Na última década, as universidades colocaram “avisos de gatilho” em tudo, de livros infantis até áreas inteiras do Direito. Elas advertiram estudantes de arqueologia sobre ossos, estudantes de teologia sobre a crucificação e estudantes de ciências forenses sobre cadáveres. Em 2022, foi relatado que mais de mil obras nas listas de leitura das universidades — incluindo clássicos de Jane Austen, Charles Dickens e William Shakespeare — advertiam os alunos a respeito de tudo, de racismo e sexismo a assassinato e suicídio. Agora, Os Contos da Cantuária pode ser adicionado a essa lista da infâmia.
Recentemente, o jornal Mail on Sunday noticiou que a Universidade de Nottingham, na Inglaterra, está alertando os alunos de que o poema épico de Geoffrey Chaucer contém “expressões de fé cristã”. Os Contos da Cantuária — como qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de literatura sabe — acompanha um grupo de peregrinos que se divertem contando histórias durante o trajeto até o santuário de São Thomas Becket, na Catedral de Canterbury. Em outras palavras, a dica de que se trata de uma “expressão da fé cristã” está logo no título. Os professores de literatura inglesa de Nottingham devem achar que os alunos são idiotas.
Como é que nossas instituições, outrora eruditas, acabaram em uma situação tão ridícula? Os avisos de gatilho explodiram nos campi americanos há uma década, antes de atravessarem rapidamente o Atlântico. A ideia por trás deles, argumentavam os proponentes, era oferecer aos alunos um alerta sobre conteúdos que possam causar incômodo. Quem sofreu agressão sexual, abuso ou alguma violência poderia então se proteger de flashbacks “traumáticos” saindo da sala ou fazendo uso de estratégias de enfrentamento. Dessa forma, os avisos de gatilho passaram a ser vistos como compreensivos. E, se um pouco de compaixão faz bem, como dizem, mais é claramente melhor. Os avisos sobre todo elemento negativo da existência humana logo passaram a ser espalhados livremente em listas de leitura e ementas de curso. Aliás, até mesmo a palavra “gatilho” foi removida do que se tornou “aviso de conteúdo” por medo de causar incômodo aos alunos que tivessem sofrido violência armada.
Enquanto isso, um número cada vez maior de psicólogos questiona o uso desses avisos. Alguns argumentam que eles simplesmente não funcionam e que as vítimas de violência têm muito mais probabilidade de sofrer flashbacks em decorrência de uma cor ou um cheiro aleatórios do que ao ler um texto acadêmico. Outros foram além e argumentaram que os avisos “podem exacerbar as reações negativas ou promover comportamentos de evitação”.
Os debates sobre a eficácia dos alertas de gatilho levam em conta que seu objetivo é proteger estudantes traumatizados. Eles não percebem que há muito tempo seu uso se transformou em algo completamente diferente. Aqueles que colocam esses avisos hoje provavelmente veem todos os estudantes como pessoas vulneráveis que precisam de proteção — não tanto de descrições de violência, mas principalmente de conteúdo politicamente duvidoso. O alerta que a Universidade de Nottingham anexou ao livro Os Contos da Cantuária ilustra perfeitamente essa tendência.
Se os professores se sentirem obrigados a alertar os alunos que sofreram traumas, não faltam cenas violentas na obra de Chaucer. Temos, no “Conto do vendedor de indulgências”, a busca sombria pela morte, que leva a um assassinato por esfaqueamento e dois por envenenamento. “Conto do monge” vai além. Ele fala de canibalismo, envenenamento, enforcamento, decapitação, suicídio e crianças morrendo de fome. No “Conto da mulher de Bath”, a mulher — que foi agredida na cabeça por um ex-marido até perder a audição em um dos ouvidos — fala de uma jovem “moça” que foi estuprada por um “jovem luxurioso” da corte do rei Arthur. Enquanto isso, a jovem em “Conto do erudito” é forçada a obedecer ao marido, mesmo quando ele a convence de que mandou executar seus filhos. Sem contar a prioresa que conta uma história de difamação de sangue. Ela conta para os companheiros a história de um menino que vagava por um gueto judeu, cantando inocentemente cantos de louvor à Virgem Maria, quando teve a garganta cortada, as entranhas removidas e o corpo jogado no esgoto. Ele reaparece diante da mãe enlutada como um fantasma.
Nenhum desses atos foi considerado digno de um aviso de gatilho pelos professores de Nottingham. E, que fique claro, isso é bom. Os detalhes macabros são uma grande parte da razão pela qual Chaucer continua fascinando os leitores até hoje. O “Conto do vendedor de indulgências” é engraçado, não horrível. A esposa do “Conto da mulher de Bath” é corajosa, não uma vítima. Esse elenco de personagens reflete a vida na Idade Média, mas também fala de um eterno apetite humano por histórias que nos choquem, horrorizem e entretenham. O fato de estupro, abuso infantil, crime com faca ou antissemitismo não terem sido sinalizados, enquanto os alunos foram advertidos sobre “expressões do cristianismo”, expõe o verdadeiro propósito que está por trás dos avisos de gatilho.
Ao destacar o cristianismo como suposto problema, os professores de Nottingham estão sinalizando para os alunos que a obra de Chaucer é uma relíquia de um passado não iluminado — fruto de uma época em que a diversidade, a igualdade e a inclusão não figuravam. Os Contos da Cantuária pode trazer algumas mulheres fortes, mas todas são brancas. E, pior, são todas cristãs. Não há muçulmanos, nem negros, nem transgêneros. Apenas ingleses velhos e cristãos. Que horror! O aviso de gatilho serve como um grande alerta vermelho para os estudantes de literatura e diz a eles para não apreciar os contos de Chaucer. Eles não podem rir da grosseria nem fazer careta diante dos assassinatos. Devem prender a respiração e ler a obra apenas para considerar as “expressões do cristianismo” problemáticas.
Os alertas de gatilho sempre foram uma péssima ideia. Eles infantilizam os estudantes e funcionam como um precursor da censura. Mas seu uso atualmente revela a politização do ensino superior e a expectativa de que os alunos pratiquem não a crítica acadêmica, mas a conformidade moral. Está na hora de extingui-los de uma vez por todas.
Joanna Williams é colunista da Spiked e autora de How Woke Won. Ela é pesquisadora visitante do Mathias Corvinus Collegium (MCC), de Budapeste.
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