“Subdesenvolvimento não se improvisa.
É obra de séculos.“
(Nelson Rodrigues)
A pimenta-do-reino teve tanta relevância na economia do planeta quanto o petróleo. É o produto mais comercializado, e por mais tempo, ao longo da história. Seu mercado anual é de quase US$ 6 bilhões. No passado, alcançou valor tão alto, a ponto de servir como moeda. Foi o “ouro negro”, antes do petróleo. A expressão “pagar em espécies” significa pagar em especiarias (pimenta). No século 12, quando os Cruzados conquistaram Cesareia na Palestina, receberam como recompensa 1 quilo de pimenta. Uma fortuna! Desde 2020, o Brasil é o segundo exportador mundial com mais de 86 mil toneladas. A produção, de 128 mil toneladas, cresce e ocupa mais de 41 mil hectares, explorados por 33 mil agricultores em 12 Estados. Em 2023, o valor da produção foi de R$ 1,7 bilhão. Ela é um dos caminhos para a sustentabilidade da agricultura na Amazônia.
Originária da Índia, sua introdução no Ocidente começou no mundo grego com a epopeia de Alexandre, o Grande, no século 4º a.C. Seu comércio entre a costa de Malabar e as civilizações do Mediterrâneo foi relatado por Teofrasto (372-287 a.C.). A especiaria era apreciada no Império Romano. Duas espécies eram consumidas: a pimenta-do-reino ou curta (Piper nigrum L.) e a pimenta-longa (Piper longum L.), da família Piperaceae. A ampla extensão desse comércio no tempo e no espaço deve-se a algo fundamental: grãos inteiros bem armazenados mantêm sabor e frescor por anos. Assim, permitiram longos períodos de transporte, do Oriente ao Ocidente.
O nome “pimenta” vem do sânscrito “pippali“, em grego é “πέπερι”/”péperi“, e em latim, “piper“. A pimenteira é uma trepadeira, cresce apoiada em árvores (ou estacas) e requer condições tropicais úmidas. Não é parente da pimenta-rosa, outro tempero, fruto da aroeira, nem das pimentas americanas (Capsicum), de sabor picante. A qualificação da pimenta como “do reino” (monopólio da Coroa) a diferenciou das “pimentas” indígenas após os Descobrimentos. E são muitas variedades de Capsicum: pimenta-de-cheiro, malagueta, dedo-de-moça, cambuci, murupi, cumari, americana, fidalga etc. Os portugueses levaram as pimentas ardentes do Brasil à Ásia. Foi um sucesso. Amplamente utilizadas, elas são características de cozinhas locais, como coreana e tai.
Ao contrário das Capsicum americanas, a pimenta-do-reino oferece mais aroma e menos ardência; adiciona sabor; estimula o apetite, a produção de saliva e sucos gástricos; auxilia a digestão (piperina); ajuda a absorver nutrientes; tem propriedades antioxidantes; não irrita mucosas; e evita a formação de gases (arrotos e flatulência). Há três tipos de pimenta-do-reino, por maturação e preparo: verde, preta e branca. Todas da mesma espécie.
A pimenta verde é colhida na primeira fase do amadurecimento do fruto, antes de formar o caroço. A colheita precoce lhe confere sabores de doce a picantes, frescos e vegetais, além de notas herbáceas. Sua roupagem verdejante é transmitida a molhos e pratos. Ao contrário da pimenta preta, a verde não libera tantos odores. Seu picante é leve e sutil. Suas notas gustativas e olfativas se desenvolvem no cozimento ou em marinadas. Nunca deve ser moída, como as outras pimentas.
A pimenta preta é colhida com fruto formado, antes da completa maturidade. Posto a secar, ele forma uma casca encarquilhada. Após secagem, deve ser ventilado para eliminar talos, pedaços de ramos e pimentas chochas. Esse “diamante negro” representa 82% do mercado das pimentas-do-reino. Em grãos inteiros ou moída na hora, com sabores e odores pronunciados, ela aporta profundidade e intensidade a ampla gama de pratos e embutidos. Seu valor gastronômico é inigualável.
A pimenta branca é colhida bem madura. A baga é colocada em água para macerar e facilitar a retirada da casca, preservando aromas e sabores. Por atrito entre grãos, são eliminadas casca e polpa, restando o caroço, liso e estriado. O grão final é secado. Possui sabor mais doce e fragrância mais acentuada e elegante, comparada à pimenta preta. Com maior valor de mercado, é muito utilizada na indústria de conservas.
O comércio mais intenso da pimenta teve início no ano 642, com a conquista de Alexandria, no Egito, pelos árabes. Barcos indianos, a maioria saindo de Calicute (Kozhikode), na Índia, navegavam com especiarias até Suez, por itinerários existentes desde o Império Romano. Dali o produto seguia para Alexandria. Após a Queda de Constantinopla, os venezianos ampliaram acordos de fornecimento exclusivo de especiarias com os árabes e monopolizaram esse comércio na Europa.
Durante a Reconquista, Portugal tornou-se uma potência. Por décadas, investiu e desenvolveu técnicas de navegação até descobrir uma nova rota marítima para a Índia. Em 1498, Vasco da Gama (1469-1524) se tornou o primeiro navegador europeu a chegar à Índia circum-navegando a África, pela ainda hoje chamada de “rota das especiarias”. Em Calicute, mercadores árabes perguntaram a seu mensageiro a razão da viagem. Ele teria dito: “Nós procuramos cristãos e pimenta”.
Afonso de Albuquerque (1452-1515), governador das Índias, criou um mare clausum português com fortalezas, feitorias e desarticulou o comércio árabe, otomano e hindu com Veneza. Por quase um século, Portugal teve o monopólio do comércio de especiarias, o mais rendoso do planeta. A tragédia da União Ibérica em 1580, com Portugal submetido ao jugo da Espanha, resultou num desastre econômico, na destruição do seu poderio naval e ultramarino, nas invasões holandesas e na perda de quase todo o comércio de pimenta para holandeses e ingleses.
No século 17, a pimenta começou a ser cultivada na Indonésia, Malásia e Sudeste Asiático. A expansão do comércio democratizou o consumo na Europa. O preço diminuiu consideravelmente. Nos séculos 18 e 19, grandes plantios em Java, Sumatra e Borneo possibilitaram à Índia Ocidental Holandesa o monopólio da exportação comercial. Nas primeiras décadas do século 19, holandeses controlavam 80% da pimenta-do-reino exportada.
Ela conquistou a cozinha europeia e a ocidental. É a especiaria mais consumida no planeta. No Magrebe, o consumo é de 250 g por habitante/ano. No Brasil é de 150 g; nos EUA, de 125 g; e na Europa, 60 g. Japoneses consomem 3 g. A Europa é o maior mercado mundial (19%), seguido pela América do Norte (15%), Índia (14%), China (12%), Oriente Médio (9%), África (7%) e Ásia (6%).
Os portugueses introduziram da Índia no Brasil duas variedades de pimenta-do-reino (Balankotta e Kaluvally), cultivadas em pomares domésticos. O plantio comercial só teve início com a introdução da cultivar Kuching, da Malásia, por imigrantes japoneses, em 1933. Os primeiros plantios comerciais surgiram em Tomé-Açu (Pará), se expandiram a outras localidades da Amazônia e depois ao Espírito Santo e à Bahia.
O Brasil se tornou autossuficiente em 1955. Houve expressiva expansão do cultivo na década de 1960, e hoje o país é o segundo exportador de pimenta-do-reino (15% do comércio global). Fica atrás apenas do Vietnã, cuja produção é de 272 mil toneladas e a exportação é de 196 mil toneladas (41% do comércio global).
De 2012 para 2021, as exportações de pimenta-do-reino aumentaram de US$ 191 milhões para US$ 306 milhões. Alemanha, EUA, Emirados Árabes Unidos e Egito são os principais importadores. O mercado árabe, com Emirados e Egito à frente, importa mais de 27 mil toneladas. De 2012 a 2021, as vendas aos Emirados aumentaram 57%, e ao Egito, 21%. O Marrocos também ampliou as importações.
A safra da pimenta-do-reino ocorre entre setembro e novembro. A produção é concentrada no Espírito Santo, Pará e Bahia. O Espírito Santo assegura 67% das exportações. Portugueses trouxeram a pimenta-do-reino ao Espírito Santo em 1818, com sementes da Índia, sem consequências econômicas. A expansão do cultivo só teve início na década de 1970, com o trabalho do agrônomo Danilo Milanez (†2003), da extinta Empresa Capixaba de Pesquisa Agropecuária. Ele estudou a pipericultura dos imigrantes japoneses no Pará, transferiu e adaptou inovações às condições capixabas, desde genética de plantas até técnicas avançadas de produção.
A pimenta-do-reino é relevante na balança comercial capixaba: são exportadas 52 mil toneladas para 77 países (US$ 183 milhões). Dos 12 mil pipericultores, 76% são pequenos (11% dos agricultores capixabas). A área cultivada, em crescimento, é de 20 mil hectares. A produção é de 78 mil toneladas, e a produtividade média é de 3.956 kg/ha, quase o dobro do Pará (2.148 kg/ha). Ela está presente em 45 municípios: São Mateus (35% da produção), Jaguaré (12%), Vila Valério (9,8%), Rio Bananal (8%) e Nova Venécia (5,6%). E é uma alternativa para diversificar sistemas de produção no café e na fruticultura. No médio prazo há desafios ao seu crescimento (dimensão da região favorável e produto economicamente inelástico).
No Pará, o cultivo foi introduzido por imigrantes japoneses no começo do século 20. Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa, estudou, de forma circunstanciada, essa história em A Civilização da Pimenta-do-Reino na Amazônia. Presente em 79 municípios paraenses, a produção é de 40 mil toneladas em 18 mil hectares (R$ 471 milhões em 2022). Entre os principais estão Tomé-Açu, com 4,8 mil toneladas (11,4% da produção paraense), Igarapé-Açu, Baião, Capitão Poço, Cametá e Acará. O Pará é o segundo produtor nacional, depois de ter sido o primeiro até 2018.
Esse declínio da produção paraense está ligado ao processo de repressão ambientalista e trabalhista à expansão do cultivo. A pimenta necessita de estacas de madeira dura para apoiar seu crescimento. Caminhões levando estacas passaram a ser apreendidos por órgãos ambientais, com multas por abertura de áreas ou queimadas, num contexto de difícil regularização ambiental dessas atividades entre pequenos agricultores. Para substituir o uso de estacas de madeira, os pesquisadores Yukihisa Ishizuka e Armando Kouzo Kato (1949-2000) introduziram, da República Dominicana, a gliricídia, árvore leguminosa, para servir de tutor vivo à pimenta-do-reino. Solução parcial para alguns.
O cultivo é intensivo em mão de obra, sobretudo na colheita. Produtores tiveram dificuldades em atender às novas exigências da legislação trabalhista e regularizar trabalhadores temporários, às vezes mulheres e menores. Além das multas, a mão de obra rural tornou-se cada vez mais escassa, em razão da resistência a aceitar registro em carteira, para não perder benefícios de programas assistencialistas, como o Bolsa Família. Soma-se a isso um quadro geral de declínio da população rural, pela diminuição do número de filhos e pela migração às cidades.
A impossibilidade de mecanizar a colheita afastou parte dos médios e grandes produtores. Limitada cada vez mais a pequenos agricultores, pouco capitalizados, o cultivo é praticado sem o uso adequado de tecnologias. A expansão de doenças, como fusariose, terminaram por reduzir a produtividade e o ciclo produtivo das plantas de 15 para 8 anos, gerando expansão e declínio da pimenta em sucessivos municípios.
A pimenta-do-reino é uma planta exótica. Não veio da biodiversidade amazônica, nem de povos originários. Seu desenvolvimento por imigrantes japoneses no Pará deu início à era da adubação, dos NPKs e da mecanização agrícola na Amazônia. Mais da metade da produção vem de pequenos agricultores. Eles não são avessos a inovações, quando têm preço remunerador e mercado. É possível aumentar a produtividade e aproveitar áreas degradadas, com um produto de alta densidade de renda. Eles podem complementar a safra capixaba e não perder a capacidade da oferta desse produto.
Para a COP30, em Belém, predominam para a Amazônia propostas focadas no atraso: extrativismo florestal, reiteradamente fracassado; retorno a “práticas, saberes, fazeres e poéticas”, do Neolítico; criação de “redes de intenções, relações, conhecimentos e narrativas”, biocêntricas e antropofóbicas. Ou, ainda, as pautas descarbonizantes, impostas por países desenvolvidos, grandes emissores de CO₂, e logo assumidas por aqui, seguindo o tradicional “complexo de vira-lata”. Subdesenvolvimento não se improvisa mesmo.
A pimenta-do-reino é um dos exemplos do verdadeiro desenvolvimento sustentável, passível de ser promovido pelo agro na Amazônia, como o plantio intensivo de açaí, dendê, cacau ou grãos. Temas agrícolas concretos como esses não estarão em debate na COP30, em Belém. Mais de 1 milhão de produtores rurais, sem voz, serão ignorados. Ao eugenismo ambientalista e ao imperialismo internacional não interessa o futuro da população, nem dos agricultores amazônicos, quanto mais o dos pipericultores. Se conseguirem internacionalizar a soberania da Amazônia e congelar ainda mais seu desenvolvimento, aí, sim, o Brasil terá um enorme passado pela frente, como vaticinava Millôr Fernandes. Para esses “especialistas”, movidos a dólares, pimenta nos olhos dos outros é refresco.
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