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Barack Obama, ex-presidente dos EUA, em evento de campanha para a candidata presidencial democrata e vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, na primeira semana de votação antecipada em Detroit, Michigan (22/10/2024) | Foto: Emily Elconin/Reuters
Edição 240

Obama ao resgate

Preocupado com a saída de jovens eleitores negros do Partido Democrata, o ex-presidente colocou o pé na estrada na campanha de Harris

Ana Paula Henkel
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A saída de Joe Biden da corrida à Casa Branca pode até ter trazido algum alívio para os democratas depois de sua terrível performance no debate com Donald Trump em junho deste ano. E, apesar da inicial alegria com a substituição por Kamala Harris, ter jogado Biden debaixo do ônibus pode ter trazido também alguns problemas ao partido. Kamala pode ser pior que Biden em importantes pontos do eleitorado democrata.

Donald Trump e Joe Biden, durante debate em Atlanta, na Geórgia (27/6/2024) | Foto: Reuters/Brian Snyder

Nas eleições presidenciais passadas, os eleitores negros apoiaram esmagadoramente os democratas, mas isso parece estar mudando. Pesquisas eleitorais sugerem que alguns homens negros estão abandonando o Partido Democrata, ao qual os negros estão unidos desde o governo Franklin Roosevelt. 

Kamala Harris está, sem dúvida, a caminho de ganhar a vasta margem de eleitores negros, mas Donald Trump parece estar minando amplamente uma vantagem democrata de longa data. Sua campanha tem contado com publicidade direcionada e eventos esporádicos de divulgação para cortejar eleitores afro-americanos — especialmente homens negros — e tem visto um aumento no apoio. Cerca de 15% dos prováveis eleitores negros disseram que planejavam votar no ex-presidente, de acordo com a nova pesquisa, um aumento de 6 pontos em relação a quatro anos atrás. Esse número pode chegar a 26% do eleitorado nas comunidades negras. No entanto, o maior impacto nessas comunidades vem da própria experiência desse eleitorado com o governo Trump. Em sua administração, Trump dedicou especial atenção a essas comunidades na Reforma Tributária de 2017 com as Opportunity Zones e levou o melhor plano social a milhares de regiões negras nos EUA — oportunidades de empregos e salários estáveis vindos de parcerias significativas e sólidas com o setor privado.

Manifestação pró-Trump em frente ao tribunal criminal de Nova York, durante comparecimento do ex-presidente Donald Trump (4/4/2023) | Foto: Shutterstock

O problema é que o pior inimigo de Kamala Harris não é apenas Donald Trump e seus bons números como presidente, mas a própria Kamala Harris. Mesmo em entrevistas controladas, a democrata nada em um mar de platitudes e não expõe seus planos e ideias para os Estados Unidos. E é entre os eleitores negros que seu partido vê enorme preocupação e o grande alerta — mesmo vendendo a etiqueta de “mulher negra”, ela não consegue igualar os números do presidente Joe Biden em 2020 com o eleitorado afro-americano.

Chamem o ‘Batman’! 

Barack Obama, o único ex-presidente a não deixar Washington após o fim de seu governo, já que ele tem se comportado como um presidente de terceiro mandato nos bastidores do governo Biden-Harris, mostrou na semana passada que está preocupado com a saída de jovens eleitores negros do partido — o que pode significar a ruína dos democratas na próxima eleição — e colocou o pé na estrada na campanha de Harris.

Obama está certo em estar preocupado. De acordo com o Estudo Longitudinal do National Black Voter Project de 2024, um número crescente de jovens eleitores negros está se tornando mais conservador do que seus pais e avós da era dos direitos civis. A pesquisa mostra que a maior porcentagem de conservadores negros, 22,2%, são na verdade aqueles entre 18 e 29 anos. A faixa etária de 30 a 44 anos compõe 18,9%, 45 a 64 anos estão em 10,1%, e os mais velhos, com 65 anos ou mais, chegam a 4,3%.

Barack Obama, ex-presidente dos EUA, em evento de campanha para Kamala Harris, candidata presidencial democrata e vice-presidente dos EUA, em Detroit, no Michigan (22/10/2024) | Foto: Reuters/Emily Elconin

Em uma pesquisa recente do New York Times/Sienna, 15% dos eleitores negros — e 20% dos homens negros — disseram que planejam votar em Donald Trump na eleição presidencial. A pesquisa revelou que 78% dos eleitores negros em todo o país eram a favor de Harris — 12 pontos abaixo do nível que Biden recebeu em 2020, quando derrotou Trump por uma margem estreita na contagem final do colégio eleitoral.

A pesquisa também mostra que grande parte da erosão no apoio a Harris é motivada por uma ideia crescente de que os democratas, que há muito celebram os eleitores negros como a “espinha dorsal” de seu partido, falharam em cumprir suas promessas — 40% dos eleitores afro-americanos com menos de 30 anos disseram que o Partido Republicano tinha mais probabilidade de cumprir seus compromissos de campanha do que os democratas.

Os problemas de Harris com os eleitores afro-americanos repousam na mesma questão que suas lutas com outros eleitores: a economia. Quase 75% dos eleitores negros consideram a economia fraca ou ruim, e o tópico foi classificado como sua preocupação mais urgente. Sete em cada dez eleitores negros disseram que cortaram compras de supermercado por causa do custo de vida dos últimos três anos.

Kamala Harris, vice-presidente e candidata presidencial democrata, embarca no Força Aérea Dois a caminho de Milwaukee, no Aeroporto Internacional do Condado de Oakland, em Waterford Township (21/10/2024) | Foto: Jacquelyn Martin/Pool via Reuters

Harris encontra outra pedra em seu caminho: o despertar de muitos negros. Os afro-americanos têm sido desproporcional e negativamente afetados por décadas pelas políticas democratas — do estado de bem-estar social às escolas públicas fracassadas nas comunidades negras, da alta criminalidade em seus bairros à maior taxa de aborto de qualquer grupo demográfico. Muitos disseram que os políticos se importam com seu voto (e aparecem em igrejas negras, como Harris fez nesta semana) apenas em ano eleitoral e nunca cumprem suas promessas.

Mesmo com Obama na estrada pela campanha de Harris, as coisas não parecem estar tão fáceis para a vida do queridinho da imprensa americana e de Hollywood. Um dos discursos de Barack pode ter feito mais mal do que bem à posição de Kamala Harris entre os eleitores de estados indecisos. Uma análise de mídia social revelou uma reação negativa à sua repreensão ao eleitorado negro e masculino por sua relutância em apoiar a vice-presidente.

Comentários feitos antes do mais recente comício de Harris no crítico estado indeciso da Pensilvânia provocaram uma resposta amplamente negativa. A análise conduzida de 10 a 14 de outubro pela empresa de monitoramento de mídia social Impact Social descobriu que a reação on-line à aparição de Obama foi significativamente negativa, com muitos considerando seus comentários desrespeitosos e paternalistas para com os eleitores negros.

YouTube video

Antes de um evento de campanha em Pittsburgh, Obama falou com um grupo de eleitores negros e questionou a falta de apoio, dizendo: “Ainda não vimos o mesmo tipo de energia e comparecimento em todos os lugares de nossos bairros e comunidades como vimos quando eu estava concorrendo”. E foi além, parecendo sugerir que o sexismo estava por trás da apreensão em apoiar a democrata: “Isso parece ser mais pronunciado com os irmãos [“brothers“, como os negros chamam uns aos outros em suas comunidades].”

A análise de linguagem do Impact Social de 12 mil postagens, compiladas de seu banco de dados de usuários, de 40 mil eleitores de estados indecisos revelou que seus comentários despertaram uma reação significativamente negativa entre os americanos. Com base nas respostas dos eleitores independentes incluídos na análise, muitos “viram o ex-presidente como racista e desrespeitoso” e consideraram isso uma reminiscência do infame comentário de Biden, “você não é negro se não votar em mim”, aos eleitores negros durante a campanha de 2020. “Negros não podem fazer suas próprias escolhas?”, muitos perguntaram no post do ex-presidente. Outros escreveram: “Se Harris pode escolher um marido branco, por que eu não posso escolher um presidente branco?”.

Kamala Harris e o marido, Doug Emhoff, em pronunciamento dedicado ao aniversário de um ano dos ataques do Hamas em Israel, em Washington, D.C. (7/10/2024) | Foto: Reuters/Nathan Howard

Em 2008, muitos eleitores nas comunidades afro-americanas estavam animados para votar em um presidente negro que havia começado sua carreira como organizador comunitário. Mas para milhares desses eleitores o governo Obama foi uma grande decepção. Embora tenha começado com uma promessa de mudança, no final os dois mandatos de Obama no cargo não fizeram diferença na vida dessas comunidades.

Kamala Harris ainda tem uma grande liderança entre os eleitores negros — mas isso pode não ser o suficiente. Seu pior inimigo ainda é a sua presença pífia e sem propostas em entrevistas e nos palcos dos comícios artificialmente animados. A incapacidade de Harris de estabelecer uma liderança e as potenciais rachaduras nos estados com o famoso “Muro Azul” (“Blue Wall States”: Wisconsin, Michigan e Pensilvânia) estão despertando temores em um partido marcado pela derrota de 2016.

Se os republicanos conseguirem solidificar até mesmo uma pequena porcentagem de jovens eleitores negros, eles terão garantido vitórias para si mesmos em todas as cédulas nesta eleição e, possivelmente, em muitas eleições futuras.

Black votes matter.

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