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Grãos de pimenta-do-reino | Foto: Shutterstock
Edição 244

Pimenta-do-reino para temperar a COP30

Ela é um dos caminhos para a sustentabilidade da agricultura na Amazônia — mas isso não estará em debate na COP30

Evaristo de Miranda
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“Subdesenvolvimento não se improvisa.
É obra de séculos.
(Nelson Rodrigues)

A pimenta-do-reino teve tanta relevância na economia do planeta quanto o petróleo. É o produto mais comercializado, e por mais tempo, ao longo da história. Seu mercado anual é de quase US$ 6 bilhões. No passado, alcançou valor tão alto, a ponto de servir como moeda. Foi o “ouro negro”, antes do petróleo. A expressão “pagar em espécies” significa pagar em especiarias (pimenta). No século 12, quando os Cruzados conquistaram Cesareia na Palestina, receberam como recompensa 1 quilo de pimenta. Uma fortuna! Desde 2020, o Brasil é o segundo exportador mundial com mais de 86 mil toneladas. A produção, de 128 mil toneladas, cresce e ocupa mais de 41 mil hectares, explorados por 33 mil agricultores em 12 Estados. Em 2023, o valor da produção foi de R$ 1,7 bilhão. Ela é um dos caminhos para a sustentabilidade da agricultura na Amazônia.

Originária da Índia, sua introdução no Ocidente começou no mundo grego com a epopeia de Alexandre, o Grande, no século 4º a.C. Seu comércio entre a costa de Malabar e as civilizações do Mediterrâneo foi relatado por Teofrasto (372-287 a.C.). A especiaria era apreciada no Império Romano. Duas espécies eram consumidas: a pimenta-do-reino ou curta (Piper nigrum L.) e a pimenta-longa (Piper longum L.), da família Piperaceae. A ampla extensão desse comércio no tempo e no espaço deve-se a algo fundamental: grãos inteiros bem armazenados mantêm sabor e frescor por anos. Assim, permitiram longos períodos de transporte, do Oriente ao Ocidente.

O nome “pimenta” vem do sânscrito “pippali“, em grego é “πέπερι”/”péperi“, e em latim, “piper“. A pimenteira é uma trepadeira, cresce apoiada em árvores (ou estacas) e requer condições tropicais úmidas. Não é parente da pimenta-rosa, outro tempero, fruto da aroeira, nem das pimentas americanas (Capsicum), de sabor picante. A qualificação da pimenta como “do reino” (monopólio da Coroa) a diferenciou das “pimentas” indígenas após os Descobrimentos. E são muitas variedades de Capsicum: pimenta-de-cheiro, malagueta, dedo-de-moça, cambuci, murupi, cumari, americana, fidalga etc. Os portugueses levaram as pimentas ardentes do Brasil à Ásia. Foi um sucesso. Amplamente utilizadas, elas são características de cozinhas locais, como coreana e tai.

Ao contrário das Capsicum americanas, a pimenta-do-reino oferece mais aroma e menos ardência; adiciona sabor; estimula o apetite, a produção de saliva e sucos gástricos; auxilia a digestão (piperina); ajuda a absorver nutrientes; tem propriedades antioxidantes; não irrita mucosas; e evita a formação de gases (arrotos e flatulência). Há três tipos de pimenta-do-reino, por maturação e preparo: verde, preta e branca. Todas da mesma espécie.

Grãos de cores variadas de pimenta-do-reino | Foto: Shutterstock

A pimenta verde é colhida na primeira fase do amadurecimento do fruto, antes de formar o caroço. A colheita precoce lhe confere sabores de doce a picantes, frescos e vegetais, além de notas herbáceas. Sua roupagem verdejante é transmitida a molhos e pratos. Ao contrário da pimenta preta, a verde não libera tantos odores. Seu picante é leve e sutil. Suas notas gustativas e olfativas se desenvolvem no cozimento ou em marinadas. Nunca deve ser moída, como as outras pimentas.

A pimenta preta é colhida com fruto formado, antes da completa maturidade. Posto a secar, ele forma uma casca encarquilhada. Após secagem, deve ser ventilado para eliminar talos, pedaços de ramos e pimentas chochas. Esse “diamante negro” representa 82% do mercado das pimentas-do-reino. Em grãos inteiros ou moída na hora, com sabores e odores pronunciados, ela aporta profundidade e intensidade a ampla gama de pratos e embutidos. Seu valor gastronômico é inigualável.

A pimenta branca é colhida bem madura. A baga é colocada em água para macerar e facilitar a retirada da casca, preservando aromas e sabores. Por atrito entre grãos, são eliminadas casca e polpa, restando o caroço, liso e estriado. O grão final é secado. Possui sabor mais doce e fragrância mais acentuada e elegante, comparada à pimenta preta. Com maior valor de mercado, é muito utilizada na indústria de conservas.

O comércio mais intenso da pimenta teve início no ano 642, com a conquista de Alexandria, no Egito, pelos árabes. Barcos indianos, a maioria saindo de Calicute (Kozhikode), na Índia, navegavam com especiarias até Suez, por itinerários existentes desde o Império Romano. Dali o produto seguia para Alexandria. Após a Queda de Constantinopla, os venezianos ampliaram acordos de fornecimento exclusivo de especiarias com os árabes e monopolizaram esse comércio na Europa.

Durante a Reconquista, Portugal tornou-se uma potência. Por décadas, investiu e desenvolveu técnicas de navegação até descobrir uma nova rota marítima para a Índia. Em 1498, Vasco da Gama (1469-1524) se tornou o primeiro navegador europeu a chegar à Índia circum-navegando a África, pela ainda hoje chamada de “rota das especiarias”. Em Calicute, mercadores árabes perguntaram a seu mensageiro a razão da viagem. Ele teria dito: “Nós procuramos cristãos e pimenta”.

Retrato de Vasco da Gama, por António Manuel da Fonseca | Foto: Reprodução

Afonso de Albuquerque (1452-1515), governador das Índias, criou um mare clausum português com fortalezas, feitorias e desarticulou o comércio árabe, otomano e hindu com Veneza. Por quase um século, Portugal teve o monopólio do comércio de especiarias, o mais rendoso do planeta. A tragédia da União Ibérica em 1580, com Portugal submetido ao jugo da Espanha, resultou num desastre econômico, na destruição do seu poderio naval e ultramarino, nas invasões holandesas e na perda de quase todo o comércio de pimenta para holandeses e ingleses.

No século 17, a pimenta começou a ser cultivada na Indonésia, Malásia e Sudeste Asiático. A expansão do comércio democratizou o consumo na Europa. O preço diminuiu consideravelmente. Nos séculos 18 e 19, grandes plantios em Java, Sumatra e Borneo possibilitaram à Índia Ocidental Holandesa o monopólio da exportação comercial. Nas primeiras décadas do século 19, holandeses controlavam 80% da pimenta-do-reino exportada.

Ela conquistou a cozinha europeia e a ocidental. É a especiaria mais consumida no planeta. No Magrebe, o consumo é de 250 g por habitante/ano. No Brasil é de 150 g; nos EUA, de 125 g; e na Europa, 60 g. Japoneses consomem 3 g. A Europa é o maior mercado mundial (19%), seguido pela América do Norte (15%), Índia (14%), China (12%), Oriente Médio (9%), África (7%) e Ásia (6%).

Os portugueses introduziram da Índia no Brasil duas variedades de pimenta-do-reino (Balankotta e Kaluvally), cultivadas em pomares domésticos. O plantio comercial só teve início com a introdução da cultivar Kuching, da Malásia, por imigrantes japoneses, em 1933. Os primeiros plantios comerciais surgiram em Tomé-Açu (Pará), se expandiram a outras localidades da Amazônia e depois ao Espírito Santo e à Bahia.

Plantação de pimenta-do-reino no Brasil | Foto: Maykcon Maciel/Shutterstock

O Brasil se tornou autossuficiente em 1955. Houve expressiva expansão do cultivo na década de 1960, e hoje o país é o segundo exportador de pimenta-do-reino (15% do comércio global). Fica atrás apenas do Vietnã, cuja produção é de 272 mil toneladas e a exportação é de 196 mil toneladas (41% do comércio global).

De 2012 para 2021, as exportações de pimenta-do-reino aumentaram de US$ 191 milhões para US$ 306 milhões. Alemanha, EUA, Emirados Árabes Unidos e Egito são os principais importadores. O mercado árabe, com Emirados e Egito à frente, importa mais de 27 mil toneladas. De 2012 a 2021, as vendas aos Emirados aumentaram 57%, e ao Egito, 21%. O Marrocos também ampliou as importações.

A safra da pimenta-do-reino ocorre entre setembro e novembro. A produção é concentrada no Espírito Santo, Pará e Bahia. O Espírito Santo assegura 67% das exportações. Portugueses trouxeram a pimenta-do-reino ao Espírito Santo em 1818, com sementes da Índia, sem consequências econômicas. A expansão do cultivo só teve início na década de 1970, com o trabalho do agrônomo Danilo Milanez (†2003), da extinta Empresa Capixaba de Pesquisa Agropecuária. Ele estudou a pipericultura dos imigrantes japoneses no Pará, transferiu e adaptou inovações às condições capixabas, desde genética de plantas até técnicas avançadas de produção.

Os grãos de pimenta-do-reino são secos ao sol e colocados em uma bandeja | Foto: Shutterstock

A pimenta-do-reino é relevante na balança comercial capixaba: são exportadas 52 mil toneladas para 77 países (US$ 183 milhões). Dos 12 mil pipericultores, 76% são pequenos (11% dos agricultores capixabas). A área cultivada, em crescimento, é de 20 mil hectares. A produção é de 78 mil toneladas, e a produtividade média é de 3.956 kg/ha, quase o dobro do Pará (2.148 kg/ha). Ela está presente em 45 municípios: São Mateus (35% da produção), Jaguaré (12%), Vila Valério (9,8%), Rio Bananal (8%) e Nova Venécia (5,6%). E é uma alternativa para diversificar sistemas de produção no café e na fruticultura. No médio prazo há desafios ao seu crescimento (dimensão da região favorável e produto economicamente inelástico).

No Pará, o cultivo foi introduzido por imigrantes japoneses no começo do século 20. Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa, estudou, de forma circunstanciada, essa história em A Civilização da Pimenta-do-Reino na Amazônia. Presente em 79 municípios paraenses, a produção é de 40 mil toneladas em 18 mil hectares (R$ 471 milhões em 2022). Entre os principais estão Tomé-Açu, com 4,8 mil toneladas (11,4% da produção paraense), Igarapé-Açu, Baião, Capitão Poço, Cametá e Acará. O Pará é o segundo produtor nacional, depois de ter sido o primeiro até 2018.

Esse declínio da produção paraense está ligado ao processo de repressão ambientalista e trabalhista à expansão do cultivo. A pimenta necessita de estacas de madeira dura para apoiar seu crescimento. Caminhões levando estacas passaram a ser apreendidos por órgãos ambientais, com multas por abertura de áreas ou queimadas, num contexto de difícil regularização ambiental dessas atividades entre pequenos agricultores. Para substituir o uso de estacas de madeira, os pesquisadores Yukihisa Ishizuka e Armando Kouzo Kato (1949-2000) introduziram, da República Dominicana, a gliricídia, árvore leguminosa, para servir de tutor vivo à pimenta-do-reino. Solução parcial para alguns.

O cultivo é intensivo em mão de obra, sobretudo na colheita. Produtores tiveram dificuldades em atender às novas exigências da legislação trabalhista e regularizar trabalhadores temporários, às vezes mulheres e menores. Além das multas, a mão de obra rural tornou-se cada vez mais escassa, em razão da resistência a aceitar registro em carteira, para não perder benefícios de programas assistencialistas, como o Bolsa Família. Soma-se a isso um quadro geral de declínio da população rural, pela diminuição do número de filhos e pela migração às cidades.

A impossibilidade de mecanizar a colheita afastou parte dos médios e grandes produtores. Limitada cada vez mais a pequenos agricultores, pouco capitalizados, o cultivo é praticado sem o uso adequado de tecnologias. A expansão de doenças, como fusariose, terminaram por reduzir a produtividade e o ciclo produtivo das plantas de 15 para 8 anos, gerando expansão e declínio da pimenta em sucessivos municípios.

A pimenta-do-reino é uma planta exótica. Não veio da biodiversidade amazônica, nem de povos originários. Seu desenvolvimento por imigrantes japoneses no Pará deu início à era da adubação, dos NPKs e da mecanização agrícola na Amazônia. Mais da metade da produção vem de pequenos agricultores. Eles não são avessos a inovações, quando têm preço remunerador e mercado. É possível aumentar a produtividade e aproveitar áreas degradadas, com um produto de alta densidade de renda. Eles podem complementar a safra capixaba e não perder a capacidade da oferta desse produto.

Para a COP30, em Belém, predominam para a Amazônia propostas focadas no atraso: extrativismo florestal, reiteradamente fracassado; retorno a “práticas, saberes, fazeres e poéticas”, do Neolítico; criação de “redes de intenções, relações, conhecimentos e narrativas”, biocêntricas e antropofóbicas. Ou, ainda, as pautas descarbonizantes, impostas por países desenvolvidos, grandes emissores de CO₂, e logo assumidas por aqui, seguindo o tradicional “complexo de vira-lata”. Subdesenvolvimento não se improvisa mesmo.

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A pimenta-do-reino é um dos exemplos do verdadeiro desenvolvimento sustentável, passível de ser promovido pelo agro na Amazônia, como o plantio intensivo de açaí, dendê, cacau ou grãos. Temas agrícolas concretos como esses não estarão em debate na COP30, em Belém. Mais de 1 milhão de produtores rurais, sem voz, serão ignorados. Ao eugenismo ambientalista e ao imperialismo internacional não interessa o futuro da população, nem dos agricultores amazônicos, quanto mais o dos pipericultores. Se conseguirem internacionalizar a soberania da Amazônia e congelar ainda mais seu desenvolvimento, aí, sim, o Brasil terá um enorme passado pela frente, como vaticinava Millôr Fernandes. Para esses “especialistas”, movidos a dólares, pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Leia também “Iogurte e ilegalização do desmatamento”

9 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Doutor Evaristo de Miranda é uma enciclopédia quando o assunto é agro.
    Artigo impecável.

  2. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Caramba, até pimenta do reino o professor Evaristo nos ensina. Parabéns

  3. Waldyr Gonçalves Junior
    Waldyr Gonçalves Junior

    Criei vergonha e assinei a Oeste. Finalmente.
    Comecei a pensar em assinar depois de conhecer um colunista.
    Muito simpático e erudito, contou-me belas estórias. Uma delas sobre um antigo agrônomo árabe, autor de um grande tratado.
    Ficou surpreso em saber que exporto pimenta-do-reino e me fez várias perguntas.
    Semanas depois dei de cara com um artigo dele sobre a dita cuja. Completo, cheio de pesquisa e num estilo impecável, sua marca registrada.
    Senti-me lisonjeado em “suspeitar” ter ajudado a inspirá-lo. Não tive mais dúvidas. Assinei logo.

  4. Wagner Destro
    Wagner Destro

    Parabéns pelo artigo, Evaristo. Excelente!!!!

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Informações valiosas. Curioso a origem do termo dinheiro em espécie…

  6. Eduardo Augusto Locks
    Eduardo Augusto Locks

    no ponto

  7. Leonardo de Almeida Queiroz
    Leonardo de Almeida Queiroz

    Professor Evaristo, eu acrescentaria ao seu sempre brilhante( no conteúdo e na forma literária) artigo a relevancia da atuação da Emater-ES e o descaso dessa importante parceira do desenvolvimento do setor rural no estado do Pará.

  8. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Evaristo você tá escalado pra ser o titular da pasta da agricultura e desenvolvimento agropecuário, em 2027

  9. Paulo Ferreira
    Paulo Ferreira

    Sempre uma lição deliciosa nos seus artigos. Obrigado!

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