Sexta-feira, 8 de novembro de 2024, 16 horas. Um homem alto, cabelos escuros e pele clara, anda em direção à saída do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. De camiseta branca e calça jeans preta, carrega uma mochila transversal e uma mala de bordo. Acabara de chegar de uma viagem a Maceió.
Apenas três minutos depois, ao sair do aeroporto e atravessar a pista de acesso onde táxis e motoristas de aplicativos aguardavam passageiros, o homem foi surpreendido por dois bandidos encapuzados. Os criminosos saltaram de um carro preto e dispararam dezenas de vezes com fuzis, geralmente usados por atiradores de elite e equipes de assalto especializadas. Atingido por dez tiros — no rosto, nas costas e nas pernas —, ele morreu na hora. A ação levou menos de cinco segundos, e os bandidos saíram em disparada com o veículo assim que viram o corpo de bruços no chão.
A vítima é Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, 38 anos, empresário e corretor de imóveis no bairro do Tatuapé, zona leste da capital paulista, e delator do Primeiro Comando da Capital (PCC). Outras três pessoas foram atingidas. Uma delas, o motorista de aplicativo Celso Novais, morreu depois de ser levado para a UTI do Hospital Geral de Guarulhos. Ele chegou a enviar um vídeo para a mulher no WhatsApp, enquanto estava na ambulância recebendo os primeiros atendimentos. Novais era pai de três filhos.
Antes de ser assassinado, Gritzbach recebeu joias avaliadas em R$ 1 milhão na capital alagoana. Isso seria o pagamento de uma dívida, segundo os investigadores. A polícia ainda procura o responsável pela transação. As joias foram entregues pela namorada de Gritzbach às autoridades. São 11 anéis, seis pulseiras, dois colares e nove pares de brinco. Todos os objetos estavam na mala de bordo.
Horas depois do crime, o 3º Batalhão de Polícia de Choque localizou o carro usado pelos atiradores. Fora abandonado na Avenida Otávio Braga de Mesquita, na região da Vila Barros, a 7 quilômetros do Aeroporto de Guarulhos. Dentro do automóvel, os policiais encontraram um colete à prova de balas e munição de fuzil. Peritos analisaram o veículo, em busca de impressões digitais e outras provas que possam levar à identificação dos assassinos. Acredita-se que pelo menos cinco bandidos participaram da ação.
No sábado 9, o 15º Batalhão da PM apreendeu as armas que possivelmente foram usadas para executar Gritzbach. Em uma mochila, os policiais encontraram um fuzil AK-47, calibre 7,62 mm, uma pistola calibre 9 mm e um fuzil AR-15, calibre 5,56 mm.
O esclarecimento do assassinato é tratado como prioridade pela Polícia Civil, a pedido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
A audácia da bandidagem
Na avaliação dos investigadores, a escolha do aeroporto para o assassinato causa perplexidade por se tratar de um ponto de concentração de forças de segurança, como policiais civis, federais, militares e guardas municipais. Há também o monitoramento por diversas câmeras, nos trechos de acesso e nos terminais. Em razão dessa infraestrutura, assassinar um cidadão nas proximidades do aeroporto mais vigiado do país exigiria uma eficiência improvável para gangues amadoras. Esse tipo de ação, coordenada e cronometrada, é próprio de facções criminosas internacionais, com recursos que permitem atos de extrema audácia.
A Polícia Civil suspeita que Gritzbach já estava sendo monitorado desde sua breve estadia em Maceió, pois os assassinos sabiam o horário de seu desembarque. A rapidez da ação criminosa sugere que os matadores foram informados do exato momento da chegada de Gritzbach a São Paulo.
Quatro policiais militares de sua escolta privada estão sob investigação por não o acompanharem no desembarque. Os agentes alegaram que se atrasaram por causa de uma pane no veículo que utilizavam. Essa falha é atípica e suspeita, segundo os investigadores. No momento do assassinato de Gritzbach, apenas dois policiais apareceram. Eles estavam em outro veículo, acompanhados do filho do corretor de imóveis, estacionado na pista de acesso. Nenhum deles reagiu aos ataques.
Os responsáveis pela segurança de Gritzbach foram identificados e tiveram os celulares apreendidos pela Polícia Civil, de acordo com o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. “Os agentes foram afastados preventivamente”, disse, ao assegurar que eventuais desvios de conduta serão apurados.
Quem era Antônio Gritzbach
Inicialmente um corretor de imóveis de atuação modesta, Gritzbach viu sua riqueza aumentar depois de se envolver com o PCC. Ele se aliou à facção criminosa há cerca de dez anos, por meio de Anselmo Bicheli Santa Fausta, o Cara Preta, um dos chefes do tráfico de drogas. Ao longo dos anos, Gritzbach teria ajudado o PCC a lavar milhões de reais em investimentos imobiliários e em criptomoedas. Mas a relação se deteriorou no começo de 2021, quando uma quantia de quase R$ 600 milhões, confiada a Gritzbach para a realização de investimentos, desapareceu. Cara Preta e seu motorista, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, foram assassinados em dezembro daquele ano. O crime teria sido orquestrado por Gritzbach para evitar a devolução do dinheiro.
Gritzbach teria contratado Noé Alves Schaum para assassinar Cara Preta e Sem Sangue. De acordo com as investigações, Schaum foi capturado pelo PCC em janeiro de 2022, julgado pelo Tribunal do Crime e esquartejado por um criminoso conhecido como Klaus Barbie, referência a um oficial nazista que atuou na França ocupada na Segunda Guerra. O integrante da SS ficou famoso pelo apelido — Carniceiro de Lyon — em alusão a seus métodos sádicos. Já o Klaus Barbie do PCC gosta de ser filmado enquanto esquarteja as vítimas ainda vivas. O corpo de Schaum foi deixado em Suzano, na Grande São Paulo, com um bilhete no peito: “Esse pilantra foi cobrado em cima da covardia que fez contra nossos irmãos Anselmo e Sem Sangue”. A cabeça foi abandonada na mesma praça onde Cara Preta fora executado, no Tatuapé.
Em janeiro de 2022, Gritzbach, acusado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) de lavagem de dinheiro e envolvimento nos assassinatos de Cara Preta e Sem Sangue, acabou preso. Durante o tempo na cadeia, foi jurado de morte pelo PCC. Liberado em junho de 2023, assinou um acordo de delação premiada em que revelava detalhes sobre os esquemas financeiros da facção criminosa. Esse acordo o transformou em um alvo ainda mais atraente para o PCC, que teria oferecido uma recompensa de R$ 3 milhões por sua execução. Apesar dos riscos, o corretor de imóveis recusou o programa de proteção do MPSP e decidiu pagar por escolta privada.
A recusa da proteção oficial quase o levou à morte já no Natal de 2023, quando escapou de um atentado. O ataque ocorreu no prédio onde o corretor de imóveis morava, no Jardim Anália Franco, no Tatuapé. Na ocasião, um atirador disparou quando Gritzbach se aproximou da janela para fazer uma filmagem com o celular. Ninguém se feriu. O empresário passava o Natal com o pai, os filhos e os tios.
Na delação, Gritzbach apresentou provas do envolvimento do PCC em esquemas de lavagem de dinheiro. Uma das tramoias prevê a utilização de agências de jogadores de futebol para injetar dinheiro do tráfico em clubes da elite brasileira. A delação também revelou que o PCC lava dinheiro por meio de empreendimentos de luxo no Tatuapé, bairro que se transformou em uma espécie de “Little Italy” de São Paulo. Ali, integrantes da facção criminosa investem em imóveis de alto padrão e levam vidas luxuosas, longe do alcance do Estado. Por fim, a delação do corretor de imóveis revelou detalhes sobre os negócios do PCC em igrejas, bitcoins e adulteração de combustíveis. Para se ter ideia, a polícia trabalha com a informação de que a facção controla mais de mil postos da gasolina em todo o país.
O promotor do MPSP Lincoln Gakiya explicou que chancelou a delação premiada em virtude da estreita relação que Gritzbach mantinha com a facção criminosa. “Era uma pessoa que conviveu com líderes do PCC, sabia exatamente onde o crime organizado estava lavando dinheiro”, declarou, em entrevista ao programa Fantástico, no último domingo, 10. “Ele era um arquivo vivo, disso não tenho dúvida.”
A expansão do PCC
O assassinato de Gritzbach é apenas a ponta do iceberg. O PCC, fundado nos anos 1990 no sistema prisional paulista, transformou-se em uma organização multinacional. A facção controla a maior parte das penitenciárias brasileiras, mantém redes de tráfico internacional e domina áreas de mineração ilegal na Amazônia. Estima-se que a facção movimente cerca de US$ 1 bilhão por ano, cifra que desafia o poder econômico do próprio Estado em algumas regiões.
Investigações conduzidas pelo MPSP mostram que, no transporte público de São Paulo, empresas de ônibus, como a UPBus e a Transwolff, teriam sido criadas com dinheiro da facção. Em abril deste ano, a Operação Fim da Linha expôs como a organização criminosa pretendia dominar a distribuição de linhas de ônibus na capital, o que evidencia o alcance de seus tentáculos no Estado. Quatro pessoas foram presas por suspeita de fazerem parte do esquema. A Prefeitura de São Paulo decretou intervenção nas companhias e informou que colabora com as investigações.
Mas a infiltração criminosa em instituições públicas não para aí. Na delação premiada, Gritzbach também acusou policiais civis de participarem de esquemas de corrupção que favorecem integrantes do PCC. Ele relatou, entre outras ilegalidades, como investigações eram manipuladas para proteger integrantes da facção. Em troca, os corruptos recebiam propinas milionárias. Em um caso específico, Gritzbach disse que um investigador ligado ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) teria manipulado o inquérito da morte de Cara Preta. A intenção seria afastar a possibilidade de integrantes da facção terem relação com o assassinato.
Segundo Gritzbach, policiais recebiam não só pagamentos em dinheiro, mas também imóveis e bens luxuosos como forma de garantir a proteção dos criminosos. Em uma das gravações apresentadas, o empresário entregou uma conversa em que a recompensa por sua morte era negociada, o que levou a Corregedoria da Polícia Civil a abrir inquéritos para apurar as denúncias de corrupção.
César Dario Mariano da Silva, promotor de Justiça do MPSP, afirma que o assassinato de Gritzbach no Aeroporto Internacional de Guarulhos expõe de forma inequívoca a negligência no enfrentamento do crime organizado no país. “Esse descaso, agravado nos últimos anos pela leniência dos Tribunais Superiores em relação ao tráfico de drogas, principal fonte de financiamento das facções criminosas, permite que essas organizações se fortaleçam e atuem com ousadia cada vez maior”, observou, ao acrescentar que a atual legislação trata o tráfico de drogas da mesma forma que os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo. “Ou mudamos o sistema atual, ou parte das grandes cidades brasileiras será transformada em narcorregiões, como já ocorre na Venezuela, na Bolívia, na Colômbia e no Peru.”
A expansão das facções criminosas no país segue em ritmo acelerado, como descreve o livro A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil, do jornalista Bruno Paes Manso e da especialista em políticas públicas Camila Nunes Dias. O PCC já atravessou os muros das penitenciárias, permeou o sistema econômico, contaminou a política e escancarou a crise estrutural na segurança pública brasileira. O Estado está de joelhos.
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Não sabia que ele estava retornando de minha cidade, Maceió.
Bom domingo, Brasil! 🇧🇷
É muito fácil entender porque o crime organizado no Brasil tem o apoio do Legislativo, do Executivo e principalmente do Judiciário: There is no free lunch.
Não acaba porque não quer que acabe, basta tirar os cabeças dos três poderes que puxa o novelo.
Agora, uma perguntinha, como policiais militares vão fazer segurança de bandidos criminosos?
pcc manda e stf obedece…xuxu também
Parabéns pelo texto. Informação importante.