Cumprir agendas diárias extenuantes, ler processos kafkianos absurdos e conviver com o medo de exercer a profissão. Essa é a realidade da advogada Carolina Siebra, que defende réus do 8 de janeiro nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela atua nos casos desde quando as autoridades prenderam milhares de manifestantes no Quartel-General de Brasília, um dia depois do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Carolina começou atendendo a um cliente e, hoje, cuida de quase 30. Para dar conta de tudo, deixou o escritório onde trabalhava e passou a se dedicar exclusivamente aos manifestantes, na capital federal, em um negócio próprio. Por isso, ela conhece bem o martírio das vidas suspensas no purgatório dos inocentes, além das inúmeras violações de prerrogativas cometidas pelo STF contra vários de seus colegas de ofício.
A ideia de trabalhar apenas com os manifestantes veio quando se deu conta da complexidade das ações, e de que precisaria de bastante tempo para elaborar defesas bem-feitas. “Nunca vi nada parecido no Direito nos quase dez anos de profissão”, garantiu. “Não tem nada a ver com aquilo que aprendi.” Quando se depara com algum absurdo, Carolina consulta juristas e ex-professores da época de faculdade, a fim de ter certeza de que não está errada ou enlouquecendo aos poucos. “É tudo kafkiano, do começo ao fim”, constatou. Carolina se refere às condenações do STF, aos votos do ministro Alexandre de Moraes e às denúncias genéricas oferecidas pelo Ministério Público Federal (MPF).
Em um dos casos, a advogada disse que se sentiu perseguida, em virtude de uma foto sua ter sido colocada no processo. Para acusar uma manifestante de estar descumprindo medidas cautelares, o gabinete do ministro informou que a mulher estava usando redes sociais, apesar de ela ter tirado tudo do ar depois de sair da cadeia. Todavia, o post em questão era da mãe da presa do 8 de janeiro, que tem o mesmo nome da filha. Entre vários posts, a Corte escolheu um que mostrava uma imagem de Carolina, com uma legenda de agradecimento abaixo escrita pela mãe da manifestante. “Pedi ao STF para tirar aquilo do processo porque estava tudo errado”, garantiu Carolina. “Hoje, não temos segurança para nada. Podemos estar em investigações sigilosas no STF, sem ao menos saber disso.” Em nenhum momento Carolina recebeu apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A conduta da Ordem, em relação ao 8 de janeiro, tem sido pela punição severa. Tramita na OAB um processo disciplinar contra advogados presos no protesto que ainda não terminou. O desfecho pode acarretar perda da carteira que permite ao profissional trabalhar.
“Nos sentimos órfãos da OAB”, acrescentou Ezequiel Silveira, que também cuida de processos do 8 de janeiro. “Em meio a tantos abusos, a Ordem nada faz.” Segundo o advogado, a “sensação de medo é presente o tempo todo”. Silveira revelou que uma colega de profissão chegou a ser presa por atuar nos casos. “Sabemos que o STF não respeita lei nenhuma e, se precisar perseguir advogados, ele o fará”, disse. “Embora temerosos, vamos continuar.”
Sem direito de defesa
Uma das arbitrariedades que assustaram Carolina logo no início foi o sigilo de processos (alguns deles, físicos), o que impede as defesas de terem conhecimento total das acusações e eventuais provas colhidas nas investigações. “Temos trabalhado boa parte do tempo no escuro”, observou. A advogada lembrou ainda das sustentações orais, que passaram a ocorrer em um ambiente virtual do STF depois de uma declaração do ex-desembargador Sebastião Coelho, em vez de presencialmente, como determina a legislação. Os advogados tiveram de gravar vídeos de até dez minutos e enviá-los a um sistema eletrônico, sem poder ficar cara a cara com os juízes. Há relatos de um advogado que, minutos depois de postar a sustentação oral, recebeu a decisão de Moraes tornando réus dezenas de manifestantes, o que leva a crer que os auxiliares do gabinete do ministro nem sequer assistiram às peças. Não bastasse isso, Moraes cerceia ainda mais o direito de defesa ao não receber os advogados dos presos na sede da Corte.
Esse modus operandi desrespeitoso se repete com a não apreciação de documentos relevantes, como pedidos de liberdade condicional com base em laudos médicos e alertas sobre problemas de saúde e familiares. São dificuldades enfrentadas também pelo advogado Hélio Júnior, notório por cuidar do processo de Débora dos Santos, conhecida por escrever a frase “perdeu, mané”, com batom, na Estátua da Justiça, em frente ao STF. A mulher ficou presa por mais de um ano sem denúncia formal da Procuradoria-Geral da República (PGR), apesar dos avisos do advogado. Apenas após reportagem da Revista Oeste é que a PGR decidiu acusar a mulher à Justiça. Além disso, Moraes tem rejeitado inúmeros pedidos de Júnior pela soltura da cabeleireira de 38 anos, em virtude de ela ter dois filhos menores de idade.
“Desde a detenção dos réus, temos observado uma série de abusos e irregularidades”, constatou Júnior, que já monitorou aproximadamente 150 casos do 8 de janeiro. “A dona Nilma Lacerda é um exemplo. O ministro André Mendonça mandou realizar sessões presenciais no plenário, desde 2 de outubro de 2023. No entanto, até o momento, Moraes não fixou um cronograma para isso, o que configura uma omissão prejudicial à defesa e à transparência, além de prolongar a agonia do preso.” De acordo com Júnior, “é urgente restabelecer, no país, o respeito às prerrogativas dos advogados e ao Estado Democrático de Direito. A justiça deve ser garantida a todos, independentemente da pessoa”.
Esses abusos se estendem aos processos sob os cuidados de Silvia Giraldelli e Robson Dupim. Juntos, eles cuidam de um dos casos mais emblemáticos do 8 de janeiro: o do autista Jean da Silva, de 28 anos. O mato-grossense de Juara (a mais de 600 quilômetros da capital, Cuiabá) ficou seis meses preso na Papuda, mesmo com diversos apelos da defesa, que comunicou a Moraes a respeito das condições do jovem. Apenas com um laudo médico mais robusto é que o ministro soltou o autista, em julho de 2023, porém, acorrentado a uma tornozeleira que usa até hoje. Desde fevereiro, Moraes não analisa o parecer da PGR em prol da absolvição de Silva, por inimputabilidade.
Uma das dificuldades relatadas por Giraldelli e Dupim é ter de lidar com o emocional abalado das famílias. Além de advogados, eles acabam tendo de atuar como psicólogos em alguns momentos. Silvia se recorda da situação praticamente desumana que os presos enfrentaram nos primeiros dias, e que deixou traumas nas pessoas. “A comida cheirava muito mal e tinha aspecto ruim”, lembrou Silvia. “Eram os advogados que providenciavam os kits com alimento diferenciado e faziam o trabalho de separar produtos de higiene, como creme dental e xampu em recipientes próprios, que poderiam chegar até os presos.”
A necessidade de amparo psicológico foi sentida pela advogada Gabriela Ritter, presidente da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav), que presta assistência aos envolvidos na manifestação. Criada em 28 de abril do ano passado, a Asfav ajuda as famílias com apoio emocional. “Conseguimos criar uma equipe bem diversa e que se mantém até agora, com psicólogos, terapeutas, médicos e advogados”, disse. “Há bastante gente unida.”
Apelo internacional
Por não terem a quem recorrer no Brasil, em virtude de o STF ser a última instância e a que está condenando todos os manifestantes, os advogados dos presos têm atuado no exterior. Em maio deste ano, advogados da Asfav levaram ao Congresso Nacional dos Estados Unidos denúncias das arbitrariedades e das violações de direitos humanos praticadas pelo STF, que culminaram na morte do empresário Cleriston da Cunha, o Clezão. Em um relatório entregue ao deputado republicano Chris Smith, a Asfav citou até mesmo a detenção de menores de idade. “As evidências nos registros, incluindo vídeos e depoimentos de testemunhas, mostram que a maioria dos manifestantes não participou dos atos de vandalismo, e muitos até tentaram impedir as depredações”, afirma trecho do documento. “Apesar disso, o STF ignorou essas evidências, optando por condenar de forma generalizada.”
Em outras ocasiões, a Asfav criticou as penas determinadas pelo STF. “Os réus, que são majoritariamente idosos e sem nenhum registro penal, foram condenados, sem provas, a penas desproporcionais, chegando a 17 anos de prisão, sob a acusação de tentativa de golpe de Estado, crime impossível de ser cometido por pessoas idosas e desarmadas”, observa a associação. “Moraes e a maioria dos outros juízes do STF usaram agravantes sem previsão legal, como o que chamamos de ‘crime de live‘, para aumentar as sentenças de quem gravou vídeos no ato.”
Esforços no Parlamento
No Brasil, há uma trincheira no Parlamento. Advogados dos presos do 8 de janeiro têm se articulado em prol dos manifestantes. Um deles é Claudio Caivano, responsável pelo rascunho do Projeto de Lei (PL) da Anistia apresentado pelos deputados federais Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Mário Frias (PL-SP). De acordo com Caivano, as assessorias jurídicas de ambos melhoraram o texto. No fim das negociações, contudo, a oposição acabou optando pelo texto do deputado Major Vitor Hugo (PL-GO). De todo modo, a atuação pela aprovação do perdão continua.
Assim como outros advogados, Caivano enfrentou dificuldades por defender os manifestantes. O advogado chegou a ser impedido de frequentar sessões na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde se discutia o PL. Segundo Caivano, o ato partiu de um deputado do MDB. “Estou impedido de entrar desde outubro”, contou o advogado. “Não tive acesso a nada. Simplesmente, minha entrada foi restrita. Durante uma audiência pública, em maio de 2023, eu disse no Parlamento que não há mais democracia no Brasil.” Se deputados e senadores da direita não encerrarem, de uma vez por todas, a agonia dos presos com a aprovação do Projeto de Lei, estarão demonstrando que a ditadura da toga, cada vez mais atuante, acabou também com a democracia na Casa do Povo.
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Todos os ditadores tiveram um fim horrendo. A história tende a se repetir.
Esses canalhas do stf, principalmente o F D P do Alexandre de Moraes, bem como o Lira outro F D P, e o Pachequinho, um salafrário da pior espécie, ainda vão ter o retorno que merecem. Lixos humanos.
Cristyan sempre traz excelentes matérias que necessitam vir a tona. Parabéns Cristyan.
Fecha essa côrte de ladrão e bota essa OAB na cadeia
O texto confirma que estamos em plena ditadura comunista com bastante terror, maldades, mortes, crueldades contra todos da oposição a este governo comunista.
Nossa frágil democracia caminha para sua extinção caso o Senado não assuma de seu papel de representantes da sociedade.
Sim esses presos do oito de janeiro foram deixados nas prisões para serem esquecidos, torturados e destruídos emocionalmente juntamente com suas famílias. Mas não foram esquecidos pela mídia independente que atualiza semanalmente suas histórias de vida e as atrocidades por eles vividas.Uma das atrocidades que presenciei,foi de Alexandre de Moraes,com sua colega Rosa Weber elogiando a refeição dada aos presos:”nada a reclamar “.