“A questão é que não há nada que o indivíduo possa
fazer que coloque a máquina da inflação para funcionar.
Isso quem faz é o governo. O governo gera a inflação.”
(Ludwig von Mises, Sobre Dinheiro e Inflação, p. 94)
A maioria dos dicionários e textos de economia define inflação como o “aumento generalizado e persistente de preços”. Mas, como explica Manuel Rojas no seu excelente livro Inflação Como Delito, o sentido original — e verdadeiro — de inflação é o aumento da quantidade de dinheiro em circulação. O aumento de preços é uma consequência do aumento da quantidade de dinheiro. A confusão entre causa e consequência, diz Rojas, não é acidental. A confusão beneficia o responsável pela inflação: o Estado.
O Estado é o culpado pela inflação porque ele cria — ou “imprime” — dinheiro para pagar por seus gastos. Só o Estado tem o poder de criar dinheiro.
A maioria dos governos do mundo abusa desse poder. Por isso, a maioria dos países sofre com a desvalorização da moeda e o consequente aumento de preços. É fácil constatar isso: basta comparar a quantidade de comida que se comprava há dez anos com uma nota de US$ 10 (ou francos, ou marcos) com o que se compra hoje com a mesma nota. O Brasil, claro, é um caso extremo: a inflação sem controle já obrigou o país a mudar de moeda nove vezes (o brasileiro já usou réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real e real). A moeda brasileira mais recente, o real, já perdeu aproximadamente 86% do seu poder de compra desde o lançamento.
A criação excessiva e abusiva de dinheiro é um imposto invisível que transfere renda do cidadão para o Estado. Quando o Estado cria dinheiro em excesso, ele desvaloriza a moeda e, como consequência, desvaloriza os salários e a poupança das pessoas. Os investimentos dos cidadãos evaporam. Enquanto isso, o Estado usa o dinheiro que ele mesmo criou para pagar por seus gastos irresponsáveis.
Vejam a ironia: o Estado de bem-estar social — o conjunto de “benefícios” oferecidos pela maioria das democracias ocidentais aos seus cidadãos, como aposentadoria, seguro-desemprego, assistência médica, subsídios e bolsa-isso ou aquilo — é, frequentemente, financiado com a emissão excessiva de dinheiro. Isso desvaloriza a moeda, gera aumento de preços, reduz investimentos e produz desemprego.
Como diz o economista Ludwig von Mises, em sua obra Sobre Dinheiro e Inflação (p. 41):
“Tudo o que o governo faz contra o poder de compra da moeda, ele faz […] contra as classes média e trabalhadora da população. Só [que] essas pessoas não sabem disso. E esta é a tragédia. A tragédia é que os sindicatos e todas essas pessoas estão apoiando uma política que faz suas economias perderem todo o valor.”
Os “benefícios sociais” também podem ser financiados com empréstimos que o governo pega com bancos, empresas ou com o próprio cidadão. Algo em torno de 80% da poupança dos brasileiros está financiando os gastos do governo brasileiro, por meio de investimentos em títulos do tesouro. Os fundos de investimento em que o trabalhador colocou suas economias, e até o fundo de pensão do qual muitos dependem para a aposentadoria, compram títulos do governo.
É um círculo vicioso cuja natureza não é aparente: o Estado deixa o cidadão dependente de uma ajuda estatal pela qual ele mesmo — o cidadão — paga.
O dinheiro não é uma “invenção” do Estado. O dinheiro foi criado pela sociedade, como resposta às necessidades do comércio. Aos poucos, o Estado tomou o controle do dinheiro. Hoje, a emissão de moeda é monopólio dos governos, mas não precisava — e não deveria — ser assim.
Como surgiu o dinheiro?
Imagine que eu sou um agricultor que planta milho. Você é um caçador. Quando quero comer carne, preciso trocar 50 espigas de milho por 1 quilo da carne que você caçou. Mas nem sempre meu desejo de comer carne coincide com seu desejo de comer milho. Muitas vezes você guarda o milho que recebeu de mim e depois o troca por outra coisa de que necessite — por exemplo, roupas.
No início, o comércio era feito assim, através de várias trocas de um produto por outro. Muitos desses produtos eram perecíveis e estragavam. Com o tempo, desenvolveu-se o costume de fazer essas trocas usando coisas duráveis, que pudessem ser armazenadas com tranquilidade para, mais tarde, serem trocadas por outra coisa.
Diversos materiais foram usados com essa finalidade. Entre eles, conchas, trigo e sal. O estado americano da Virgínia usou tabaco. O tempo mostrou que os materiais que melhor cumpriam essa finalidade eram os metais preciosos, por duas razões principais. Primeiro, eles eram relativamente raros, o que impedia que alguém colocasse as mãos, de repente, em uma enorme quantidade deles. Sua segunda qualidade importante era a durabilidade. O ouro não enferruja e dura para sempre.
Foi assim que os povos passaram a usar ouro e prata para pagar por suas compras e receber por suas vendas. Para facilidade de transporte e manuseio, os metais preciosos eram transformados em barras ou moedas. Nesse momento aconteceu uma mudança de grande impacto: os reis, imperadores e chefes de Estado passaram a reivindicar para si o monopólio da produção dessas moedas — o monopólio da cunhagem.
A razão alegada para esse monopólio era a necessidade de garantir que uma moeda tivesse a quantidade certa de ouro ou prata e que ninguém fosse roubado. A verdade é que, além do monopólio da cunhagem de moedas ter dado ao Estado um enorme poder, o governo cobrava uma taxa por isso. Você tem ouro? Traga seu metal para a fundição do Imperador e ele será transformado em moedas com peso certo, certificadas com o selo imperial. Claro que um pouquinho do seu ouro será retido como pagamento pelo serviço.
O controle governamental da cunhagem tinha outro aspecto mais traiçoeiro, que só aos poucos foi se revelando. Além de controlar o peso das moedas, o governo também controlava a quantidade de ouro que era realmente usada. Não demorou muito para reis e imperadores perceberem que poderiam misturar outros metais ao ouro e, assim, enganar o povo. Foi assim que uma moeda romana de um denari, que deveria ter apenas ouro puro, passou, aos poucos, a ter apenas 80% do metal.
A máquina de imprimir dinheiro
Outra evolução aconteceu: em determinado momento, por razões de segurança e comodidade, as pessoas passaram a confiar suas moedas de ouro e prata à guarda de certas entidades, que viriam a se tornar o que hoje conhecemos como bancos. Ao entregarem moedas para guarda, os clientes recebiam recibos, equivalentes a certa quantidade de ouro. Com o tempo, as pessoas passaram a usar esses recibos como forma de pagamento. Essa é a origem do papel-moeda, o dinheiro que usamos hoje em dia.
Aos poucos, o Estado moderno foi tomando dos bancos esse papel de guarda do ouro, e estabeleceu-se o monopólio estatal sobre o dinheiro, que hoje só pode ser emitido pelos governos. Mesmo assim, durante muito tempo o dinheiro em papel ainda representava, efetivamente, uma quantidade de ouro correspondente guardada nos cofres do Estado, pronta para ser recuperada pelo portador da cédula, a qualquer momento. Aos poucos, entretanto, os governos perceberam que, se abandonassem essa ideia de manter um lastro em ouro, poderiam imprimir dinheiro à vontade e usá-lo para pagar as despesas do próprio governo.
Quem não quer uma máquina de imprimir dinheiro? Quem, tendo uma máquina dessas, não a usaria à vontade? Foi isso que todos os países começaram a fazer, mais ou menos a partir da Primeira Guerra Mundial. Mas, quando um governo imprime dinheiro à vontade, de forma descontrolada, uma coisa ruim acontece: o dinheiro perde valor.
Como explica Ludwig von Mises (p. 41):
“O problema é que a quantidade de dinheiro disponível que temos na maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, está sempre crescendo. E o resultado disso é que os preços dos produtos e serviços estão aumentando e as pessoas estão pedindo salários mais altos. E o governo diz que é ‘uma pressão inflacionária’. Eu vejo essa expressão centenas de vezes todos os dias nos jornais, mas não sei o que é ‘pressão inflacionária’. Isso não existe. Nada é inflacionário a não ser a injeção de dinheiro na economia.”
Explicando de uma forma simples: se a quantidade de dinheiro em circulação aumenta, sem que tenha ocorrido um correspondente aumento na produção de bens e serviços, o dinheiro se desvaloriza, levando ao aumento dos preços.
O que é inflação?
É lógico que o cidadão comum não entende o que está acontecendo, porque não conhece a relação entre a impressão excessiva de dinheiro e o aumento dos preços. Tudo o que ele percebe é que as coisas estão custando cada vez mais caro. A reação natural é pedir ajuda ao Estado, que sempre se dispõe a ajudar com prazer adotando remédios que não funcionam ou que até pioram a situação, como o congelamento de preços e leis de controle de aluguéis.
Na verdade, o governo conhece muito bem a razão da subida dos preços, porque é ele mesmo que está imprimindo dinheiro em excesso. Todos os governos sabem disso. Todos os governos fazem isso. Mas, para o público em geral, esse segredo continua sendo bem guardado.
Agora fica fácil compreender o que é inflação. Inflação não é o aumento de preços. Inflação é a emissão descontrolada de dinheiro. A subida dos preços é apenas uma de suas consequências.
O aumento dos preços, por si só, não constitui inflação. Há inúmeros fatores que fazem com que preços flutuem. Hoje eles sobem, amanhã eles descem. O preço do barril de petróleo frequentemente ultrapassa US$ 100, depois cai, depois sobe de novo. Em um certo período da pandemia, por exemplo, o preço do barril chegou a ficar negativo.
Preço é resultado de um equilíbrio entre oferta e demanda. Quando essas forças variam, o preço varia. Isso é normal. O aumento do preço do feijão por causa de uma safra ruim não é inflação. É apenas o aumento de preço do produto. Se a próxima safra for boa, o preço cairá.
Todas as vezes que se verifica um aumento contínuo e generalizado dos preços, o que está acontecendo é a desvalorização do dinheiro — e isso tem sempre como causa a emissão descontrolada de moeda pelo governo. O crescimento descontrolado da produção de dinheiro chama-se inflação. O aumento dos preços é consequência. A elevação dos preços não é a causa da inflação, e nem é a inflação propriamente dita.
O veneno e o antídoto
Os chamados “índices de inflação”, como o IPCA e o IGP-M, tentam, mas não conseguem medir a inflação. Esses índices medem apenas a variação de preços de uma cesta de produtos arbitrariamente escolhidos pelo Estado. A cada um desses produtos é atribuído um peso na formação do índice. Por isso, quando o governo diz que a inflação medida pelo IPCA foi de, por exemplo, 6%, isso significa apenas que essa foi a variação ponderada dos preços de uma cesta de produtos. Os preços de alguns produtos podem ter subido muito mais do que isso, enquanto outros preços podem ter subido menos. A inflação real é diferente para cada um de nós. Ela depende dos serviços e produtos que consumimos.
Os governos continuam desvalorizando a moeda — e gerando inflação — porque, embora isso seja extremamente prejudicial para o cidadão, a prática traz vantagens para os governantes. Dessa forma, eles podem gastar cada vez mais e depois jogar a fatura nas costas do pagador de impostos. Por isso os economistas chamam a inflação de imposto invisível ou silencioso.
O imposto inflacionário tem outra grande vantagem: ele permite aos políticos jogar a culpa nos outros. A culpa do aumento do leite é dos produtores. A culpa do aumento do preço dos carros é das multinacionais que só pensam em lucro. A culpa do aumento da comida é do agronegócio malvadão. “Papai Estado” sempre se prontifica a tomar providências: ele cria impostos sobre exportações, distribui subsídios aos produtores amigos e oferece bolsas-isso ou bolsas-aquilo ao cidadão que não consegue se sustentar.
O governo produz um veneno com o seu dinheiro e depois vende para você um antídoto caríssimo — e que não funciona.
O governo quebra sua perna com a emissão descontrolada de moeda e depois dá a você uma muleta assistencial — e você ainda acha que levou vantagem.
A história que acabo de contar é desconhecida por noventa e nove por cento dos formadores de opinião — incluindo muitos jornalistas “especializados” em economia. A maioria continua sem entender o que é, e como funciona, o mecanismo da inflação.
Mas agora você já conhece a verdade.
Leia também “Pacto de insanidade”
Excelente artigo!
Mota, você foi muito didático, prático e objetivo. Dá para nós cidadãos comuns aprender as entrelinhas sobre o que é realmente a inflação monetária, no nosso caso . . .
“O Estado é uma instituição administrada por um grupo de assassinos, saqueadores e ladrões, rodeados de ávidos carrascos, propagandistas, bajuladores, malfeitores, mentirosos, palhaços, charlatões e idiotas úteis; uma instituição que suja e mancha tudo o que toca” HH Hoppe.
Sujeito maluco esse Hoppe. Como pode ele ter maginado que exista um Estado assim?
Que aula! Excelente! Parabéns Motta.
Perfeito
Uma verdadeira aula sobre a economia. Agora sim eu aprendi muito sobre a inflação. Só temos a agradecer por existir esta Revista Oeste. Se você tá procurando por uma renda extra, fale com a nossa equipe no whatsapp (11)5194-0688 revender perfumes de qualidade é uma excelente opção
Excelente texto. Obrigado pela aula, Roberto Motta.
Obrigado Motta! Seja aqui ou na Jovem Pan, você sempre nos dá uma aula!
Motta nos apresenta de forma objetiva uma aula de economia que certamente o Hadad teria dificuldades em transmitir.
O currículo escolar de nossas crianças e adolescentes devem ou deveriam apresentar uma matéria básica sobre economia doméstica.
Lembro de quando era criança (somos 6 irmãos) e eu pedia para minha mãe comprar um doce e ela dizia que não podia porque teria que comprar 6 e não tinha todo o recurso. Uma ideia simples demonstrando o que é a lei da oferta e da procura.
Gratidão, Mota, pela aula! Super didática!
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Mota tu é o cara, objetivo. Porém, eufemismos à parte, Paulo Guedes disse tudo. O mundo sabe
Texto assertivo que demonstra a verdadeira raiz do problema da inflação.
Parabéns, Motta! Até um esquerdista entenderia. Mas, infelizmente, eles não vão ler isso aqui, não é mesmo?!
Muito bom! Uma pena que nem todos os brasileiros tem essas informações e consciência dessa realidade.
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Sensacional, didático e preciso. Parabéns Roberto. É de reportagens ou textos como esses que precisamos.