Em uma entrevista concedida a uma revista de extrema esquerda, em setembro de 2020, Lula acusou o então presidente Jair Bolsonaro de “não gostar de negros”. Três anos depois, em um evento com apoiadores em Brasília, disse ainda que o adversário “escanteou os povos originários”. No debate da Band de agosto de 2022, às vésperas da disputa presidencial, o petista foi além e acusou o chefe do Executivo de “não gostar de mulheres, de crianças e pessoas do movimento LGBT+”. “Vamos fazer tudo diferente dele”, assegurou o candidato do PT.
Desde a posse, contudo, Lula tem feito exatamente o contrário do que falou. Se o petista vem descumprindo promessas na área econômica, o comportamento se repete também nas questões ideológicas. A punhalada nas costas dessa militância enraivecida veio entre novembro e dezembro, já no governo de transição, composto de quase mil integrantes, cujas principais tarefas eram realizar um “diagnóstico dos retrocessos de políticas neoliberais sob Bolsonaro” e contribuir para a “reconstrução do novo Brasil”.
Minorias escanteadas por Lula
Durante a organização da equipe, lideranças do movimento negro manifestaram “decepção” com Lula. Segundo eles, o grupo não tinha “suficiente representatividade de minorias” em seus quadros técnicos. O frei franciscano David Santos, da Educafro, e o sociólogo Ivair Augusto dos Santos assinaram uma “carta aberta” em nome de centenas de membros dos coletivos. Ambos indicaram nomes para ajudar Lula, mas acabaram ignorados pelo petista. “Olhando para a equipe de transição do governo Lula, bate uma tristeza e um sentimento de desilusão, ingratidão e perpetuação do colonialismo”, argumentaram. “Lula precisa reverter esse quadro trágico.”
Semanas depois do primeiro embate, figuras influentes da Frente LGBT+ ampliaram a lista de descontentes. Tão logo os ministérios começaram a ficar prontos, os cabeças do movimento gayzista manifestaram “repúdio”, por não terem uma pasta voltada unicamente para eles, algo que contrariava o discurso de Lula antes de ganhar a eleição. Em vez disso, Lula concentrou os trabalhos voltados para as bandeiras da diversidade no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, até então conduzido pelo professor universitário Silvio Almeida — demitido em setembro sob acusação de abuso sexual —, que chegou a ser criticado por ser “hétero”. À época, Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, cobrou do presidente algum “departamento com equipe e verba” que pudesse atender aos anseios do público que ele representa.
Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), seguiu a mesma linha de Reis e reclamou de o governo não ter começado logo uma política adequada em prol das pessoas trans. Simpson lamentou o fato de, durante a campanha eleitoral, “só se falar em banheiros unissex”. “Nunca defendemos banheiros unissex, até porque sempre existiram”, disse. “O que defendemos é que as pessoas possam usar o banheiro sem serem violentadas de acordo com sua identidade de gênero”.
Mesmo minorias sob o guarda-chuva de um ministério acabaram ficando no tempo. É o caso dos indígenas. Com apenas dez meses de Lula no poder, o cacique Raoni, figura folclórica que estampou manchetes da imprensa engajada com ataques a Bolsonaro, afirmou que o petista não cumpriu nada do que prometeu. “Está devagar”, declarou, em entrevista ao jornal O Globo. “Desde a última vez que encontrei com ele, na cerimônia de posse, ele me prometeu que ia fazer ações em prol dos povos indígenas para que não existissem mais essas ameaças e violência contra nós. E isso não está acontecendo” — Raoni subiu a rampa com outras pessoas a fim de transmitir a faixa a Lula. Em outubro deste ano, de cadeira de rodas, Raoni tentou um encontro com Lula, mas não foi recebido pelo presidente no Planalto.
Em um evento um mês antes da ida de Raoni ao palácio, Lula trocou farpas com outra liderança indígena que o apoiou na campanha, mas demonstrou publicamente sua insatisfação. “Somos violados há muito tempo, mas ultimamente o Estado e as instituições patrimonialistas desencadearam uma retirada de direitos, com atentados contra a dignidade e a manutenção da vida”, observou Yakuy Tupinambá, anciã e liderança indígena de Olivença, na Bahia. “Temos o pior Congresso da história, um Judiciário egocêntrico e parcial, e um governo enfraquecido, acorrentado às alianças e conchavos para se manter no poder.” Rispidamente, Lula rebateu Yakuy e pediu a ela para “mudar o discurso”, pois não tem “subserviência ao poder”.
Sonia Guajajara também não foi poupada de críticas de “inação” vindas de sua gente. Ao se defender, a ministra dos Povos Indígenas debitou parte da culpa no chefe. “Falta muita estrutura”, desconversou, em entrevista à revista Veja publicada em junho, ao ser interpelada a respeito dos poucos feitos da pasta em mais de 12 meses. Cobrada sobre os ianomâmis, mudou o discurso inflamado e alarmista que adotou nos tempos de Bolsonaro e garantiu que sempre achou “impossível acabar com toda essa crise em um período tão curto”. No primeiro ano de Lula no governo, as mortes dessa etnia foram maiores que em 2022. O Ministério da Saúde registrou 363 óbitos, ante 343, mesmo com ações de emergência de saúde pública do Poder Executivo.
A desilusão abrangeu ainda adeptos de religiões de matrizes africanas, históricas apoiadoras de Lula e da esquerda e usadas como biombos em substituição ao eleitorado evangélico, mais ligado à direita. Há dois meses, organizações que são porta-vozes de terreiros de candomblé acusaram a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, de “descaso total” em relação a políticas públicas para o segmento. Em um relatório de 88 páginas, o ajuntamento fala em possibilidade de “retrocessos” em suas conquistas: “Os terreiros e as organizações que subscrevem essa carta manifestam-se com preocupação sobre a política do Ministério da Igualdade Racial para esse segmento, que encontrou o descaso total da ministra da pasta até agora”.
Desempoderadas
Até o público feminino, cuja maioria sempre respaldou Lula, ficou de lado. Em janeiro, a Associação de Mulheres Diplomatas do Brasil (AMDB) subiu o tom com o presidente. O grupo acusou o Itamaraty de desqualificar “reiteradamente a competência das mulheres diplomatas” ao “recusar-se a seguir a orientação no sentido de conduzir mais mulheres à gestão do Estado”. Para a AMDB, a “indignação” se mistura “à revolta e ao desânimo” diante da lista de nomes incluídos “nos mecanismos internos de promoção” do Ministério das Relações Exteriores. De acordo com a AMDB, “em um total de 64 nomes na pasta, irrisórios 18,75% são de mulheres”.
“A AMDB vem trazer a público essa insidiosa realidade das mulheres diplomatas na expectativa de que, fora das nebulosas reuniões da cúpula do Itamaraty em que a presença masculina segue sendo a norma, possam as mulheres diplomatas encontrar o apoio da sociedade brasileira, de outras instâncias de governo e do próprio presidente da República”, informou a associação, em nota. A carta foi publicada quase três meses depois da demissão de Rita Serrano do cargo de presidente da Caixa. Lula rifou a economista para conseguir votos no Parlamento ao escolher um apadrinhado do centrão para o cargo no banco. Em maio do ano passado, Rita exaltou a maioria feminina na estatal e elogiou Lula pela “política de defesa da igualdade de gênero, salário igual e respeito às mulheres brasileiras”.
No mês anterior à saída de Rita, o petista mandou embora a atleta Ana Moser também para obter ajuda no Congresso Nacional. Assim como fez com Rita, pôs um homem no lugar a fim de ampliar sua base no Parlamento, o deputado federal André Fufuca (PP-MA). Nem mesmo a primeira-dama Janja conseguiu segurar as amigas nos cargos. As demais figuras femininas que ainda estão no primeiro escalão têm pouca visibilidade e escassez de recursos. É o caso da ministra Simone Tebet, que teve de se contentar com o Orçamento, depois de ter sido preterida do Desenvolvimento Social, dado ao petista Wellington Dias, e do Meio Ambiente, devolvido a Marina Silva, que só aceitaria ficar nessa pasta. Notória por defender pautas feministas, Simone responde ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Já Marina viu sua pasta ser esvaziada para o centrão ao longo de votações no Parlamento que reduziram o ministério a um mero enfeite. A última esperança das feministas desempoderadas por Lula era emplacar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ministra negra. O petista, porém, pôs no STF dois homens brancos.
O descaso do governo com mulheres, LGBTs, negros e indígenas prova que Lula só usou as minorias como trampolim para alcançar o Palácio do Planalto e que as promessas para toda essa gente ficaram só no palanque.
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E foi bem feito!
Essa Sonia Guajajara é uma ridícula! Sempre aparece com um cocar na cabeça pra dizer que é indígena!
E cada um diferente do outro. Deve ter matado uma centena de pássaros pra fazer esses cocares todos!