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Edição 243

Lições das eleições

A grande perdedora, nos EUA e no Brasil, foi a velha imprensa manipuladora e militante, a mesma que sempre recorreu ao jogo sujo da mentira

Ubiratan Jorge Iorio
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O vagalhão conservador que varreu os Estados Unidos e impôs ao Partido Democrata uma derrota humilhante, a vitória expressiva do centro e da direita nas eleições municipais brasileiras, o sucesso alcançado por Milei em seu primeiro ano de governo na Argentina e, ainda, as manifestações de rejeição ao autoritarismo de Bruxelas que vêm ocorrendo há mais de um ano na Europa ensejam reflexões importantes a respeito da reprovação às ideias chamadas erradamente de “progressistas”. Somos então levados naturalmente a procurar respostas para várias questões, dentre elas: O que levou Donald Trump de volta à Casa Branca? Por que a vitória dos republicanos foi tão acachapante? Quem foram os maiores derrotados nos Estados Unidos e no Brasil? O que podemos esperar do futuro?

Para início de conversa, não parece exagero afirmar que a grande perdedora nas eleições americanas e brasileiras foi a velha imprensa manipuladora e militante, a mesma que sempre recorreu ao jogo sujo da mentira, acusando cinicamente qualquer liderança, ideia ou movimento conservador de “fascista”, “nazista”, “antidemocrático”, “extremista de direita” e outros adjetivos descabidos. Os eleitores, aqui e lá, graças ao crescimento das redes sociais que tirou da mídia decadente o monopólio das informações, simplesmente mostraram que, primeiro, já não se deixam mais levar pelos sórdidos expedientes de manipulação e, segundo, que estão dispostos a ir mais além, enviando um sonoro basta. O copo vazou.

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Essa imprensa pérfida — que teve a cara de pau de noticiar a vitória de Trump como se fosse a derrota da democracia em uma final de campeonato — daqui em diante tem duas opções: a primeira é dar de ombros, torcer pela intensificação da censura na internet e simplesmente, enquanto aguarda o maior cerceamento da liberdade de expressão, continuar a mentir, distorcer fatos e construir narrativas, como vem fazendo há muito tempo, o que poderá significar o seu descrédito absoluto, com o consequente desaparecimento. A segunda opção — improvável — é tomar um banho de dignidade, batendo no peito, fazendo o mea culpa e voltando a desempenhar o papel que dela se espera.

Desconfio que, em sua maioria, optará pela primeira alternativa, haja vista a determinação doentia de muitos jornalistas de tentar incutir na cabeça das pessoas que só existe democracia de verdade quando a esquerda vence as eleições, independentemente de sua derrota não só nos colégios eleitorais, mas também no voto popular, como aconteceu agora nos Estados Unidos. Afinal, para profissionais desleais, ideológicos e farsantes, a vontade do povo é pormenor, é minudência insignificante, que só deve ser respeitada se coincidir com a deles.

Por que a vitória de Trump e dos republicanos foi tão expressiva? Não acredito que a escolha dos eleitores tenha sido ideológica, porque, para as pessoas comuns, certas categorias um tanto teóricas como esquerda e direita importam bem menos do que os problemas concretos do dia a dia, como inflação, combustível mais caro, medo de desemprego, ameaças de guerra, intromissão na educação das crianças etc.

Donald Trump, presidente eleito dos EUA, em reunião com os republicanos da Câmara no Capitólio, em Washington (13/11/2024) | Foto: Brian Snyder/Reuters

A meu ver, a grande explicação para o triunfo da direita é muito mais simples do que se costuma pensar. É que o povo norte-americano (assim como o brasileiro) continua sendo conservador nos costumes, o que significa, entre outros atributos, que, para a maioria das pessoas: (a) homens são homens e mulheres são mulheres; (b) crianças são intocáveis; (c) policiais são representantes da lei e devem ser respeitados; (d) criminosos não são vítimas da sociedade coisa nenhuma e precisam ser punidos pelos danos que causam à vida, à liberdade e à propriedade de terceiros e à própria sociedade; (e) as fronteiras do país não podem ser abertas indiscriminadamente; (f) a família tradicional é um elemento insubstituível e crucial em qualquer sociedade; (g) a interferência do governo na sua vida é indesejável, porque liberdade é muito importante; (h) os fanáticos das “mudanças climáticas” são uns chatos de galocha; (i) o globalismo tem propósitos tirânicos; (j) churrasco é muito mais gostoso do que salada de gafanhotos.

Isso tudo significa que, apesar do verdadeiro massacre promovido pelo “progressismo” por meio da guerra cultural nas últimas décadas, o povo ainda prefere os princípios, valores e instituições da tradição ocidental judaico-cristã: a fé em Deus, a dignidade humana, a solidariedade, a difusão do poder, o respeito, a ordem, o progresso, a justiça, a economia de mercado, o livre comércio, a família, a liberdade de expressão, a pátria, o Estado de Direito e a democracia representativa com equilíbrio e independência entre os Poderes. Não é difícil perceber, então, que as ideias defendidas tradicionalmente pela chamada direita representam o ethos da população. Por esse motivo, quando o eleitorado conservador percebe que os princípios, valores e instituições do Ocidente estão ameaçados, nada é capaz de segurar a sua reação, seja desinformação, seja censura, sejam prisões políticas ou quaisquer perseguições. Aliás, o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro deixou isso bem explícito em artigo que publicou na última segunda-feira, surpreendentemente, em um jornal que sempre o criticou impiedosa e deslealmente, fato que ainda está levando a esquerda à loucura, porque democratas de botequim simplesmente não aceitam que um veículo “deles” publique ideias opostas às suas. 

Artigo de Jair Bolsonaro publicado na Folha de S.Paulo (10/11/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S. Paulo

A verdade é que não há autoritarismo e repressão capazes de mudar o que se passa na alma dos indivíduos. Medidas despóticas só poderiam ser eficazes no longo prazo se as ideias que as amparam conseguissem alterar o ethos, ou seja, os anseios, vontades, desejos e modos de comportamento que definem o caráter de uma coletividade e é por isso que, se perguntarmos a um norte-coreano ou a um cubano se, no fundo de sua alma, está feliz, sabemos que a resposta será negativa. Esses regimes não mudam a alma do povo, no máximo só a silenciam durante algum tempo. Cedo ou tarde, ela vem à tona e leva tudo de roldão.

O recado dos eleitores foi muito claro e direto: estão fartos dessas maluquices e baboseiras de agenda woke, pós-modernismo, feminismo, ideologia de gênero, linguagem neutra, agressões à biologia, igualitarismo, antirracismo de mão única, fluidez de gênero, ativismo queer, vocabulário politicamente correto, diversidade disso, diversidade daquilo, crédito de carbono, energia verde, energia limpa, cisnormatividade, transfobia, misoginia, homofobia, governo mundial, Agenda 2030, ONU, ESG, Organização Mundial da Saúde, Fórum de Davos, ONGs “progressistas” bancadas por conhecidos bilionários e muito, muito mais. Se você tiver um amigo que ainda dúvida de que o povo não quer mesmo saber dessa agenda, aconselhe-o a perguntar aleatoriamente às pessoas que passarem por perto o que pensam a respeito disso tudo e garanto que ele vai verificar que bem poucos concordam com essa pauta de tolices.

Outro fato que merece ser destacado é que quase todos os defensores dessas agendas que se chocam com a alma popular acreditam que são os monopolistas da consciência social e racial e que só eles — os ungidos — têm, portanto, uma suposta autoridade moral para combater princípios e valores que classificam como sendo historicamente opressores. Essa gente — que povoa com abundância as redações de jornais e estúdios de canais por assinatura — é a própria expressão e porta-voz de uma ideologia intolerante e totalitária, que foi tomando corpo a partir do declínio e fracasso do velho comunismo, como uma tentativa ardilosa de substituí-lo.

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Por tudo isso é que assistimos diariamente a um desfile de comentaristas e supostos “especialistas” distorcendo fatos e tentando levar os incautos que os veem, ouvem ou leem a acreditarem que a direita é antidemocrática, que acorda e vai dormir pensando em dar golpes de Estado, que é uma ameaça ao pleonasmo que chamam de “Estado Democrático de Direito”, que as redes sociais precisam ser controladas porque são perigosas e que a restrição à liberdade de expressão e a concentração de poder são as coisas mais naturais do mundo. Sim, tudo pela democracia, desde que seja a democracia “relativa” de mão única deles.

A vitória retumbante de Trump e a maioria expressiva que os republicanos passam a ter no Senado e na Câmara dos Representantes representam uma séria ameaça a todos os que têm a democracia na boca, o autoritarismo no cérebro e a falsidade no coração, mas que na verdade são avessos à pluralidade de ideias e têm em vista um poder hegemônico calcado na censura e no “cancelamento” de qualquer força política que se contraponha a seus objetivos. Globalistas e comunistas, essa mistura que muitos chamam de neocomunismo e neoprogressismo e que sustentam o deep state, com tudo o que representam, desde a centralização de poder até a supressão da liberdade econômica e de manifestação, passando pela subordinação dos indivíduos ao Estado e pela patética pauta woke, toda essa turma está em polvorosa com os resultados das eleições nos Estados Unidos.

E os seus receios têm fundamento. Parece que Trump está mesmo decidido a partir com tudo para cima do deep state, que no fundo é um poderoso cartel, heterogêneo em seus membros, mas relativamente homogêneo quanto aos seus objetivos. São os grandes bancos, é o George Soros, é o Klaus Schwab, é o Bill Gates, é a ONU, é a OMS, são as universidades, é a burocracia, é a mídia comprada, são diversos fundos de investimentos, são as ONGs ambientalistas, são os movimentos “identitários”, enfim, trata-se de uma coleção de componentes com objetivos bem definidos, nos campos político, econômico, ético-moral-cultural, ecológico etc., tendo em vista o controle mundial por meio de algo parecido com uma agência central, só que invisível. Explico melhor: não se trata de algo concreto, como uma ONU com mais poderes, mas do exercício de um poder indireto, como, por exemplo, mediante poderosa guerra cultural (para a qual não faltam recursos financeiros) e pressões diversas, influenciar países democráticos a se comportarem de acordo com as suas pautas, mas mantendo a sua soberania aparente e, em países com maior concentração de poder, exercer controle sobre a burocracia.

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Trump sabe perfeitamente que o deep state (que no Brasil muitos chamam de “sistema”) pretende dominar totalmente a opinião pública, a educação e subverter os valores e princípios que moldaram e que sustentam o Ocidente, para então estabelecer despoticamente como os habitantes da Terra devem se comportar em todos os aspectos de sua vida. E sabe também que não tolera quem lhe faça oposição.

Embora cada país tenha o seu sistema, com seus líderes e caciques, é óbvio que o norte-americano é o mais influente do mundo, e daí decorre o susto pelo qual está passando com a possibilidade de ser derrotado e sobrevém também a importância, para quem sabe que a liberdade é essencial, do sucesso de Trump em desmantelar essa pretensão totalitária.

Por fim, uma questão relevante que se coloca no presente momento é a de como o deep state vai reagir diante das perspectivas levantadas pela vitória de Trump (e, no Brasil, como os “progressistas” vão responder à fragorosa derrota eleitoral que os eleitores lhes impuseram). Certamente, nem lá nem aqui a esquerda globalista vai reconhecer a derrota de sua visão de mundo e cruzar os braços. Não podemos ser ingênuos ao ponto de pensar que o sistema, com o seu pendor ao globalismo, a sua vocação ao autoritarismo, o seu desapego às liberdades individuais, a sua cultura woke e todos os seus demais elementos, foi eliminado. Não foi. Eles jamais desistem de exercer o direito de errar, reincidir e persistir no erro, até porque, como escreveu Thomas Sowell, “é fácil errar — e persistir no erro — quando os custos dos erros são pagos por outros”. A direita conservadora — ou “não consentida” — já demonstrou força e capacidade de superação. Daqui em diante, será um erro se recuar e “jogar para o empate”. São os nossos valores, que serão passados às gerações futuras, que estão em jogo.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Rede X: @biraiorio

Leia também “A farsa da direita ‘permitida'”

1 comentário
  1. JOSE CARLOS GIOVANNINI
    JOSE CARLOS GIOVANNINI

    Magnífico.

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