuperação do grau de investimento do Brasil, apresentando dados das contas públicas e do arcabouço fiscal | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Parece mãe de aluno que ficou de recuperação que acha que levar bolo de fubá para a professora vai fazê-lo passar de ano. O fato principal é que tanto as informações fiscais do Brasil como as notas do aluno, o que ele aprendeu e o que deixou de fazer durante o ano inteiro, não mudam com a oferta graciosa do bolinho carinhoso. É preciso mostrar números e notas melhores para provar a mudança de atitude.

Daí, como convencer alguém da melhora da classificação do risco do país se o arcabouço fiscal brasileiro já foi alterado várias vezes para fazer caber a falta de responsabilidade do próprio governo? Some-se a isso que várias despesas foram retiradas da conta oficial dos gastos para maquiar déficits menores. E, para não sofrer impeachment por crime fiscal, o governo recorreu ao STF. Só que nem mesmo o ativista Supremo Tribunal Federal do Brasil consegue subverter a matemática ou o conceito de despesa e receita.

Daí conto eu ou conta você que a decisão da agência suscitou todo tipo de desconfiança dos investidores aqui e lá fora? Porque os números estão aí, falam português e não precisam da “tradução” de uma agência estrangeira. Em seu relatório explicando a decisão, a Moody’s faz contorcionismos e se contradiz. A agência cita que as reformas estruturais e o crescimento econômico do país emprestariam “resiliência ao perfil de crédito, embora a credibilidade do arcabouço fiscal ainda seja moderada, conforme refletido em um custo relativamente alto da dívida”. Por partes. As reformas de verdade e com consistência que recuperaram a capacidade de crescimento da economia são de governos anteriores. A economia brasileira cresce, mas hoje espanta investidores por causa da insegurança jurídica e voltou a ter enorme peso de gasto do Estado. Em outras palavras, não é sustentável no longo prazo. E o dado mais grave, explícito e sem rodeios: o governo continua gastando mais do que arrecada. Com isso, não gera superávit para reduzir o tamanho da dívida. Com dívida crescente e risco de insolvência maior, paga juros mais altos a quem aceita emprestar para o país.

Em miúdos, a conta não fecha e fica mais negativa.

A Moody’s perdeu credibilidade ao rebaixar o Lehman Brothers apenas na véspera de sua falência em 2008, após anos ignorando os riscos das hipotecas subprime que desencadearam uma crise financeira global | Foto: Divulgação

Veja que o déficit nominal do setor público chegou a R$ 1,111 trilhão no acumulado dos últimos 12 meses no período terminado em agosto. É maior que em 2021, quando ainda tínhamos a consequência dos gastos elevados da pandemia, um fenômeno fora de qualquer curva. A relação dívida/PIB, um dos mais sofisticados parâmetros de gasto e solvência fiscal, subiu a 78,6% do produto interno bruto sob Lula. O dado em si seria apenas um número se a comparação não revelasse o descalabro das contas do atual governo. Em dezembro de 2022, quando o governo Bolsonaro — de matriz liberal na economia e austeridade fiscal — entregou o país com superávit primário de pouco mais de R$ 54 bilhões, a relação dívida/PIB era decrescente e atingiu a marca de 71,7%. Comparações são reveladoras e definitivas, não?

Fato é que a dívida bruta brasileira, segundo relatório do Banco Central divulgado no fim de setembro, que engloba todo o setor público, atingiu o astronômico valor de R$ 8,9 trilhões com o perdularismo voraz e inconsequente do governo de Lula 3. Um sinal que deveria preocupar ainda mais — inclusive a Moody’s — é o dado do déficit primário só do governo central no mês de agosto. Nos últimos 12 meses, o governo gastou R$ 256,3 bilhões a mais do que arrecadou. O cálculo primário, que não leva em conta o pagamento dos juros, é vital para saber se o governo está aumentando o rombo ou se está economizando para reduzir a dívida. Lula está gastando mais do que arrecada há 15 meses consecutivos, aumentando o estrago nas contas públicas e sem melhorar a qualidade vida dos brasileiros. Ao contrário, Lula 3 é uma gestão ineficiente que expôs o país e a população a um recorde de casos e mortes por dengue, a uma tragédia ambiental sem precedentes e com uma economia que não consegue trazer segurança para o investidor.

Lula disse que, sem o apoio financeiro adequado, muitas iniciativas culturais não conseguem sair do papel | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O governo gastou R$ 256,3 bilhões a mais do que arrecadou. A gestão de Lula 3 é vista como ineficiente, com piora na saúde, meio ambiente e insegurança econômica para investidores | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Eu não arriscaria dizer aqui o que levou de fato a Moody’s a aumentar a nota de crédito da economia brasileira. Na classificação da agência, estamos a um nível de atingir o grau de país bom para investimento.

O que é preciso entender, porque é o que vale, é quem vai acreditar na opinião da Moody’s diante de números e fatos econômicos que dizem exatamente o contrário?

Eu conto ou você conta que não tem bolo que baste para esconder o déficit?

Leia também “Lula e ONU ficaram pelo caminho”

6 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    No Brasil atual só a falta de segurança jurídica é suficiente para afastar qualquer investidor.
    O DESgoverno está igual a família que gastou as reservas, usou o limite do cheque especial, gastou o limite do cartão de crédito e está prestes a começar a emprestar dinheiro dos familiares.
    Ao que parece que o Lula e Taxad estão querendo utilizar a Moody’s como avalista.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eu não sei como as pessoas que deveriam atingir o cerne da questão fica numa retórica sem fim é a burocracia infinita e sórdida. Isso não interessa, o que interessa é que as eleições no Brasil são fraudadas e a corja de ladrão comunista que está no poder tem que ser presa por crime de lesa-pátria e crime contra a soberania nacional e o STF e TSE é urgente a prisão de todos

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    É provável que seja mais uma manipulação, nível IBGE do militante Márcio Pochmann.

  4. LUANA MARINHO DE OLIVEIRA
    LUANA MARINHO DE OLIVEIRA

    Piotto, sempre preciso em suas análises.

  5. LUANA MARINHO DE OLIVEIRA
    LUANA MARINHO DE OLIVEIRA

    Piotto, sempre preciso em suas análises.

  6. Ubirajara garcia
    Ubirajara garcia

    Desgoverno perdulário. Vergonhoso…

Ministra do STF Cármen Lúcia votou de acordo com a decisão de Moraes quando do bloqueio do Twitter/X em 31 de agosto | Foto: Ton Molina/Estadão Conteúdo Anterior:
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