Quase dois anos de um mandato pífio e a pergunta é: por que Lula não faz o que deveria fazer e vive a culpar os outros? A pergunta poderia também ser outra: quem apoiou mesmo esse governo que aí está? E se baseava em quê? A provável resposta será sempre a ladainha do Lula paz e amor e pragmático de 2003. Não cola mais. O Lula do primeiro mandato era o Palocci. Sobretudo na economia, como já escrevi neste espaço.
Fato é que as coisas mais urgentes para o país que demandam ações do Palácio do Planalto e de seus 39 ministérios não avançam. O atual governo faz de conta que os problemas do país, muitos dos quais ele gerou ou piorou, não são dele. Em psicologia, isso é chamado de estado de negação. Na política, é só gente ruim de serviço mesmo.
Comecemos pela saúde. Um país fraturado pela pandemia de covid-19, que a então oposição liderada pela esquerda surfou até sobre cadáveres, não poderia conviver com outra epidemia como a da dengue, uma doença e métodos de controle conhecidos desde os anos 1980, que voltou e hoje tem no Brasil de Lula a triste liderança mundial de infecções e mortes. Faltam ainda vacinas, as mais tradicionais, e medicamentos nos postos de saúde. É o mesmo governo que também não consegue soluções para as queimadas recordes e vive de montar gabinete de crise, comissão especial ou seja lá o nome que tenham esses grupos que não resolvem nada. O feroz crítico ambiental de antes é o incompetente de agora. E que faz uma inacreditável cara de paisagem diante de queimadas que consomem florestas, plantações e a qualidade de vida dos brasileiros.
As estatais voltaram a ser o braço do velho e improdutivo Estado, com seus cabides de emprego para a companheirada e ingerência política devastadora. A consequência não poderia ser diferente: registraram prejuízos sob Lula. E olha que tinham sido saneadas pela Lei das Estatais e de boa governança de Temer. Durante o governo Bolsonaro, as estatais geraram lucros bilionários. A conta é simples: estatais lucrativas repassam ganhos ao Tesouro. Nas estatais que dão prejuízo, quem socorre, quem paga, é o Tesouro. E o Tesouro Nacional somos nós, os brasileiros.
As mazelas são sempre trágicas à vida brasileira, mas, quando o governo faz vistas grossas até para coisas mais elementares de gestão da economia, o nó aperta no pescoço do contribuinte.
Divulgado no início deste mês de novembro, o relatório de “Estatísticas Fiscais” do Banco Central revela que, em setembro, só o déficit federal foi de R$ 4 bilhões. Somado ao déficit de R$ 3,2 bilhões dos Estados e municípios, são R$ 7,3 bilhões de saldo negativo no mês. Embora a arrecadação tenha crescido, baseada sobretudo nas reformas econômicas herdadas dos governos anteriores, a conta não fecha. Com o rombo de setembro, agora são 16 meses consecutivos de déficit primário e um pesadelo sem fim. É o governo gastando mais do que arrecada e demonstrando que a reta aponta para o descalabro fiscal, não para a austeridade e a responsabilidade com as contas públicas. Afinal, um erro cometido por 16 meses seguidos sem nenhuma solução factível apresentada poderia ser o que mais?
Veja que o tal pacote de redução dos gastos, que já se configura insuficiente e tímido porque desidratado dentro do próprio governo e bombardeado pelo PT, deve ser apresentado apenas depois da reunião do G20. Mais uma protelação. Quando já era urgente e estava muito atrasado, a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometia fazer o anúncio logo depois do segundo turno das eleições, terminado em 27 de outubro. Enquanto isso, a dívida bruta, que inclui o governo federal, INSS e governos regionais, chegou a R$ 8,9 trilhões, o que corresponde a 78,3% do PIB. Para efeito de comparação, em dezembro de 2022, antes de Lula assumir, ainda no governo de Jair Bolsonaro, era de 71,7%. Naquele ano, sob um governo e equipe econômica comprometidos com a responsabilidade fiscal e o futuro, o país registrou um superávit nas contas públicas de R$ 54 bilhões e entregou ao sucessor um país superavitário, o que não acontecia havia anos. Foi tudo perdido em meses de irresponsabilidade, fura-tetos e gastos, muitos gastos de Lula 3.
Mas o que então sustenta um governo tão insustentável como esse?
As críticas, com raras exceções como aqui em Oeste, estão num nível muito abaixo da média da história nacional para outros governos. No pouco que cobra, a parte da imprensa que se opõe aos fatos ou os ignora solenemente logo contemporiza. O mercado financeiro e as associações setoriais, sempre tão duros com outros governos, não fazem a crítica devida e necessária que eles sabem que deveriam fazer. Por conveniências de curto prazo no varejo das negociações ou um receio de perseguições políticas, não se sabe. Mas o tanto que evitam a crítica justa, porque baseada em fatos, chama a atenção. Exceções existem, claro. Mas a maioria demonstra um receio intrigante em dizer a verdade, em criticar o governo como fariam naturalmente contra governos anteriores.
Daí que esse confortável imobilismo de Lula, esse sossego em não colocar a mão na massa ou em protelar medidas urgentes, tem uma explicação pouco republicana. Tudo se amarra num nó institucional deste estranho momento da democracia no Brasil. Como o Supremo Tribunal Federal se tornou o esteio desse governo por questões ideológicas ou inapropriada atuação política, desde a anulação de processos da Lava Jato pela estapafúrdia tese do CEP que libertou o até então presidiário Lula para voltar a ser candidato presidencial, a política de contestação às questões econômicas que deveria vir do Congresso e da sociedade não existe no tamanho que deveria existir.
Quando a liberdade da crítica é relativa ou ceifada pelo medo de retaliações, não há democracia plena, não há mercado, não há contestação na proporção que um ambiente político realmente livre prescreve e demanda. Há cuidados demais dessa parte da tal sociedade civil organizada que parece viver sob o medo de uma ação estatal de polícia política ou judiciária nos seus negócios. O silêncio impera como medida preventiva de proteção. Quando realmente não conseguem se segurar diante da insanidade governamental — há limites para tudo, e o governo tem dobrado a aposta —, soltam uma crítica bem calculada. Quando dizem o que sentem, redefinem logo em seguida. É pouco diante da nossa necessidade como sociedade.
E nada na vida sai de graça.
O que parte do mundo econômico ignorou lá atrás, quer por ignorância política, quer por conveniência econômico-empresarial, cobra um preço alto agora. Enquanto os Estados Unidos se preparam para a volta de uma democracia plena com forte recuperação econômica e autoridade moral com Donald Trump, enquanto até a nossa vizinha Argentina reage a décadas de atraso do peronismo/kirchnerismo — o lulopetismo deles — com redução da inflação, aumento da eficiência e volta do investimento sob Javier Milei, o Brasil de Lula vive sob o Janjapalooza, a inação dos ministérios, a inflação voltando e Lula culpando tudo e todos, menos ele, o presidente que deveria governar.
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