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Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, depois de discursar na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, na sede da ONU, em Nova York (27/9/2024) | Foto: Mike Segar/Reuters
Edição 237

O ano mais difícil 

Um ano depois do 7 de outubro, Israel vive a mais violenta e brutal guerra travada em sua história recente

Eugenio Goussinsky
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Até 7 de outubro de 2023, a certeza em Israel era de que, aos poucos, o país judaico se aproximaria de uma rotina de paz e soberania. Desde o fim da Guerra do Yom Kippur, em 1973, a nação sonhava em, de uma vez por todas, superar a preocupação relacionada à segurança.

Os conselhos mais repetidos naqueles anos 1970 eram “não chute latas nas ruas”, “não abra bolsas perdidas em banheiros”, “não dê carona nas estradas para supostos oficiais”. As latas e as bolsas poderiam ser bombas. E, os oficiais, terroristas disfarçados.

A ameaça e o temor, porém, foram sendo controlados. Resumiam-se à ação de terroristas com práticas rudimentares, espécies de “lobos solitários”, sequelas das guerras que forjaram a nação.

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Atentados, conflitos periódicos e incursões pontuais de Israel não impediram o crescimento do país. Mesmo com percalços, tudo começou a correr conforme o planejado.

Israel se tornou uma potência tecnológica. Inseriu-se entre os países com melhor qualidade de vida do mundo. Assinou acordos de paz com Egito e Jordânia. Retomou relações com antigos desafetos, como Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos. Estava perto de formalizar relações com a Arábia Saudita. A sensação de segurança, se não plena, pelo menos existia. 

Mas aquela manhã em que o grupo terrorista Hamas atacou por terra, mar e ar trouxe à tona uma realidade oculta: o inimigo nunca deixou de existir; apenas estava à espreita. 

Um dos temores do Hamas e de seu mentor, Irã, era justamente a aproximação entre Israel e países árabes. Isso enfraqueceria o eixo xiita do Irã na região e os argumentos políticos para a causa palestina.

No ataque, morreram cerca de 1,2 mil pessoas e 251 foram sequestradas. Kibutzim do sul foram destruídos por terroristas que romperam uma cerca na fronteira. Uma festa de jovens foi atacada (leia a reportagem Festival de Terror). Cenas de barbárie foram apresentadas nas principais emissoras de TV.

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A partir de então, a nação entrou no pior ano de sua história. Tudo mudou em Israel. Nunca se ouviram tantos toques de sirene. Bombardeios cortavam os céus de norte a sul. O último, e mais intenso, foi o lançamento de mísseis do Irã no início de outubro, em meio à escalada do conflito.

“O dia 7 de outubro marcou o fim da ilusão que vivíamos de que era possível vivermos seguros e em paz com vizinhos a poucos quilômetros de lares judaicos dizendo dia e noite que querem nos exterminar”, afirmou o escritor Yossi Klein Halevi, em entrevista ao jornalista Don Senor, no podcast Call Me Back.

Cenário explosivo

Em um aspecto, a nação judaica voltou ao seu estágio inicial em 1948, quando venceu uma guerra contra países que a rejeitavam. Em poucos meses, em compensação, a inteligência e as forças militares israelenses se recuperaram do fracasso de 7 de outubro. 

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Israel utilizou a crise para se fortalecer. E assombrou o mundo com uma escalada que envolveu estratégia e tecnologia. Na nova política do Ministério da Defesa, foram adquiridos equipamentos de mais de cem startups israelenses que atuam no mercado de defesa. Tudo para incrementar o arsenal cibernético, principalmente para a detecção de drones, equipamentos capazes de tornar perigosos precários grupos terroristas.

A luta pela sobrevivência se multiplicou em várias frentes. A fagulha para esse cenário explosivo foi a ação do Hamas. “O Hamas sabia que nunca iria conseguir tomar todo o território de Israel”, afirma o professor Bruno Campos, analista institucional do Laboratório de Estudos do Oriente Médio (LEOM). “Mas o objetivo deles foi criar uma guerra de imagens, espalhar o conflito.”

O papel invertido de vítima que o Hamas incorporou colocou Israel em outra “frente” de batalha: a da propaganda. O antissemitismo pelo mundo reacendeu. O país, então, se viu em uma situação desconfortável diante de parte da comunidade internacional.

Desde sua fundação, porém, Israel aprendeu a conviver com esse dilema. Os anos 1950 ficaram marcados por uma discordância entre Moshe Sharett e David Ben-Gurion. Sharett, ex-ministro das Relações Exteriores e segundo primeiro-ministro (1953-1955), valorizava a diplomacia para legitimar o país junto à comunidade internacional. Ben-Gurion, líder da fundação de Israel e primeiro-ministro em várias ocasiões, realçava a importância da ação militar pela sobrevivência.

O drama dos reféns

Israel entendeu a realidade atual. Planejou seus movimentos nos últimos meses. Esperou a hora de contra-atacar o Hezbollah, que se aliou ao Hamas, de forma decisiva.

Ao intensificar os ataques depois das ações em Gaza, o Hezbollah tinha uma missão: desviar o foco de Israel para a fronteira norte. Lançou mais de 9 mil mísseis. Florestas em Israel ficaram em chamas. No norte, mais de 60 mil pessoas deixaram suas casas.

Pessoas se abrigam ao toque de uma sirene de ataque aéreo, depois do disparo de mísseis balísticos pelo Irã, no centro de Israel (1º/10/2024) | Foto: Reuters/Ronen Zvulun
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Hezbollah e Hamas agiam de acordo com os interesses do seu financiador, o Irã. No papel de proxies (representantes). O próprio Irã, interessado na hegemonia da região, realizou dois ataques diretos a Israel. Em abril, lançou cerca de 300 drones. Em outubro, quase 200 mísseis balísticos. As duas ações foram repelidas.

O segundo ataque ocorreu quando a guerra entrou em nova etapa. “Israel está sendo mais uma vez pioneiro na questão militar, ao combater em diversas frentes”, afirma Henry Tkacz, ex-sargento do Exército israelense.

As forças israelenses combatem o Hezbollah, o Irã e grupos no Iraque e no Iêmen. Tkacz lembra que o mais difícil, porém, são os 101 reféns que, pelo que se acredita, estão sob controle do Hamas. “Há ainda a dificuldade de enfrentar um grupo terrorista que se esconde em túneis, com civis, reféns, mulheres, crianças, idosos, usados como escudos humanos.”

A questão dos reféns também levou o país a viver seu ano mais dramático. “Tenho 67 anos, já vi muita coisa, e este é o pior ano. Antes as guerras tinham começo, meio e fim”, afirma Maurice Shnaider, tio de Shiri Bibas. Ela foi feita refém junto com o marido, Yarden, e os filhos Ariel, de 4 anos, e Kfir, de quase 2 anos.

Shnaider até hoje tem dificuldade para dormir. “Os pensamentos vêm: ‘Como podem estar?’ Me dá muita pena. A mente não para de pensar, os parentes também se tornam reféns.” Ele, que perdeu a irmã e o cunhado nos ataques, continua na luta pela libertação de seus familiares, na famosa campanha Bring Them Home. “Nunca vamos perder a esperança, mas há uma parte da mente que teme o pior, que eles não voltem.”

Gastos militares

Desde 7 de outubro de 2023, os gastos militares de Israel aumentaram. Chegaram a cerca de 1 bilhão de shekalim (aproximadamente US$ 250 milhões) por dia. A inteligência israelense ressurgiu como referência mundial. 

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“O Mossad [instituto de inteligência e operações especiais] sempre se recicla e se adapta às necessidades”, ressalta Tkacz. Israel acelerou, em poucos meses, o que deveria demorar anos para acontecer. 

As Forças de Defesa de Israel (FDI) iniciaram uma série de ataques aéreos contra o Hamas e o Hezbollah. Em julho, em ação atribuída ao Mossad, Ismail Haniyeh, líder máximo do Hamas, foi morto em Teerã, em um ataque preciso no local em que se hospedava. 

Em setembro, ocorreu a série de explosões em pagers e walkie-talkies de membros do Hezbollah, que deixou centenas de mortos e desnorteou o grupo. Dias depois, a maior autoridade do Hezbollah, Hassan Nasrallah, foi morto por bombardeio em Beirute. Outros líderes do Hezbollah também foram eliminados.

Direito de defesa

Em Gaza, conforme declarou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o Hamas perdeu 90% da capacidade de combate. Israel, então, deu prosseguimento aos ataques no Líbano, com uma incursão terrestre. E já aguardava pelo novo ataque do Irã, que se confirmou.

“A República Islâmica do Irã cairá mais cedo do que as pessoas pensam”, declarou Netanyahu, dois dias depois da morte de Nasrallah. Muitos em Israel acreditam que um enfrentamento com o Irã precisa ser imediato. Antes que a república islâmica adquira um arsenal nuclear. 

Netanyahu, como resposta ao último ataque do Irã, em retaliação à morte de Nasrallah, se mostra disposto a ir às últimas consequências: a queda do regime iraniano. Mas um confronto definitivo entre ambos aumentaria o risco de uma escalada mundial, com a possível inclusão dos Estados Unidos, da Rússia e de nações europeias.

Somente na guerra em Gaza, foram mais de 600 oficiais israelenses mortos. Milhares de palestinos morreram, entre eles terroristas. Israel não esperava que esses embates fossem tão repentinos. “Será que, um dia, todos os nossos inimigos vão querer nos eliminar?” Essa pergunta pairava na mente dos israelenses, em silêncio, enquanto o país crescia. Mas parecia ser um problema para daqui a 40 ou 50 anos.

De repente, acrescenta o escritor Halevi, o Estado de Israel se deparou com a urgência em se proteger. “Não peço desculpas por um segundo pela guerra que Israel empreende; sim, é a mais violenta e brutal guerra travada na história recente, mas absolutamente necessária.”

Israel, porém, está confiante diante de seu maior desafio. O ataque de 7 de outubro e as suas consequências só fizeram a nação judaica perceber que o futuro é agora.

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