A explosão de uma bomba causa um impacto inicial e, em seguida, ondas de deslocamento de ar que são, no fim das contas, as grandes responsáveis pela destruição gerada ao seu redor. Talvez seja esta a melhor imagem para ilustrar o que acontece com as comunidades judaicas em todo o mundo cada vez que Israel é envolvido em um conflito regional. Hoje, 14 meses depois do dia 7 de outubro de 2023, quando o Hamas realizou o pior ataque terrorista da história do Estado judeu, o país continua travando sua guerra mais longa contra sete frentes de combate enquanto os judeus da diáspora, incluindo os brasileiros, pagam o alto preço de uma grande onda de antissemitismo e de antissionismo, dois conceitos que hoje são impossíveis de ser desassociados.
Segundo os índices apurados pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), as denúncias de antissemitismo no Brasil cresceram 70% quando comparados os períodos de janeiro a outubro de 2023 (679 denúncias) e de 2024 (1.562 denúncias). Os ataques são de naturezas diversas, como a pichação de símbolos nazistas, cartazes e posts que mostram judeus como ratos ou cobras sufocando o mundo, a exemplo da propaganda hitlerista da década de 1930, e manifestações públicas embaladas por slogans como “Israel genocida” ou o conhecido chamado à destruição do país: “Palestina livre do rio [Jordão] ao mar [Mediterrâneo]”.
“Até outro dia, pessoas antirracistas e defensoras de minorias tinham vergonha de se declarar abertamente antissemitas”, escreveu em sua coluna a jornalista e escritora judia Cora Rónai, que é, aliás, bastante crítica ao atual governo de Israel. “Não mais. Ser antissemita agora é cool, virou tendência”. Ela é o exemplo de um aspecto curioso da atual onda de ódio contra os judeus: muito embora ela seja “justificada” como uma reação às decisões de Israel, todos os judeus estão no alvo, inclusive aqueles que expressamente se opõem ao governo de Benjamin Netanyahu.
No Brasil, além de moralmente condenáveis, agressões antissemitas são puníveis pela Lei nº 7.716/1989, que condena “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Crimes que envolvem símbolos nazistas têm pena agravada e podem chegar a até cinco anos de prisão. No entanto, mesmo amparados pela lei, os judeus brasileiros relatam preocupação em relação à segurança e a sensação de viverem, desde outubro de 2023, em um ambiente de hostilidade.
Oriente Médio na pauta política
“Esse ambiente é resultado direto do posicionamento do governo Lula contra Israel”, explica o presidente executivo da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), Ricardo Berkiensztat. Segundo ele, “sob a atual Presidência, o Oriente Médio entrou na pauta da política brasileira, o que nunca aconteceu antes. O tema fez parte até mesmo de campanhas para prefeitura. Desde a invasão do Hamas ao sul de Israel, o presidente Lula tem dado declarações pouco diplomáticas, chamando Israel de genocida ou afirmando que o país está assassinando mulheres e crianças — e nunca citou o Hamas como grupo terrorista. Isso faz com que intelectuais e outros políticos se sintam encorajados a destilar um veneno que não demonstravam existir antes”. Berkiensztat complementa dizendo que, no entanto, a população brasileira em geral — em sua maioria cristã e amiga de Israel — não é afetada por esse discurso, mas os acadêmicos dentro das universidades, sim. “Por se identificarem com a pauta da esquerda, eles se sentem legitimados a falar em voz alta o que pensam”.
Um dos resultados disso é que as mesmas manifestações de ódio vistas nas universidades americanas e europeias são encontradas no Brasil em versões diminuídas, mas impactantes. Manifestantes com o típico keffiyeh nos ombros, que não pisaram uma única vez no Oriente Médio nem têm conhecimento histórico do conflito entre israelenses e palestinos, provocam e ameaçam estudantes judeus, colocam cartazes com imagens nazistas nos centros acadêmicos e distribuem folhetos com imagens de Estrelas de David engolindo o mundo, entre outros exemplos. “Na faculdade Getulio Vargas, em São Paulo, há inclusive um professor que faz comícios anti-Israel em sala de aula e diz que ‘não discute com sionistas’”, comenta Berkiensztat. “Liberdade de expressão é importantíssima e, antes da guerra, as universidades eram palco de discussões relacionadas à criação de dois Estados, um judeu e um palestino. Hoje, no entanto, os manifestantes gritam o slogan que prega uma Palestina livre do rio ao mar — ou seja, a destruição do Estado judaico.”
Terrorismo, um velho conhecido
Vivem no Brasil cerca de 120 mil judeus, pouco mais da metade deles em São Paulo. Claudio Frischer, proprietário da consultoria de segurança Sharror, é responsável pela segurança de uma das maiores escolas judaicas do país, a Alef Peretz, com quase mil alunos. Ele conta que desde o início da guerra as preocupações com a segurança aumentaram, culminando com o pogrom ocorrido em Amsterdã no dia 7 de novembro, o qual fez “acender uma luz vermelha” para a comunidade judaica local.
“Todos os anos, alunos da Alef Peretz com idade entre 15 e 16 anos perfazem um circuito histórico judaico na Europa com visitas à Alemanha e à Itália. Neste ano, cogitamos cancelá-lo, e só não o fizemos porque entendemos que isso significaria nossa rendição ao terrorismo, o qual busca justamente abalar nossas rotinas e planos. Iremos, mas com muito mais cuidado e discrição”, detalha Frischer. Até o ano passado, por exemplo, durante todos os passeios, os jovens levavam consigo bandeiras de Israel — o que desta vez provavelmente será proibido. Além disso, pela primeira vez o grupo estará acompanhado por um especialista em segurança. “Todas as atividades conjuntas de nossas crianças e jovens estão sendo analisadas sob outro prisma, dentro e fora do país. No ano que vem, teremos as Macabíadas, que são uma espécie de Olimpíada que reúne milhares de esportistas e torcedores judeus do mundo inteiro a cada quatro anos. A Alef Peretz participará? Vale a pena correr o risco? Ainda não sabemos.”
Frischer comenta que também nos Estados Unidos o número de episódios de antissemitismo aumentou exponencialmente e que a comunidade judaica local tem esperança de que o novo presidente eleito, Donald Trump, consiga interromper sua escalada. “O maior problema, no entanto, são os ataques de lobos solitários incitados pelo Irã — e esse é um grande risco que corremos. Tememos que essa onda chegue por aqui e, assim, estamos permanentemente de radar ligado. Ainda mais porque sabemos que há células do Hezbollah operando dentro do PCC e que elas estão se fortalecendo.”
A América Latina e o antissemitismo
Historicamente, governos latino-americanos e o antissemitismo protagonizaram um flerte perigoso nos últimos cem anos. Para citar alguns exemplos óbvios, Getúlio Vargas fechou as portas do Brasil para a imigração de judeus europeus que tentavam fugir da violência nazista durante os anos 1930 e o início dos 1940 (até que escapar do continente tornou-se impossível para eles), e os governos brasileiros seguintes fecharam os olhos para a chegada de milhares de ex-soldados e ex-oficiais nazistas que encontraram em terras tupiniquins um porto seguro. O ex-presidente argentino Juan Perón também recebeu esses criminosos de guerra sem perguntas — a estância de Bariloche, por exemplo, foi erguida por nazistas. Já Gabriel Boric, atual presidente do Chile, país que conta com a maior população palestina fora do Oriente Médio, mantém uma distância incômoda de sua comunidade judaica local.
Assim, não provoca espanto o fato de Adolf Eichmann, o arquiteto da Solução Final, sistema pelo qual milhões de judeus foram assassinados em campos de extermínio, ter sido capturado em um subúrbio de Buenos Aires no fim dos anos 1960. Ou que o icônico médico-monstro do Holocausto, Josef Mengele, tenha vivido seus últimos 20 anos de vida no Brasil, até morrer afogado nas águas de Bertioga (SP) em 1979 e ser enterrado no Cemitério do Embu. Ou, ainda, que o nazista Walter Rauff, responsável pela morte de 100 mil prisioneiros em câmaras de gás, morresse de velhice no Chile em 1984 depois de ter sido protegido pelo ditador Augusto Pinochet, que recusou os insistentes pedidos de extradição feitos pelo governo alemão.
Voltando ao presente, mesmo que o corpo político brasileiro não esteja preocupado com o aumento do antissemitismo ou com ameaças de terrorismo, seus cidadãos judeus estão. Na porta de entidades judaicas e também em eventos que reúnem seus membros fora delas, sempre há segurança reforçada. “Estamos muito mais atentos em relação à movimentação de grupos terroristas. O judeu precisa zelar por sua integridade, especialmente quando esses grupos não conseguem atacar Israel diretamente”, afirma o advogado criminalista Daniel Bialski, do grupo de combate ao antissemitismo e ao discurso de ódio da Conib. Isso é confirmado pelas forças de segurança de Israel. “Uma vez que os iranianos já não podem contar com o Hamas e o Hezbollah, ambos enfraquecidos por Israel, eles estão em busca de oportunidades para matar judeus pelo mundo”, afirmou o ex-general israelense Yaakov Amidror, membro sênior do think tank Instituto Judaico para Segurança Nacional, com sede em Washington.
Da ameaça à realidade
Isso já aconteceu antes. Aliás, o maior atentado terrorista da história do Ocidente antes do ataque às Torres Gêmeas de Nova York foi realizado bem pertinho do Brasil: em 18 de julho de 1994, um carro-bomba destruiu a sede da Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA), em Buenos Aires, deixando 85 mortos e mais de 300 feridos. Após 30 longos e conturbados anos de investigação, apontou-se o Hezbollah, sob o comando do Irã, como autor desse atentado e também de outro realizado na mesma cidade, dois anos antes, contra a Embaixada de Israel na Argentina, no qual morreram 29 pessoas e outras 242 foram feridas.
Daniel Pomerantz, diretor-executivo da AMIA, é um dos sobreviventes do atentado. “Era uma segunda-feira, dia seguinte à final da Copa dos Estados Unidos. Às 8h30 da manhã, um colega pediu para se reunir comigo. Para garantir que a reunião não se estendesse mais tempo do que eu desejava, me prontifiquei a ir até o escritório dele, que ficava na parte de trás do edifício. Foi o que me salvou, pois a minha sala, a apenas dez metros da dele, foi completamente destruída”, descreve Pomerantz.
O atentado à AMIA foi um divisor de águas no país. “Ele nos levou a criar medidas de segurança mais severas para nossa comunidade, que depois foram replicadas para todas as instituições judaicas do mundo, e o terrorismo tornou-se um tema da agenda pública argentina, e não só da nossa comunidade. Naquele ano, o que era uma ameaça virou realidade e criou um fantasma que agora persegue todos os outros países do mundo”, resume Pomerantz. “O fenômeno do terrorismo é tão complexo que não pode ser abordado no âmbito de um só país. Toda a comunidade internacional, não só a judia, em especial em países democráticos, deve lidar conjuntamente com esse problema.”
De fato, o atentado em Buenos Aires serviu de alerta para governos e comunidades judaicas pelo mundo — mas não para todos. “Aqui, felizmente, não temos histórico de atentados. O que é positivo por um lado, mas é negativo por outro, pois faz com que autoridades e políticos brasileiros digam: ‘Ah, isso nunca vai acontecer aqui’”, explica o presidente-executivo da Fisesp. Assim, o governo do Brasil navega em direção contrária à do governo argentino, que se prepara para assinar um memorando com Israel para o combate ao terrorismo.
“Nós sabemos o que é um ataque terrorista, guardamos na memória o que aconteceu. Isso gera um mecanismo psicológico diferente sobre como abordar a questão da segurança”, diz Pomerantz. Resta torcer para que o Brasil acorde e aprenda com a história trágica de seu vizinho, sem que precise passar por ela.
Leia também “O suicídio da Europa”
Ótimo artigo. Parabéns Miriam.
A reportagem reacende a velha dúvida: nazistas famigerados regugiaram-se na América do Sul, após a derrota do nazismo na Europa. Quem pode afirmar que Hitler, Göring, Rommel, etc., também não vieram para cá? Os aliados identificaram realmente os cadáveres destes carniceiros?
Israel já tem a arma pra combater os terroristas e os jumentos que apoiam esses terroristas, é o canhão de laser
Complementando:
– quando vemos torcida do Palmeiras brigando com torcida do Cruzeiro,
– quando vemos torcida do São Paulo brigando com torcida do Flamengo, percebemos que a cabeça do ser humano está com problemas. Dá vontade de rir…dá vontade de chorar.
Tenho estudado um pouco o assunto Judeus. Ainda não consegui descobrir porque são perseguidos. Ainda não consegui descobrir porque judeus, no século XXI, são perseguidos. As pessoas deste século foram maltratadas por judeus? Ainda não conseguir saber o que de mal fizeram os judeus vivos hoje em dia. Se pudéssemos entrevistar todos os manifestantes quem será que poderia responder estas perguntas ou pedidos: Apontem o mal feito por judeus. Sabem o que é ser um judeu? Sabem porque estão se manifestando contra os judeus? Sabem o que é Hamas? Sabem o que é Hezbollah ? Não será inveja???Isto parece coisa tribal. É da outra tribo…vamos matar. Vamos pensar mais humanamente. Cada um na “sua” e todos com amor ao próxima. Assim é mais fácil viver.
Jaime, já me fiz essas mesmas perguntas e conclui que o motivo pelo qual judeus são odiados desde sempre só pode ter a ver com Deus. Desde o Pecado Original, há pessoas que rejeitam Deus e tudo o que dá testemunho de sua Existência. O que, ironicamente prova que Ele é o único Deus verdadeiro, pois povos que dão testemunho de deuses falsos (exemplo: egípcios) não têm tal intensa rejeição do resto do mundo
Também me pergunto isto, Jaime.