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Ronaldo Caiado recebe visita do então presidente Jair Bolsonaro (3/6/2019) | Foto: Cristiano Borges/Flickr Ronaldo Caiado
Edição 241

A briga errada

Só candidatos a porta-voz da tribo dos rancorosos estimulam o duelo entre Bolsonaro e Caiado

Augusto Nunes
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Fosse qual fosse a eleição, não faz tanto tempo assim que a apuração dos votos encerrava o embate. A regra, que abrangia todas as disputas, era respeitada por candidatos a quaisquer cargos — vereador, prefeito, governador, deputado, senador ou presidente da República. Anunciado o resultado, os derrotados iam pescar em companhia de cabos eleitorais graduados. Durante dez dias, do começo da manhã ao fim da tarde, lidavam em silêncio com varas, anzóis, iscas e peixes. Só à noite conversavam em voz baixa sobre a campanha, já em busca de caminhos que garantissem a desforra na próxima. Os vencedores se esbaldavam no comício da vitória, prolongavam a celebração madrugando nos bares por uma semana, não perdiam tempo com provocações aos adversários. Estavam alegres demais para retomar o duelo.

Foi assim até o nascimento, em 1980, do Partido dos Trabalhadores. Meia dúzia de eleições bastaram para ficar claro que o PT não sabia perder. O dia da posse nem chegara ao fim e a “militância” já exigia nas ruas que o inimigo vitorioso caísse fora do cargo que acabara de assumir. Quando o partido começou a vencer eleições, descobriu-se que surgira no Brasil a única torcida do mundo que, além de não saber perder, também não sabia ganhar. Em vez de comemorar o próprio triunfo, o petista-padrão prefere celebrar o insucesso dos outros. Em vez de sorrir, arma a carranca para perseguir nas ruas ou na internet os que ousaram contrariar a vontade do chefão da seita. Algum defeito de fabricação proíbe a companheirada de ser feliz. Se o ressentimento predomina até no comício da vitória, pode-se imaginar como anda o clima entre sacerdotes e devotos da seita que tem num ex-presidiário seu único deus.

Lula, no Palácio da Alvorada
Presidente Lula (no centro) durante reunião com o assessor especial Celso Amorim (à direita) e o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (à esquerda), no Palácio da Alvorada, em Brasília (21/10/2024) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Os fatos berram que, nas eleições municipais deste ano, o desempenho do PT foi coisa de partido nanico. Como resumiu o ministro Alexandre Padilha, o time da estrela vermelha continua na zona de rebaixamento (constatação que lhe valeu a imediata transferência para o gueto dos traidores). Mais esperto, o ministro Paulo Pimenta fingiu não ter visto naufrágios ocorridos a um palmo do nariz. Não deu um pio sobre o fiasco em Santa Maria, onde nasceu, nem comentou a performance indigente da deputada Maria do Rosário em Porto Alegre. Muito mais relevante teria sido “a derrota sofrida por mais de 20 golpistas presos em 8 de janeiro de 2023 que se candidataram neste ano”. O ex-interventor para enchentes e inundações em território gaúcho não revelou os nomes dos candidatos, as cidades em que concorreram nem os cargos que disputaram.

Como informa a capa desta edição, a cara do Brasil foi redesenhada pelo esmagador predomínio das vertentes que compõem a direita. Até a véspera da votação, o jornalismo estatizado a serviço do consórcio no poder não conseguia enxergar matizes: só existia a extrema direita, composta por todos os que se negam a votar em Lula. Confrontados com as dimensões siderais da surra imposta a candidatos esquerdistas, a imprensa velha ressuscitou duas vertentes banidas do noticiário — “centro-direita” e “direita” — para que dividissem a vitória com os extremistas subordinados a Jair Bolsonaro. Único político nativo aplaudido por multidões em todos os lugares que visita, o ex-presidente está proibido pelo Supremo Tribunal Federal de vencer eleições. Além do mais, miaram as primeiras páginas, “a direita está rachada”.

A agenda de visitas de Bolsonaro inclui compromissos estratégicos em diferentes Estados | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Bolsonaro é o maior líder popular do país e candidato natural à Presidência da República, mas o STF confiscou arbitrariamente seus direitos políticos | Foto: Reprodução/Agência Brasil

Nunca foi tão claro o recado emitido pela apuração dos votos: a imensa maioria dos brasileiros é conservadora nos costumes, liberal no campo da política e em questões econômicas, apoia a democracia genuína, ama a liberdade, despreza corruptos de fina estampa, rejeita o governo Lula e as ideias de uma esquerda jurássica, reprova o comportamento do Supremo Tribunal Federal, clama pela volta do país à normalidade e espera que os eleitos saibam respeitar a vontade dos eleitores. Nunca foi tão fácil fazer a escolha certa na encruzilhada. Os integrantes da oposição precisam superar divergências secundárias para juntar-se na luta pelo resgate da Constituição e pela decretação da anistia que resultará na libertação dos presos políticos, no regresso dos exilados e na remoção de outros tumores produzidos pela ditadura do Judiciário.

Essa é a briga certa. Errada é a troca de pancadas retóricas entre Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado. Bolsonaro é o maior líder popular do país e candidato natural à Presidência da República. Mas o STF confiscou arbitrariamente seus direitos políticos, e é possível que a obscenidade jurídica esteja em vigor quando começar a campanha eleitoral de 2026. O PT foi reduzido ao lulismo — e populistas ególatras como o atual presidente não admitem a existência de possíveis opções, nem permitem a ascensão de alguém capaz de substituí-los. Em 1989, Caiado foi o único declaradamente direitista na extensa lista de inscritos na primeira disputa pela Presidência ocorrida com o fim do regime militar. Bolsonaro foi o primeiro político de direita a alcançar o Palácio do Planalto. Neste fim de outubro, o ex-presidente mostrou que é o mais musculoso dos políticos brasileiros. A vitória do candidato a prefeito da capital apoiado por Caiado mostrou que o eleitorado gosta do que fez no governo de Goiás.

Ronaldo Caiado, Governador de Goiás, cumprimenta Jair Bolsonaro, em Anápolis, GO (31/7/2019) | Foto: Alan Santos/PR

Até recentemente, apresentar-se como direitista era um ato de coragem, demonstração de bravura, ousadia perigosa ou coisa parecida. Bolsonaro e Caiado ajudaram a transformar em trunfo o que parecia condenação ao fracasso. Sim, há diferenças entre ambos, mas nenhuma delas parece incontornável. Neste momento, essa espécie de confronto só interessa aos comentaristas da GloboNews, ansiosos por pretextos que justifiquem a inclusão na tela da tarja que mais apreciam: “RACHA NA DIREITA”. Toda briga entre os vencedores de 2024 é errada. Só faz sentido para candidatos a porta-voz da tribo dos rancorosos. “Acordos existem para unir grupos distintos em torno de princípios”, ensinou Tancredo Neves. “Negociar um bom acordo é mais complicado que organizar uma campanha eleitoral. Mas garante a vitória.”

No mundo inteiro, partidos buscam eleitores. No Brasil, milhões de eleitores buscam um partido de direita que ainda não há. É hora de juntar na mesma sigla Bolsonaro, Caiado e outros líderes hoje filiados ao PL ou espalhados por um punhado de legendas. Mesmo alojados em diferentes alas e facções, não seria difícil agrupá-los num acordo amparado nas cláusulas pétreas e principais diretrizes da sigla. Em São Paulo, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) reelegeu-se com o apoio do PL de Bolsonaro, do Republicanos do governador Tarcísio de Freitas e de outros partidos que controlam ministérios do governo Lula. Em Goiânia, dois direitistas disputaram o segundo turno. Não teria sido difícil começar a campanha eleitoral com ambos no mesmo palanque. Ao lado de Bolsonaro e Caiado. Faltou conversa. Sobraram intrigas. Fosse quem fosse o vencedor, soube-se desde sempre que o perdedor seria o Brasil que pensa e presta.

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14 comentários
  1. Valdez
    Valdez

    Desculpeos erros de digitação. O de se lê CPadócia, leia-se Caiado. Trocar nais por mais etc.

  2. Valdez
    Valdez

    Desculpeos erros de digitação. O de se lê CPadócia, leia-se Caiado. Trocar nais por mais etc.

  3. Valdez
    Valdez

    Prezado Nunes, fico feliz quando meus pontos de vista coincidem com os seus. Meu respeito pelo seu trabalho não é ã toa: jornalismo pautados conhecimento, na verdade, é na isenção. Espero que o Bolsonaro e o Capadócia leiam nais essa matéria escrita por você. Quem sabe, isso não vai ajudar não só aos dois – mas a toda os lados da direita, a entenderem como a banda política toca.

  4. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Esses rachas só existem devido ao oportunismo latente que rege nossos políticos. Se houvesse um mínimo de ética, honestidade e busca coesa pelo bem comum, eles não existiriam.
    Porém, falta o famoso senso comum pela busca do bem, aliás muito disfarçado pelos interesses escusos de muitos.

  5. Reginaldo Corteletti
    Reginaldo Corteletti

    A temperança é a melhor característica para um político ampliar o alcance de eleitores que pensam diferente dele. Como alguém já disse séculos atrás, “discordo do que tu dizes, mas defenderei ate a morte o direito de dizeres”; o que os esquerdopatas tem ojeriza.

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Concordo que não é hora de dividir a direita, mas Caiado deveria entender o que Bolsonaro propôs para candidato a prefeitura de Goiânia. Se houvesse esse acordo possivelmente Bolsonaro, se inelegível, indicaria Caiado para a presidência em 2026. Mas, Caiado preferiu seu coleguinha Mabel do agronegócio. Foi com muita sede ao pote. Pessoalmente até gostava de Caiado pelas pauladas que dava no Senado na petezada, entretanto parece que se acha melhor que Zema, Ratinho ou até Tarcísio. Agora, quem dividiu a direita foi aquele pilantra sem noção Pablo Marçal, que levou toda galera de youtubers que se diziam bolsonaristas e tarcisistas, a apoia-lo. Esse sim um sujeito sinistro que se diz da DIREITA.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Concordo. Esta briga só interessa a esquerda.

  8. Dario Palhares
    Dario Palhares

    Caiado é um rorizão da vida. Despótico. Fique no Goiás. Mas nem tente ludibriar o Capitão. Melhor brigar desde já, assim o apoio a Zema fica mais livre.

  9. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    Perfeita essa sua análise. Só faltava briga também na direita. Temos que ter um lugar de respiro, seja no Brasil, seja no mundo.

  10. Jorge Guimaraes Caldeira Filho
    Jorge Guimaraes Caldeira Filho

    Sempre achei que a “lealdade” de Caiado a Bolsonaro tem que ser escrita entre aspas.

  11. FERNANDO
    FERNANDO

    Discussões e discordâncias são normais, mas na hora “H”, a união é primordial.

  12. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Na rede globo quem não for viado ou sapatão não entra, pré requisito, no PT quem não for ladrão ou outros adjetivos antiético não entra

  13. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Divergências em qualquer atividade humana é saudável e necessária, mas tenho que considerar o que deve e o que não deve ser público.

  14. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Correto. Desentendimentos entre os conservadores não convém. O inimigo está do outro lado, circula entre os corruptos, os entreguistas, os que procuram segmentar a sociedade, os adeptos do “nós contra eles”, no caso sendo que, na verdade, os “nós” são eles, e os “outros” somos nós, o povo. Nós estamos nos conscientizando, entendendo a coisa nociva que é a esquerda brasileira e sul-americana, incluindo o Caribe. Não vamos esmorecer. O bom povo brasileiro, defensor da família, da Pátria, está acordando.

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