“Eu não tinha ideia de que de repente havia
me tornado algum tipo de evento nacional.”
(Orson Welles)
Na noite de 30 de outubro de 1938, George Orson Welles, com apenas 23 anos, alcançou a infâmia com sua transmissão via rádio do thriller de ficção científica A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds), de Herbert George Wells. A história — que foi serializada no final da década de 1890, antes da publicação como um romance — descrevia, em primeira pessoa, a ocupação da Terra por brutais invasores marcianos. Segundo o relato dos jornais da época, a narração foi tão realista que colocou a população dos Estados Unidos em pânico.
Apesar dos sobrenomes semelhantes, Wells e Welles não compartilham nenhum parentesco. Orson Welles era considerado por muitos um prodígio, e este era seu projeto mais ambicioso até então: uma atualização de A Guerra dos Mundos. Seu plano era dar vida à história de H. G. Wells, ambientando-a para dias modernos, criando uma sensação de urgência e medo. Ele mudou o local da Inglaterra para Nova Jersey e roteirizou a história em forma de série, com boletins de notícias realistas em que relata uma invasão alienígena vinda de Marte. Na narração, tudo parecia acontecer em tempo real e, assim, a confusão entre ficção e realidade foi criada.
Naquela época a rádio era o principal canal de notícias diárias da maioria dos americanos. Logo, as circunstâncias forneceram o cenário perfeito para a produção.
Pouco antes do Halloween, às 20 horas, horário local, a transmissão começou com o próprio Welles apresentando o drama e esclarecendo que era uma obra de ficção. Mas alguns ouvintes perderam a introdução, enquanto outros não registraram esse aviso inicial ou simplesmente esqueceram conforme a narração avançava.
O storytelling de Welles começou com o relato de uma queda de “meteoro” que acabou se revelando um ataque de marcianos com armamento de raios de calor. A partir daí, ouviu-se o seguinte:
“Meu Deus, algo está se contorcendo para fora da sombra como uma cobra cinza. Agora aqui está outra, e outra, e outra. Eles parecem tentáculos para mim… Eu posso ver o corpo da coisa agora. É grande, grande como um urso. Ele brilha como couro molhado. Mas aquele rosto, ele… ele… senhoras e senhores, é indescritível. Eu mal consigo me forçar a continuar olhando para ele, é tão horrível. Os olhos são pretos e brilham como uma serpente. A boca é meio em forma de ‘V’ com saliva escorrendo de seus lábios sem bordas que parecem tremer e pulsar.”
O que se seguiu foi um programa musical interrompido por uma série de boletins de notícias cada vez mais frenéticos. Atores interpretavam repórteres e funcionários do governo, e descreviam sem fôlego a chegada dos invasores alienígenas. Efeitos sonoros assustadores davam o tom realista dos raios de calor mortais dos alienígenas — cidades inteiras foram destruídas. A sonoplastia era convincente e aterrorizava os ouvintes.
O diálogo espontâneo e o estilo documental fizeram com que muitos confundissem com uma transmissão de notícias reais. Mais tarde, jornais relataram que ouvintes acreditaram que o fim do mundo era iminente. Alguns se esconderam ou tentaram fugir para um lugar seguro, enquanto outros reuniram armas e se prepararam para se defender dos alienígenas.
Logo, a polícia apareceu no estúdio da CBS onde o drama estava sendo encenado, e uma briga começou entre os policiais e executivos da rádio, que estavam desesperadamente tentando impedi-los de invadir e interromper o show.
Welles, que estava no meio da transmissão, só percebeu o efeito “porque mais ou menos na metade do show, enquanto continuávamos com o roteiro na nossa frente, vimos que na sala de controle havia muitos policiais, e mais a cada momento. Eu não tinha ideia de que de repente havia me tornado algum tipo de evento nacional”.
Depois que a encenação saiu do ar, Walter Winchell, de uma rede concorrente, foi ao seu programa de comentários e disse: “Senhoras e senhores, não há motivos para alarme. A América não caiu. Repito, a América não caiu”.
No dia seguinte, 31 de outubro, o New York Times relatou que milhares de pessoas “ligaram para a polícia, jornais e estações de rádio aqui e em outras cidades dos Estados Unidos e Canadá em busca de conselhos sobre medidas de proteção contra os ataques”. As linhas telefônicas ficaram congestionadas. Esse fluxo de ligações pode ter convencido muitos jornalistas de que o programa estava causando pânico em todo o país.
Welles e sua equipe enfrentaram uma intensa reação da imprensa e do governo. A transmissão dominou as manchetes dos jornais do dia seguinte. Muitos jornalistas extrapolaram os relatos e ampliaram o alcance da histeria causada. Isso reforçou a impressão de que o show de Welles havia criado pânico na população. Manchetes nos principais jornais do país relataram: “Ataque de Marte em peça de rádio deixa milhares de pessoas com medo”; “Ouvintes de rádio, em pânico, tomam drama de guerra como fato”; e “Falsificação de rádio assusta a nação”.
Pedidos de censura, ameaças de processo e discussões sobre a regulamentação do conteúdo das rádios começaram a aparecer. A CBS convocou às pressas uma coletiva de imprensa, na qual Welles negou repetidamente que tivesse a intenção de enganar alguém. Por fim, a Comissão Federal de Comunicações investigou o incidente e descobriu que nenhuma lei havia sido violada, mas executivos da rádio tiveram que concordar que seriam mais cautelosos com a programação futura.
Nos dias que se seguiram, a transmissão de A Guerra dos Mundos entraria para a história da cultura pop. O escândalo ajudou a impulsionar a reputação de Welles como um gênio criativo e mestre em contar histórias. Isso o levaria a Hollywood, onde escreveria, produziria, dirigiria e estrelaria seu primeiro longa-metragem, Cidadão Kane, de 1941, considerado o melhor filme de todos os tempos.
Houve muito debate sobre o exagero da imprensa ao relatar o pânico causado na população. Mas, independentemente disso, continua sendo um momento marcante na história da transmissão e um atestado do poder da narrativa para capturar a imaginação da audiência.
Daniela Giorno é diretora de arte de Oeste e, a cada edição, seleciona uma imagem relevante na semana. São fotografias esteticamente interessantes, clássicas ou que simplesmente merecem ser vistas, revistas ou conhecidas.
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Que bela sacada a sua de registrar esse evento hilário e histórico. Que gênio! Que poder tem a imaginação!