Às 19h30 da quarta-feira 13, a tranquilidade cotidiana da Esplanada dos Ministérios foi interrompida por barulhos ensurdecedores na Praça dos Três Poderes. Em pouco tempo, vídeos divulgados nas redes sociais revelaram que se tratava de duas explosões: a primeira destruiu um automóvel Kia Shuma 1999/2000 no estacionamento do Anexo IV da Câmara dos Deputados (o local fica a cerca de 500 metros da Praça dos Três Poderes), e a outra ocorreu perto da Estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), terminando em um óbito na sequência do ato. Pouco mais de 20 segundos separaram um incidente do outro naquela noite. Com a chegada das autoridades, a Polícia Civil do Distrito Federal informou que o morto se chamava Francisco Wanderley Luiz, era chaveiro e tinha 59 anos. Ele morava em Rio do Sul, Santa Catarina, e chegou a disputar uma cadeira na Câmara Municipal da cidade, em 2020, pelo Partido Liberal.
Mais que depressa, veículos de comunicação noticiaram tratar-se de um atentado contra a democracia e as instituições, sobretudo o STF. Embora as conclusões ainda sejam muito prematuras, a narrativa que se tenta construir pode não resistir aos fatos, a começar pelo depoimento de um vigilante do STF segundo o qual Luiz cometeu suicídio e agiu sozinho. De acordo com o relato, o homem se aproximou do monumento em frente ao tribunal e colocou uma mochila no chão. Da bolsa, tirou um extintor e uma blusa, lançando os objetos na escultura, além de fogos de artifício em direção à marquise da Corte. Com a aproximação de outros seguranças, Luiz anunciou que carregava bombas no corpo. Instantes depois, deitou-se no chão, acendeu um último artefato, colocou na cabeça com um travesseiro e aguardou a explosão que o matou na hora.
As imagens com maior qualidade do atentado terrorista contra o STF até agora, obtidas pela @julianadalpiva. É possível ver o terrorista Francisco Wanderley Luiz atirando uma bomba contra a estátua que não explode e outras duas, uma contra o STF e outra para tirar a própria vida. pic.twitter.com/pBh9KpsyJu
— William De Lucca (@delucca) November 14, 2024
Perto dali, no porta-malas do veículo incendiado, um esquadrão antibombas achou fogos de artifício montados em tijolos, para canalizar a explosão em uma única direção. Luiz acionou os projéteis remotamente antes de se matar. O automóvel, que ficou parcialmente destruído, pertencia a Luiz e, provavelmente, serviu como meio de transporte para ele chegar à capital federal há três meses. Conforme as investigações, ele alugou uma quitinete em Ceilândia, no entorno de Brasília, que serviu como bunker. No local, os investigadores encontraram equipamentos rudimentares, como bombas artesanais feitas com PVC, rojões e um lança-chamas caseiro. Há ainda uma caixa enterrada nas proximidades que precisa ser submetida à perícia técnica.
🚨🇧🇷💥El excandidato a concejal por el partido de Bolsonaro (PL), Francisco Wanderley Luiz, murió hoy tras hacerse estallar al intentar entrar en la Corte Suprema
— Tribuna Digital7 (@TribunaLibreES) November 14, 2024
Anteriormente había amenazado al Supremo Tribunal Federal (STF), la Corte Suprema de Brasil:
Es toda la… pic.twitter.com/zDkG6vfRh2
Mente perturbada do autor das explosões em Brasília
A confusão que Luiz provocou em Brasília existia também em sua mente. Mensagens de WhatsApp vazadas mostram que o chaveiro acreditava em teorias conspiratórias, descontextualizava trechos da Bíblia para falar sobre determinados acontecimentos e atacava personalidades públicas sem muita relação umas com as outras, a exemplo do ex-presidente José Saney e do jornalista William Bonner. Apontado como bolsonarista pela revista Veja, que apagou a reportagem depois, Luiz criticava tanto o presidente Lula quanto o antecessor do petista, Jair Bolsonaro (a quem queria matar). Além disso, Luiz havia se divorciado recentemente. O deputado federal Jorge Goetten (Republicanos-SC), que recebeu Luiz em seu gabinete, comentou o caso. “No ano passado, com sinceridade, eu falei: ‘Esse não é o França que eu conheço’”, declarou. “Estava emocionalmente abalado. Falou muito sobre a separação da esposa. Pareceu-me abalado emocionalmente, com a saúde mental muitíssimo abalada.”
Até mesmo a dona do local onde Luiz se hospedava na capital federal notou mudanças de comportamento desde a primeira vez que o viu, no início do ano passado, quando o chaveiro alugou um quarto com ela. A impressão é a mesma de colegas de bar que Luiz fez em 2023. Eles estranharam as mudanças repentinas de personalidade do homem, que variava o humor constantemente. No dia anterior ao suicídio, Luiz pediu ao dono do estabelecimento para grafar com giz a parede voltada para a rua. Escreveu o nome com o qual concorreu nas urnas em 2020: “Tiü França”. Depois, soltou um comentário que os colegas acharam misterioso. “Quando ouvir essa música, vai se lembrar de mim”, disse, ao cantar trechos de uma canção da dupla Milionário e José Rico: “Decida / Se vai embora ou fica comigo / Se vai me respeitar como marido / Então, desse jeito não estou aguentando”.
Os peritos encontraram também no espelho do banheiro da quitinete uma frase em alusão à cabeleireira Débora dos Santos, de 38 anos, que ficou conhecida por escrever a frase “perdeu, mané”, com batom, no monumento que Luiz atacou no dia em que morreu. Débora está em um presídio de Rio Claro (SP), em virtude do 8 de janeiro, ainda sem prazo para ser julgada. “Por favor, não desperdice batom”, redigiu Luiz. “Isso é para deixar as mulheres bonitas. Em estátua de merda se usa TNT.” Não se sabe ainda se ambos se conheciam ou se Luiz participou da manifestação.
Até mesmo a ex-mulher conta que o marido tinha algumas obsessões, uma delas pelo ministro Alexandre de Moraes e pelo STF, tanto que publicou uma foto no plenário da Corte com frases irônicas a respeito do tribunal. “Era uma obsessão dele”, disse a ex-mulher. “Ele me deixou quase completamente louca. Todo mundo na rua dizia que eu ficaria louca. Ele só falava de política, política e política. Luiz disse que mataria Moraes e, depois disso, iria se matar.”
Exploração política do caso
Em menos de 24 horas do suicídio, integrantes do governo Lula exploraram politicamente a tragédia e se apressaram em tratar o caso como um “atentado às instituições democráticas”. O advogado-geral da União, Jorge Messias, repudiou “com veemência” os “ataques ao STF e à Câmara do Deputados”. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, se antecipou ainda mais ao afirmar que “não há lobos solitários”. Em poucas horas, a Polícia Federal (PF) abriu um inquérito e o encaminhou ao STF. Assim, o presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, escolheu Moraes para ser o relator dessas investigações.
Na manhã da quinta-feira 14, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, deu uma entrevista coletiva na sede da corporação. Segundo Rodrigues, uma das linhas de investigação é “terrorismo” e ligações com o 8 de janeiro. Aliado de Moraes e de Lula, Rodrigues também aproveitou para defender a regulamentação das redes sociais. “Eles vão para as redes sociais que, hoje, são território de ninguém, e publicam as barbaridades que acham que podem publicar impunemente”, disse. “Precisamos regulamentar as redes.” Discursos semelhantes vieram de ministros do STF. Barroso afirmou que o STF resistirá a quaisquer “ímpetos autoritários”, enquanto Gilmar Mendes dedicou sua fala para culpabilizar Bolsonaro por estimular o “extremismo” no país.
A Barroso e Mendes juntou-se Moraes, que criticou a anistia aos condenados do 8 de janeiro. Ministros do STF também fizeram chegar ao Parlamento o recado de que não admitirão que o assunto seja discutido outra vez. “Não existe possibilidade de pacificação com anistia a criminosos”, declarou Moraes, que finge desconhecer que justamente as concessões de anistia solucionaram inúmeros problemas políticos que marcaram a história do Brasil. Ao negarem o benefício, Moraes e os ministros esquecem que quem é contra esse tipo de perdão jamais vai ser perdoado um dia.
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