Os irmãos Ben (26 anos) e Nathan Kilinski (22) cresceram muito próximos. Passaram a infância em São Caetano do Sul (SP) e estudaram no Colégio Fênix. Israel sempre esteve presente na vida deles, mas à distância. Ben e Nathan são filhos de Álvaro Kilinski, de 62 anos, combatente no Líbano em 1982. Álvaro viveu até os 30 anos em Israel e se mudou para o Brasil, onde nasceu, por questões profissionais.
Brasileiros, Ben e Nathan conheciam o país judaico apenas pelas histórias do pai. Mas, quando cursava o terceiro ano de Direito no Largo São Francisco, Ben tomou a decisão de ir morar em Israel. Ao contar o plano para o irmão, que estava às vésperas de prestar vestibular, Ben não tinha dúvida de que ganharia um aliado na empreitada.
“Eu não tive que convencer meu irmão”, conta Ben, de passagem pelo Brasil para palestras. “Somos muito apegados, muito próximos. Na hora que decidi ir, ele falou que me apoiava e que ia junto comigo.”
O pai ficou surpreso. “A conexão israelense da família os levou a se mudarem para Israel, mas eu nunca forcei, a iniciativa partiu totalmente deles.”
Os dois irmãos mudaram de vida ao mesmo tempo. “Apesar da diferença de idade, a união e o entendimento entre eles sempre foram excepcionais desde muito cedo. Sem dúvida o exemplo máximo foi a aliá [mudança de um judeu para Israel] conjunta deles”, prossegue Álvaro.
“Difícil lembrar de algum momento no qual não estivessem apoiando um ao outro. Ben liderando com ideias e Nathan com sua criatividade e entendimento. Realmente eles se completam.”
Ben e Nathan chegaram a Israel bem na época da pandemia, em 2020. Só depois do isolamento puderam se alistar no Exército. Por vontade própria. Conheceram melhor a realidade do país.
Eles se integraram a um grupo de estudantes acolhidos no kibutz Nir Yitzhak, um dos que foram atacados, tempos depois, no dia 7 de outubro de 2023, pelos terroristas do Hamas. Lá, foram “adotados” por uma família local, com moradia e alimentação. A experiência os fez construir laços.
Em seguida, ingressaram no exército, passando por uma rigorosa seleção e treinamento de mais de um ano. Ben entrou na Sayeret Nahal, unidade de elite. Depois de concluir o treinamento, iniciaram o Sherut Sadir, o serviço ativo.
“Não precisávamos fazer exército, mas nos voluntariamos porque queríamos muito essa experiência.”
Coração na mão
No dia 7 de outubro, Ben e Nathan já haviam completado o serviço. Mas, abalados com a tragédia, retornaram para Nir Yitzhak, onde tinham laços afetivos. Sentiram-se na obrigação de ajudar. Foram então convocados para a incursão das Forças de Defesa de Israel (FDI) em Gaza.
Com pouco mais de um mês de emboscadas nos labirintos das ruas, Ben salvou a vida do irmão. Nathan, em outra unidade do mesmo batalhão, protegia quem estava na retaguarda. Atirava e evitava a aproximação dos membros do Hamas.
Em um momento, porém, Nathan ficou na linha de tiro do terrorista. Ben, que combatia em operação paralela, percebeu. Atirou contra o militante do Hamas, que se escondeu atrás de uma proteção. Então Ben chamou sua equipe de apoio. A equipe utilizou um míssil de ombro para destruir fortificações, eliminando o inimigo.
“Assim que percebi que o terrorista estava atirando na direção do meu irmão, fiquei muito tenso”, conta o hoje primeiro-sargento Ben. “Não tive tempo de sentir nada. Só pensei: ‘Tenho que atirar de volta, ajudar os soldados na frente’. Depois sentei para pensar no que tinha acontecido. Na hora, você só reage meio que instintivamente, por reflexo.”
Ben também reconhece o heroísmo de Nathan. A ação do irmão evitou a aproximação de mais militantes do Hamas. Nathan foi reverenciado por todo o batalhão. “Meu irmão foi um herói”, destaca Ben. “Ele conseguiu atirar de volta e afastar outros terroristas. Nathan salvou a vida dos companheiros e tenho um respeito muito grande por ele.”
Do Brasil, o pai Álvaro acompanhou tudo com apreensão. Para ele, foi mais difícil ter os filhos na frente de batalha do que combater no Líbano nos anos 1980. “Não é fácil ter dois filhos em combate. Fiquei com o coração na mão e a cabeça bem longe, do outro lado do mundo. Além disso, trata-se de um tipo de guerra jamais travado antes”, acrescenta ele.
“Nunca houve uma guerra tão complexa e multidimensional, em que combates ocorrem nos túneis embaixo da terra, pelo ar com drones e bombardeios, guerrilha, escudos humanos e confrontos por terra.”
A ansiedade fez Álvaro viajar a Israel para ficar ao lado dos filhos. Ele chegou em dezembro, quando Ben encerrou sua missão. Mas, naquele mês, Nathan, ainda em combate, viveu seu drama maior. Foi atingido em um bombardeio no qual morreram dois de sua unidade.
Outros dez ficaram feridos, incluindo ele, que teve de passar por cirurgias no intestino. A recuperação foi no Hospital Beilinson. Álvaro só voltou ao Brasil quando a mãe dos dois e sua ex-mulher, Patrícia, o substituiu.
A experiência de Nathan foi traumática. Seus ferimentos, ainda que graves, foram menores do que os de alguns companheiros, que perderam pernas ou tiveram maior dificuldade de recuperação. Meses depois, Nathan começou a retomar sua rotina.
Até capoeira
Quando menino, Nathan não se imaginava com uma metralhadora na mão, correndo por trincheiras. Adorava teatro, tinha criatividade de artista. A guerra o fez descobrir um outro lado, principalmente quando a sobrevivência, dele e do país, estava em jogo. A experiência do combate é também um duro aprendizado.
“Você não pode se preparar para a realidade”, afirmou Nathan à mídia israelense. “Treinamos, mas no final aprendemos muito mais com a prática. Chegamos à guerra com uma base sólida, mas sempre precisamos melhorar nossa forma de lutar e aprender ao longo do caminho.”
Para Álvaro, acompanhar a recuperação do filho no hospital foi um período longo e difícil, mas sua presença ao lado deles trouxe alívio. Nathan teve acesso, por parte do governo, a um amplo tratamento que incluiu fisioterapia, hidroterapia, terapia com psicóloga, academia, natação, musculação e até capoeira para alongar o corpo.
“A gente sempre fala sobre tudo pelo que passamos, como um capítulo de nossa vida. Falamos sobre o terrorismo, os medos, e tudo que nos tem acontecido”, conta Ben. “Sempre estou disposto a escutar e também a desabafar.”
Israel para sempre
O irmão mais novo estava a salvo. O mais velho, porém, ainda não tinha terminado. Em março de 2024, depois de atuar em Gaza, Ben foi chamado na frente norte, para lutar contra o Hezbollah.
“As batalhas ali são diferentes”, explica. “Em Gaza, os terroristas estão espalhados pelas construções, os ataques são urbanos, o que, por um lado, oferece abrigos e, por outro, aumenta o risco. No Líbano, o terreno é aberto, e o Hezbollah é muito mais equipado, com túneis fortificados e grande contingente.”
Nessas batalhas, Ben, que já completou essa outra missão, sentiu mais claramente por que escolheu viver em Israel: “O Hezbollah atacou até a Associação Israelita na Argentina, tirando a vida de dezenas [em 1994]. Eles têm uma cultura de terror que atinge o mundo todo. No momento em que estou combatendo, sinto que defendo não só o povo judeu e Israel, mas também o Brasil e o mundo livre”.
Ben e Nathan, ainda crianças, ouviam as histórias do pai e carregavam um ideal, que se mostrou verdadeiro nos momentos de tensão extrema. Mesmo sem nunca antes terem pisado em Israel. “Amo o Brasil, mas agora Israel é minha casa”, diz Ben. Depois de verem a morte de perto, os dois agora querem viver lá para sempre. Só quem é irmão entende isso de verdade.
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