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Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil, cumprimenta Vladimir Putin, presidente russo, durante uma cerimônia de boas-vindas aos participantes da Cúpula do BRICS em Kazan, Rússia (22/10/2024) | Foto: Maxim Shemetov/Pool/Reuters
Edição 240

Quo vadis?

O Brasil está majoritariamente ao lado do Ocidente e dos valores judaico-cristãos, mas sua política externa atual contraria essa expressão nacional

Alexandre Garcia
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Havia um tempo em que a política externa brasileira era conhecida como previsível, pragmática, reflexo dos interesses nacionais, sem ranços ideológicos. Eram outros tempos. Agora mesmo, na reunião do Brics em Kazan, na Rússia, o chefe da delegação brasileira, chanceler Mauro Vieira, expôs uma política externa anti-Israel e a favor do terrorismo do Hamas, do Hezbollah e do Irã, além de denunciar embargos dos Estados Unidos sobre Cuba. Criticou os países que têm visão diferente desse desejo do Brasil de impedir que Israel exerça seu legítimo direito de defesa. Vale dizer: o Brasil quer que Israel, ingenuamente, permita sua própria extinção — objetivo do Irã, agora membro do Brics. Quem escreveu o discurso brasileiro ainda apostou na nossa ignorância, ousando escrever que sobre Gaza foram lançados mais explosivos que sobre Dresden, Hamburgo e Londres na Segunda Guerra.

O ministro das Relações Exteriores também falou em paz na Ucrânia, acompanhando a China. Coerente com o que pensa sobre Israel, essa paz é a da Rússia, com a Ucrânia cedendo território em troca de nada. Só não falam das intenções da China sobre Taiwan, ocupação do Tibete, nem da decisão do Irã de extinguir o Estado de Israel, tampouco das proibições dos talibãs que impedem as mulheres de falar em público e de ir além do 6º ano escolar no Afeganistão. Ninguém lá vai se queixar do regime cubano nem pedir que Maduro aceite o resultado da eleição e entregue o poder na Venezuela. 

Abiy Ahmed, primeiro-ministro etíope, Abdel Fattah al-Sisi, presidente egípcio, Cyril Ramaphosa, presidente sul-africano, Xi Jinping, presidente chinês, Vladimir Putin, presidente russo, Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, Sheikh Mohamed bin Zayed Al Nahyan, presidente dos Emirados Árabes Unidos, Masoud Pezeshkian, presidente iraniano e Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores brasileiro, posam durante foto de família antes de uma sessão plenária da Cúpula BRICS 2024 em Kazan, Rússia (23/10/2024) | Foto: Maxim Shipenkov/Pool via Reuters

Na pauta, sim, substituir o dólar como moeda internacional de troca e criar alternativa para o Acordo de Bretton Woods, no qual a maioria das nações do mundo criou o Banco de Reconstrução e Desenvolvimento, também chamado Banco Mundial; o Fundo Monetário Internacional (FMI), para socorrer as economias dos países signatários e exigir sanidade nas contas públicas; e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), para regular o comércio internacional. Sugerem os anti-Ocidente outros rumos, sob a condução da China e com financiamento do banco comandado por Dilma, lá sediado. Ela sugeriu que os financiamentos sejam feitos em moeda local, mas não mencionou como. Enquanto isso, o Irã deseja impor o islamismo ao mundo, e já trata disso em relação à Europa. 

O chanceler Mauro Vieira havia expressado a decisão brasileira de estabelecer critérios para adesões. Não se falou, é claro, em critérios de liberdade, livre-iniciativa, direito a propriedade, direitos humanos e democracia.

E o que se sabe é que o Brasil conseguiu que não fossem incluídos na lista de aderentes Nicarágua e Venezuela. Avisaram os russos, mas não a Maduro, que lá chegou como penetra, mas teve o consolo de Putin, que o chamou de aliado fiel e o sagrou como “vencedor justo” na eleição venezuelana. O acidente doméstico do presidente Lula o livrou de estar em Kazan ao lado de aiatolás e talibãs, além de dirigentes autoritários, no Brics ampliado a 36 figurantes, para fustigar os Estados Unidos.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, se reúne com Vladimir Putin, presidente da Rússia, na cúpula do BRICS em Kazan, Rússia (23/10/2024) | Foto: Alexander Nemenov/Pool via Reuters

Mas o Brasil de Lula participa de tudo isso. A política externa de um país é o prolongamento da vontade nacional. E a vontade nacional brasileira não é nada disso. Se olharmos a expressão disso no voto, podemos dizer que o país está dividido pela metade, a valer a eleição de dois anos atrás; mas está majoritariamente ao lado do Ocidente e dos valores judaico-cristãos, na eleição mais recente. E a política externa brasileira atual contraria essa expressão nacional. Além disso, a Constituição, no artigo 4º, diz que nossas relações internacionais devem ser regidas pelo princípio, entre outros, do “repúdio ao terrorismo e ao racismo”. Nossa posição em relação a Israel fere esse princípio.

O Brasil era conhecido por cautelosa posição de equilíbrio em sua política externa. Pragmatismo sem ideologia. Agora parece que estamos com ideologia estranha às nossas raízes. Brasileiros deram o sangue numa guerra contra ditadores, e agora somos associados a objetivos de ditadores. Milei percebeu a vaga no protagonismo ocidental e instruiu todo o seu corpo diplomático a não apoiar, no planeta, nenhum projeto, documento, resolução ou declaração que contrarie os valores fundamentais da vida, da liberdade e da propriedade. Nada que desestimule o crescimento e a renda, no espírito da Declaração dos Direitos do Homem, que é base da ONU e que o Brics quer reformar. Para onde vais, ó, Brasil? Quo vadis?

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