A economia do mundo real é movimentada por uma infinidade de ações nos mercados, um conjunto imenso de escolhas individuais voluntárias que os agentes econômicos fazem ao longo do tempo, geralmente em condições de incerteza genuína ou subjetiva, ou seja, em meio a dúvidas não passíveis de associação com probabilidades numéricas. Cada ação reflete sempre o desejo de passar para um estado mais satisfatório do que o existente no momento em que a escolha é feita e, como ninguém age com o intuito de ficar menos satisfeito do que está, todas as decisões durante nossa vida são tomadas na suposição óbvia de que serão as mais adequadas, de acordo com a avaliação feita naquele instante, para aumentarem a nossa utilidade, e é claro que somente o decorrer do tempo será capaz de mostrar se nossas escolhas foram eficientes ou não.
Portanto, ao agirmos, levamos em conta, além dos fatores objetivos relevantes conhecidos, as nossas expectativas quanto ao comportamento futuro desses fatores. Em outras palavras, ao tomarmos uma decisão, é importante levarmos em conta, além dos dados históricos que descrevem eventos passados e os que mostram o estágio atual desses eventos, também as nossas expectativas quanto ao seu comportamento futuro.
Essa influência das avaliações referentes a dados previstos para o futuro é aplicável a diversas variáveis econômicas, entre elas a determinação dos preços. Como nos ensinou o economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973) em seu monumental tratado Ação Humana, os preços dos diversos bens e serviços ou são dados históricos referentes a eventos passados ou são tentativas de antecipação de eventos futuros. E completou:
“Historiadores e estatísticos se interessam pelos preços passados. O homem, na prática, concentra seu interesse nos preços do futuro, mesmo que seja o futuro imediato do próximo mês, dia ou hora. Para ele, os preços passados representam meramente uma ajuda para antecipar preços futuros. Não só nos seus cálculos preliminares quanto ao possível resultado da ação planejada, como também no seu desejo de avaliar o resultado de suas transações anteriores, o que lhe interessa, sobretudo, são os preços futuros.”
Isso sugere que, ao tomarem decisões, os agentes econômicos olham para as condições que prevaleceram no passado, para as características do que está acontecendo no presente e para as expectativas que nutrem quanto ao futuro. Se você, por exemplo, vai fazer uma longa caminhada a pé, olha para o céu e observa que existe uma boa probabilidade de chuva e lembra-se daquela última vez que choveu, quando, ao sair para caminhar, não teve o cuidado de levar um guarda-chuva e por isso acabou ensopado, então é natural que agora vá sair de casa preparado ou adiar a caminhada para quando não houver previsão de chuva. Da mesma forma, se você é um vendedor e acha que o seu fornecedor vai aumentar os preços, pode antecipar a sua compra ou aumentar o preço da mercadoria que você vende. Ou, ainda, se possui ações de uma empresa que julga que vai quebrar, trata de vendê-las antes que isso aconteça. É assim que as coisas costumam acontecer na vida e também na economia. Quem consegue “adivinhar” o futuro, formando as expectativas corretas e agindo de acordo com o que prevê, certamente faz escolhas no presente que lhe trarão vantagens no futuro. Resumindo tudo o que escrevi: expectativas são importantes, e muito importantes.
Tomemos o caso da inflação de preços. Um resultado teórico importante — e aplicável à economia do dia a dia — nos diz que a inflação atual depende não só da política monetária que o Banco Central está executando no presente, mas também da expectativa de como a política monetária será conduzida no futuro. Por sua vez, essa expectativa quanto à política monetária futura que formamos no presente depende do estado atual das contas do governo e da expectativa que temos no presente sobre o estado futuro dessas contas.
Ou seja, precisamos olhar não só para o que o Banco Central vem fazendo, mas também para o que achamos que ele vai fazer mais adiante. Da mesma maneira, não basta olhar para a situação atual das contas públicas, é preciso também avaliar a sua situação futura. Sob essa ótica e pensando no Brasil de hoje, infelizmente é impossível vislumbrar boas notícias. Pelo contrário, aludindo à comparação feita linhas acima, parece bastante óbvio que, primeiro, ao olharmos para o céu não enxergamos nada azul, risonho e límpido, mas tudo cinzento, sisudo e turvo e, segundo, que não temos guarda-chuva.
Há, então, quatro elementos a serem analisados para chegarmos a essa conclusão: (1) a política monetária atual; (2) a expectativa quanto à política monetária futura; (3) o déficit público atual; e (4) a expectativa quanto ao déficit público futuro. Isso nos mostra a importância de existir coordenação entre o Banco Central e os responsáveis pela política fiscal. Olhando para cada um desses quatro elementos, é fácil constatar que apenas o primeiro — a política monetária que o Banco Central está executando — está atendendo, por enquanto, ao desejável. Os outros três estão apontando para um aumento da inflação de preços.
O primeiro desses três é a expectativa quanto à política monetária futura. Ora, a partir de janeiro o Banco Central terá um novo presidente, um economista com uma visão muito diferente da que possui o dirigente atual. Embora alguns analistas do mercado financeiro (entre os quais muitos que apoiaram Lula em 2022 e hoje se fazem de “surpresos”) venham afirmando que o risco da economia a partir de 2025 não será o Banco Central, trata-se de um “desenvolvimentista”, alinhado politicamente com o governo, um economista de esquerda (dois atributos que — segundo um velho colega, sempre irônico — são contraditórios, uma vez que, como gosta de dizer, ou alguém é economista ou é de esquerda). Isso significa, simplesmente, que é muita ingenuidade esperar da autoridade monetária um comportamento compatível com a estabilidade de preços a partir do próximo ano. Parece bem mais razoável apostar em um Banco Central “bonzinho”, despreocupado com a inflação e empenhado em manter a taxa de juros baixa para “estimular o crescimento”. Em suma, um “Banco Central social”, algo como um leão vegano.
O segundo é o estado atual das contas do governo, que, em uma só palavra, é caótico. Na verdade, a irresponsabilidade fiscal é tão grande que somente países em guerra, como Israel, Rússia e Ucrânia, têm déficits tão altos como proporção do PIB quanto o Brasil. Mesmo com sucessivos recordes de arrecadação, o governo não consegue sair do vermelho profundo, já que os gastos continuam crescendo acima das receitas líquidas: de janeiro a setembro deste ano, as despesas cresceram R$ 101,4 bilhões a mais, enquanto as receitas líquidas cresceram R$ 94,2 bilhões a mais, levando a um déficit primário de R$ 105,2 bilhões até aquele mês. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento das contas públicas ligado ao Senado, o governo precisará de um esforço fiscal adicional de R$ 13,6 bilhões em novembro e dezembro para cumprir a meta de resultado primário dentro da margem de tolerância estabelecida pelo famigerado “arcabouço” fiscal. É alta a expectativa de que o governo não vai conseguir cumprir a meta de déficit zero até dezembro, apesar das sucessivas tentativas da Fazenda de aprovar um pacote de redução de gastos, em reuniões com diversas alas do governo, em que se discutem medidas como a limitação do reajuste do salário mínimo, uma redução no Benefício de Prestação Continuada (BPC), mudanças no abono salarial, seguro-desemprego e pensões dos militares. Ou seja, apenas remendos, como sempre.
Por fim, o terceiro elemento que aponta para o recrudescimento da inflação de preços é a expectativa quanto ao estado futuro das contas públicas. Sinceramente, é muito difícil acreditar que o atual governo do Brasil conseguirá executar algo semelhante, mesmo que longinquamente, a uma política fiscal sustentável. Primeiro, pela incompetência e, segundo, pela absoluta falta de vontade ditada pela sua ideologia. O que se pode esperar de um governo em que o presidente afirma categoricamente que “gasto público não é gasto, é investimento”? Sendo assim, o pacote de contenção de despesas a ser anunciado dificilmente impedirá que a situação das contas públicas se deteriore até 2026 e com certeza absoluta não vai garantir a solução do problema, ou seja, a expectativa quanto ao regime fiscal é de que continuará sendo esbanjador.
Esperar responsabilidade fiscal da parte do governo brasileiro é como acreditar que o saci-pererê, em primeiro lugar, existe e, segundo, que, existindo, é capaz de dar rasteiras em cobras. É um governo de cigarras, convivendo com um Congresso também de cigarras. Por isso, a possibilidade de ocorrência de dominância fiscal (uma situação em que, dado o gigantismo do déficit fiscal e da relação entre a dívida interna e o PIB, a política monetária é incapaz de impedir a inflação) não deve ser desprezada e talvez aconteça mesmo mais rapidamente do que se espera.
Em termos de relação entre as autoridades fiscais e monetárias há três possibilidades. Em todas elas o governo acumula déficits, o Banco Central decide financiar esses déficits inteiramente com o aumento do endividamento interno, sem emitir moeda, e o restante é financiado por aumentos de impostos. Na primeira e na segunda, o Banco Central não é autônomo na prática, mesmo que o seja por lei (como é razoável esperar a partir de 2025). No primeiro desses casos, em que não existe expectativa de inflação e o déficit é financiado inteiramente pelo aumento da dívida interna e por mais impostos, a taxa de juros terá que subir e, com isso, as necessidades de financiamento do governo também aumentarão, até que o Banco Central será forçado a emitir moeda, o que ocasionará inflação no futuro. No segundo caso, em que já existe expectativa de inflação, a combinação do aperto na política monetária com o financiamento do déficit fiscal sendo feito por maior endividamento interno e extorsão tributária fará com que a inflação de preços, que no caso anterior só surgiria no futuro, seja antecipada para o presente. E a terceira possibilidade, que acontece quando o Banco Central é independente de fato e mantém o aperto monetário a qualquer custo, impedirá o surgimento da inflação de preços tanto agora quanto no futuro, mas levará a um cabo de guerra entre as autoridades monetárias e fiscais, que terminará quebrando a confiança nos títulos do governo, além de sufocar e empobrecer o setor privado pelo excesso de tributos, o que obrigará o governo a mudar o regime fiscal mediante reformas estruturais profundas. Olhando para o passado, o presente e para as expectativas quanto ao futuro, parece que estamos caminhando para algo semelhante ao segundo caso, com o agravante de que existem dúvidas quanto à execução de uma política monetária austera com a troca de comando no Banco Central.
Ao considerar as influências sobre a inflação de preços, levei em conta apenas as de natureza puramente econômicas, como o estado atual e o futuro das políticas fiscal e monetária. Conclusão: é muito provável que os preços experimentem aumentos de forma acelerada. Entretanto, isso infelizmente não é tudo, porque não é só para a economia que devemos olhar. As atividades econômicas não acontecem em um vazio institucional, porque elas ao mesmo tempo influenciam e são influenciadas por diversas instituições. E, ao levarmos isso em conta, o que vemos não é nada animador: gigantesca instabilidade jurídica, crise política, hipertrofia do Judiciário, juristocracia sem disfarces, desbalanceamento entre os três Poderes, ameaças concretas às liberdades individuais e alinhamento com ditaduras nas relações exteriores. As conclusões são óbvias e pouco animadoras. A boa teoria econômica e a experiência estão gritando que, nas condições atuais, o futuro não é um mistério, e que será um futuro com inflação, desemprego, fuga de capitais e ausência líquida e certa de crescimento robusto.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
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