“No Brasil, o único risco que você não corre,
é o de morrer de tédio.“
(José Eduardo Andrade Vieira,
ex-ministro da Agricultura)
Foram necessários uns 6 mil anos no planeta Terra para a população urbana ultrapassar numericamente a rural. Isso ocorreu em 2007, há 17 anos. Quem muda do campo para a cidade deixa de produzir batatas, cereais, hortaliças, frutas e de criar porcos e galinhas. A família rural modifica seu padrão alimentar nas cidades. Com mais urbanização, maior a demanda por comida e menos gente para produzir no campo.
É um caminho sem volta: o crescimento urbano prossegue, enquanto declina a população rural. Cabe ao mundo rural alimentar uma parcela cada vez maior da humanidade, exigente e urbana. Com tecnologias e inovações, o crescimento da produção agropecuária havia sido superior ao da população mundial desde o século passado até 2019. Agora, a insegurança alimentar aumentou.
O crescimento da agricultura sempre foi a base do processo civilizatório. As primeiras cidades se consolidaram no período Neolítico, entre 4000 e 3000 a.C., na Mesopotâmia, no atual Iraque. Se pequenas vilas já haviam surgido desde 9000 a.C., como atestado na Anatólia Central (Turquia), o processo de urbanização, contínuo, se consolidou entre os Rios Tigre e Eufrates. Isso ocorreu graças ao florescimento e à geração de excedentes na agricultura. E, com eles, o aumento da população até os dias de hoje.
Em 2023, a população da Índia ultrapassou a da China e segue crescendo. Os dois países reúnem 3 bilhões de pessoas. Nos próximos 20 anos, nove países (Índia, Paquistão, Indonésia, Estados Unidos, Nigéria, Uganda, Tanzânia, Congo e Etiópia) trarão um acréscimo populacional de mais 2 bilhões de pessoas, mesmo com o declínio das populações em mais de 150 países. O mundo urbano precisará de um fluxo de bilhões e bilhões de toneladas de alimentos diversificados, de qualidade, a baixo preço e, se possível, entregues e disponíveis em supermercados próximos às residências. Isso não se produz em hortas comunitárias ou jardins urbanos. Demanda muita terra, mecanização, investimentos e tecnologia.
Desde a Segunda Grande Guerra, a produção agropecuária teve um crescimento extraordinário, o clima ajudando ou não. Isso deveu-se à revolução verde e à incorporação constante de inovações tecnológicas ao processo produtivo e às indústrias de transformação agroalimentares. O preço dos alimentos caiu de forma constante. Isso foi particularmente verdadeiro no Brasil. A primeira ruptura global nesse processo ocorreu em 2019, por causa da pandemia de covid-19. Esse vírus surgiu e saiu da China, e causou a morte de 15 milhões de pessoas. Foi a terceira maior causa de mortalidade no mundo em 2020 e a segunda em 2021.
Logo no início da pandemia, a ONU já identificou o vírus chinês como a causa de uma crise sanitária e também de segurança alimentar e nutricional. Os sistemas alimentares mundiais entraram em crise com a redução e desorganização da produção, da logística e da comercialização. Apenas agora os níveis de produção e consumo retomaram valores próximos aos existentes antes da covid-19. E ainda com perturbações como a guerra na Ucrânia, a crise energética na Europa, as adversidades climáticas, as revoltas de produtores, e por aí vai. A produção mundial de cereais em 2024 ficará ligeiramente abaixo da obtida em 2023, cerca de 2,9 bilhões de toneladas.
A pandemia de covid-19 reverteu a tendência de aumento constante na expectativa de vida ao nascer e na expectativa de vida saudável. O vírus chinês eliminou quase uma década de progresso na melhoria da expectativa de vida em apenas dois anos. Entre 2019 e 2021, a expectativa de vida global caiu 1,8 ano, para 71,4 anos (voltando ao nível de 2012). A expectativa de vida saudável global caiu 1,5 ano, para 61,9 anos em 2021 (voltando ao nível de 2012).
A fome mundial cresceu com a covid-19, num nível superior ao existente antes da pandemia. Afetou cerca de 9,2% da população mundial em 2022, em comparação com 7,9% em 2019, antes da pandemia. A pandemia levou a África subsaariana à sua primeira recessão em 25 anos. A covid-19 magnificou o tema da alimentação em escala mundial. Países do Golfo sofreram problemas de abastecimento em decorrência do coronavírus e da queda simultânea dos preços do petróleo. Muitos fundos soberanos, como os de Catar e Dubai, se deram conta do óbvio: não se pode comer dólares. Ainda falta “o pão nosso de cada dia” para muitas pessoas.
Em 16 de outubro comemora-se o Dia Mundial do Pão. O pão é um dos alimentos mais antigos, apreciados e consumidos no mundo. E tem faltado. A data foi instituída em 2000, em Nova York, pela União dos Padeiros e Confeiteiros. Eles ancoraram a data no Dia Mundial da Alimentação, instituído pela ONU em 1981, no âmbito da 20ª Conferência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A FAO foi criada em 16 de outubro de 1945, em Quebec, no Canadá. Com sede em Roma, na Itália, a FAO ajudou a enfrentar os desafios alimentares e agrícolas do mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Em seu lema está escrito: Fiat Panis (“Haja pão”). Hoje, a FAO é pouco efetiva, anacrônica e muito questionada, como o conjunto da ONU, sobretudo quanto à eficiência de sua cara e pesada estrutura.
O Brasil não tem problemas de insegurança ou insuficiência de produção de alimentos para atender sua demanda interna, como ocorre com China, Japão, Mongólia, Coreia do Sul, Índia, países árabes e em quase toda a África. O Brasil é exportador, e não importador de alimentos, como havia sido até a década de 1970. A produção agropecuária brasileira atual é muito diversificada e suficiente para alimentar mais de quatro vezes a população nacional. E contribui para a alimentação de mais de 1 bilhão de pessoas no planeta. Durante a pandemia, o agro não parou e seguiu crescendo. O Brasil foi um dos poucos países a aumentar sua exportação de alimentos durante a pandemia, diversificando ao mesmo tempo a sua pauta de exportações.
Ao Brasil não falta disponibilidade de alimentos, com qualidade, diversidade e preços competitivos. Faltam, sim, a muitos brasileiros, condições de acesso financeiro a todos eles, dada a situação econômica na qual se encontram. Esse é um desafio a ser estudado e debatido com argumentos e dados, e não com meras convicções ideológicas. Não pode a mais alta autoridade falar ora em 12 milhões de brasileiros passando fome, logo em 19 milhões, depois em 33 milhões, logo em 24 milhões ou, ainda, como disse a ministra Marina: “No meu país tem 120 milhões de pessoas passando fome”. Um paradoxo: para o IBGE, 55% dos brasileiros têm excesso de peso (IMC igual ou superior a 25) e 20% são obesos.
É difícil saber quantos brasileiros não se alimentam adequadamente por razões econômicas ou sociais. E quais são os efeitos e as necessidades reais, e não para fazer uso político-eleitoral, da distribuição de ajudas financeiras, como no caso do programa Bolsa Família, para combater a fome e a desnutrição.
Um documento do Banco Central demonstrou recentemente: só no mês de agosto de 2024, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às bets via Pix. E 70% deles eram chefes de família. Com o crescimento das apostas esportivas, as bets lucraram até R$ 20 bilhões, enquanto os brasileiros perderam R$ 23 bilhões por ano com apostas, segundo relatório do Itaú BBA.
Boa parte dos recursos dos programas sociais está indo parar na roleta das casas de apostas, e não nos supermercados. E o Banco Central só contabilizou apostas via Pix, e não outros meios de pagamento, como cartões de débito e de crédito e transferência eletrônica direta (TED). Além dos jogos de azar, parte do dinheiro das ditas “políticas sociais e afirmativas” também vai para outros ralos tenebrosos. Quer apostar?
Eis uma nova dimensão a ser considerada na insegurança alimentar: as relações entre as políticas de combate à fome e o crescimento das apostas em jogos de azar. Essa Josué de Castro nunca imaginou. O tema é mesmo complexo. Parte de quem mais deveria economizar despende. Prodigaliza o orçamento familiar em “entretenimentos”. Não há nada sobre jogos de azar e combate à fome em documentos da FAO e do Fida. Quem sabe, em breve alguma ONG ou banco lançará a campanha: “Segunda-feira sem apostas e com pão”.
Sobre o tema, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, comportou-se como um médico sanitarista. Pediu ajuda ao Ministério da Saúde. Para o ministro, o país enfrenta uma pandemia de apostas on-line. Uma questão de saúde pública. Pandemia? Nem bem o Brasil saiu de uma, e já entrou em outra? Sem falar da pandemia de taxação e aumento de impostos. Haja pandemias. Felizmente, para estas últimas existe uma vacina: o voto. E, em matéria de votos, o minoritário mundo rural brasileiro conta e aposta no bom senso da majoritária população urbana, consumidora de alimentos.
Algo simples deve ser repetido e refletido na Semana Mundial do Pão e da Alimentação: fome e insegurança alimentar se combatem com desenvolvimento econômico, geração de empregos e renda. Já dizia o adágio latino: Sine labore non erit panis in ore (“Sem trabalho, não haverá pão em sua boca”). Ou melhor ainda: Sine labore et agricola, panis in ore tuo non erit.
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Segundo o a CONAB, na safra de 2024/2025, a produção de arroz, feijão, trigo e aveia será de 24,8 milhões de toneladas. Isto corresponde a 324 gramas por dia por habitante. Somando carne de boi, frango (70g por dia por habitante), peixe, leite, ovos (quase 1 ovo por dia por habitante), verduras, legumes e frutas (150 g por dia por habitante), tubérculos (mandioca, batata etc) seria mais que suficiente para garantir obesidade para todos.
Sou seu fã Evaristo. Você é um grande estudioso. Sabe tudo do assunto. Hoje são poucos como você na Brasil. Temos que te agradecer.
Quanto conhecimento e clareza na exposição. Já sugeri ao AUGUSTO NUNES, J.R.GUZZO e outros excelentes jornalistas da Revista Oeste, para promover semanalmente entrevistas com celebridades TUCANAS criadoras desse SISTEMA que nos governa, como FHC, ALCKIMIN e outros que fizeram o “L” e se vangloriam de ter “derrotado o bolsonarismo”, para responder o que acham dos fatos narrados nos importantes artigos desta Revista. Seguramente teríamos enorme audiência e quem sabe o arrependimento ou arrogância dessas celebridades com o prejuízo que estão causando ao pais.
A fome que cresceu mais notadamente na covid-19, foi de burocratas ao abocanhar dinheiro público com tantas arbitrariedades impostas.
Este artigo magistral do Dr. Evaristo (sobre alimentação, agro e políticas de combate à fome no Brasil) deveria ser estudado em escolas e universidades. É impressionante como busca-se manter a população brasileira na ignorância, através de narrativas, ajudas, fakenews, “incentivos governamentais”, manipulação do curriculum nas escolas etc. Realmente milhões de brasileiros optaram por jogar dinheiro público na roleta e não na mesa da sua casa, com apoio eleitoreiro do governo atual! O país não é mesmo para principiantes. Parabéns à Revista Oeste e ao Dr. Evaristo por mais esse artigo esclarecedor
Olhe, vou dizer uma coisa, se tem um Caba queu admiro muito nesse mundo historiográfico é esse Evaristo de Miranda, eita peste pa ter conhecimento, se eu fosse Bolsonaro já tinha contratado esse febrento do rato pa trabaiá mais Paulo Guedes em 2026. Que infiliz sabido cachorro da mulesta
Com todo este conhecimento, prof. Evaristo seria uma pessoa a contribuir com nosso país se colocado a frente do ministério da agricultura.
Otimo artigo Prof Evaristo
Uma pena que estamos nas maos de analfabetos inescrupulosos. Tanta coisa boa no nosso Brasil e trmos que patinar ate q sua populaçao aprenda a votar