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Ilustração: Revista Oeste/IA
Edição 247

O vexame dos covidocratas brasileiros

Tudo aquilo que os assim estigmatizados como 'negacionistas' diziam provou-se verdadeiro

Flávio Gordon
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No último dia 4, o Subcomitê Seleto sobre a Pandemia de Coronavírus da Câmara dos Deputados dos EUA publicou o seu relatório final. O relatório contém uma ampla avaliação da resposta do governo americano à covid-19. Com 520 páginas, o documento cobre uma variedade de itens, incluindo as origens do vírus, a obrigatoriedade da vacina, as medidas de confinamento (lockdowns) e o financiamento estatal americano a pesquisas com ganho de função realizadas no Instituto de Virologia de Wuhan (IVW), de onde provavelmente escapou o vírus SARS-CoV-2. 

Comandados pelo deputado Brad Wenstrup (Republicano de Ohio), os trabalhos do subcomitê envolveram mais de cem cartas de solicitação de informações, 38 entrevistas e depoimentos transcritos, 25 audiências públicas ou reuniões, e mais de 1 milhão de páginas de documentos. Na apresentação do relatório, Wenstrup afirma que, a despeito de ter sido conduzido num período de “intensa polarização”, o Subcomitê Seleto chegou a um “consenso bipartidário” em muitos assuntos. Destacam-se as seguintes conclusões:

  1. Não é uma teoria da conspiração a ideia de que a covid-19 “surgiu por causa de um acidente de laboratório ou relacionado à pesquisa” em virologia. Wuhan, metrópole onde começou a pandemia, tem um dos maiores centros desse tipo de pesquisa do mundo, o Instituto de Virologia de Wuhan (IVW).
  2. A ONG que atuou como intermediária de verbas entre os Estados Unidos e o IVW, a EcoHealth Alliance, bem como seu presidente, o zoólogo britânico Peter Daszak, “nunca mais devem receber o dinheiro do pagador de impostos dos EUA”.
  3. A mensagem científica para a população precisa ser clara e concisa, embasada por evidências, e deve ser emitida por “mensageiros de confiança, tais como os médicos na linha de frente que estão tratando pacientes”.
  4. Autoridades de saúde pública precisam trabalhar para recuperar a confiança dos cidadãos, pois “eles querem receber educação, não doutrinação”.
  5. O ex-governador de Nova York, Andrew Cuomo, é culpado “de negligência médica e acobertou o número total de mortos em asilos de idosos em Nova York”.

Além dessa lista de conclusões consensuais, o relatório menciona algumas descobertas importantes. São elas:

  1. Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA financiaram pesquisas de ganho de função no Instituto de Virologia de Wuhan.
  2. O governo chinês, agências do governo dos EUA e alguns membros da comunidade científica internacional tentaram encobrir fatos relacionados às origens da pandemia.
  3. A Operação Warp Speed foi um sucesso extraordinário e um modelo a ser seguido no futuro. As vacinas, que agora provavelmente são mais bem caracterizadas como terapêuticas, sem dúvida salvaram milhões de vidas ao reduzir a probabilidade de doenças graves e mortes.
  4. Fraude, desperdício e abusos generalizados afetaram a resposta à pandemia de covid-19.
  5. Os fechamentos de escolas durante a pandemia terão um impacto duradouro em gerações de crianças americanas, e esses fechamentos foram possibilitados por grupos que deveriam servir a essas crianças.
  6. A Constituição não pode ser suspensa em tempos de crise, e restrições às liberdades geram desconfiança na saúde pública.
  7. A solução não pode ser pior que a doença, como os lockdowns rígidos e excessivamente abrangentes, que resultaram em angústia previsível e consequências evitáveis.

O relatório é muito contundente ao responsabilizar Anthony Fauci — presidente do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID, na sigla em inglês) dos EUA e principal conselheiro médico do governo americano durante a pandemia de covid-19 — pelos abusos nas políticas de distanciamento social, em especial os lockdowns. De acordo com o Subcomitê, essa política imposta em nível federal e estadual foi responsável pelo fechamento de 160 mil empresas, 60% das quais jamais reabriram as portas. O nível de desemprego observado foi “inédito desde a Grande Depressão” dos anos 1930. 

Anthony Fauci
Anthony Fauci, ex-conselheiro médico-chefe do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden | Foto: Reprodução/Flickr

A desconfiança na liderança

De acordo com o relatório, a ciência jamais justificou fechamentos prolongados. “Testes padronizados mostram que as crianças perderam décadas de progresso acadêmico como resultado dos fechamentos (…) Problemas mentais e físicos também explodiram, com tentativas de suicídio de meninas entre 12 e 17 anos subindo 51%.”

Apesar de reconhecerem o valor terapêutico das assim chamadas “vacinas” contra a covid, os autores do relatório reconhecem que elas “não impediram a disseminação ou transmissão do vírus”. Daí que a obrigatoriedade vacinal seja apontada como um grave equívoco. “A obrigatoriedade não era amparada pela ciência, e causou mais mal do que bem”, afirma o relatório. “O governo Biden coagiu americanos saudáveis à obediência com a obrigatoriedade das vacinas da covid-19”, e essa decisão “atropelou liberdades individuais, prejudicou o preparo militar e desconsiderou a liberdade médica”.

E é com estas palavras que Brad Wenstrup encerra seu texto de apresentação do documento: 

“A pandemia de covid-19 caracterizou-se por uma desconfiança na liderança. A confiança é conquistada. Responsabilidade, transparência, honestidade e integridade restaurarão essa confiança. Uma futura pandemia exige uma resposta abrangente de toda a América, gerida por aqueles sem benefícios pessoais ou viés.”

O Brasil pandêmico

Se alguma instituição brasileira resolvesse um dia produzir um documento equivalente sobre o que os donos do poder fizeram durante a pandemia… Não sobraria pedra sobre pedra. Nesse caso, a famigerada “CPI da pandemia” deveria, ela própria, tornar-se um dos primeiros objetos de investigação, pois foi gerida justamente por aqueles que só pensavam em benefícios pessoais e políticos. Tudo o que as forças de oposição ao governo de Jair Bolsonaro puderam enxergar na pandemia (e estou incluindo o STF nesse grupo) foi uma oportunidade de usar a crise sanitária e econômica contra o seu adversário político. Foi um objetivo mesquinho, maldisfarçado pela ostentação de slogans virtuosos, como “defesa da vida” e “respeito à ciência”.

A Secom classificou como falsas as notícias veiculadas pela imprensa sobre possíveis alterações na multa do FGTS e seguro-desemprego | Foto: Reprodução/Agência Brasil
A pandemia no Brasil foi usada como ferramenta política, com investigações e ações guiadas por interesses pessoais e oposicionistas, disfarçadas de virtuosismo | Foto: Reprodução/Agência Brasil

No Brasil pandêmico, não custa lembrar, pessoas foram perseguidas, caladas e intimidadas. Elas ousaram levantar, ainda que como hipótese a ser discutida, justamente alguns daqueles itens que agora o Congresso americano toma por conclusões consensuais. Vimos políticos semianalfabetos, que mal saberiam distinguir um tubo de ensaio de um galheteiro, estigmatizando como “negacionistas da ciência” médicos e cientistas que questionavam, por exemplo, as políticas de distanciamento social e o lockdown.

De fato, como admitiu Anthony Fauci em depoimento ao Congresso americano, a famigerada regra dos dois metros de distanciamento, por exemplo, “meio que surgiu do nada”, não tendo sido baseada em estudo científico algum. De acordo com a conclusão do relatório do Subcomitê Seleto sobre a Pandemia de Coronavírus:

“A justificativa para uma das políticas da covid-19 mais impactantes, que provavelmente afetou a maioria dos americanos em seu cotidiano, foi ‘meio que surgiu do nada’. Não houve ensaios científicos ou estudos realizados antes da implementação dessa política, aparentemente não houve resistência ou discussão interna nos mais altos níveis de liderança e, mais importante, não parece haver qualquer aceitação de responsabilidade. Essa é uma resposta inaceitável por parte da liderança de saúde pública. Decisões dessa magnitude devem ter respaldo científico que possa ser explicado ao público americano.”

Fotografia documental das ruas vazias na Times Square, em Nova York, durante o lockdown da pandemia de covid-19 (24/3/2020) | Foto: Shutterstock

Máscaras inúteis

Nem da obrigatoriedade das máscaras não se podia duvidar sem ser acusado de “negacionista”, “anticientífico” e “terraplanista”. E, no entanto, o progresso das investigações científicas apenas vieram a confirmar aquilo que qualquer cidadão razoável já podia intuir: que o uso por vezes alucinado (na praia ou na piscina, por exemplo) — da máscara era inútil. Nada tinha a ver com ciência, mas com psicose de massa induzida, sinalização de virtude e afirmação de identidade político-ideológica. De acordo com o Subcomitê Seleto:

“No final das contas, uma revisão sistemática realizada pela Cochrane Collaboration — uma das metodologias mais respeitadas na saúde baseada em evidências — descobriu que os ensaios controlados randomizados analisados ‘não mostraram uma redução clara na infecção viral respiratória com o uso de máscaras médicas/cirúrgicas’ e que ‘não havia diferenças claras entre o uso de máscaras médicas/cirúrgicas em comparação com respiradores N95/P2 em trabalhadores da saúde quando usados em cuidados rotineiros para reduzir a infecção viral respiratória’. Esses resultados parecem contradizer diretamente o apoio das agências de saúde pública e dos governos locais à exigência generalizada de uso de máscaras durante grande parte da pandemia.”

Ainda há no Brasil um bando de conselheiros tutelares ignorantes, procuradores autoritários e juízes abusadores coagindo os pais a vacinarem os seus filhos saudáveis contra a covid-19. Cito mais uma vez a conclusão do relatório do Congresso americano:

“Essas políticas que impuseram ‘restrições segregadas’ criaram essencialmente um novo tipo de confinamento, no qual indivíduos não vacinados foram impedidos de retornar à normalidade sob a suposição incorreta de que representavam um perigo para a sociedade. Este lockdown de fato também teve certa permanência, com algumas jurisdições continuando suas políticas de passaporte de vacina até 2022. Mesmo depois de os governos locais terem suspendido as exigências, muitas empresas optaram por continuar com elas independentemente, ilustrando assim quão disseminadas se tornaram essas suposições falsas sobre as capacidades protetoras das vacinas contra a covid-19. (…) É provável que as políticas de passaporte de vacina contra a covid-19 e a retórica política divisiva relacionada tenham um impacto contínuo na percepção dos americanos sobre a saúde pública e possam ser um obstáculo para a preparação para futuras pandemias.”

A postura dos ‘negacionistas’

No Brasil, essa retórica divisiva e essa “ciência” de boteco foram ilustradas pela postura do Sr. Eduardo Paes, o prefeito falastrão do Rio de Janeiro. Além de mandar fechar as praias por puro teatro, mesmo sabendo que eram locais de baixa transmissão, Paes confessou abertamente, no comecinho de 2022, o objetivo de “dificultar a vida” de quem escolhera não se vacinar. Àquela altura, com o surgimento da variante delta, já se sabia perfeitamente (e uma autoridade supostamente pautada na ciência teria a obrigação de saber) que as assim chamadas “vacinas” contra a covid-19 não funcionavam como vacinas no sentido tradicional do termo, uma vez que não impediam a transmissão. Mas não importava. Munido de sua “ciência” carnavalesca, Paes não perdeu a oportunidade de dar o seu showzinho particular de tirania (uma tendência daquele verão), usando o lombo dos não vacinados como palanque.

Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

As conclusões do relatório sobre a obrigatoriedade vacinal contra a covid-19 são cristalinas:

“A obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 levou as pessoas a perderem seus meios de subsistência, esvaziou os quadros de trabalhadores na área de saúde e educação, reduziu a prontidão e o recrutamento militar, provocou hesitação vacinal, diminuiu a confiança na saúde pública, esmagou as liberdades individuais, aprofundou as divisões políticas e interferiu na relação entre pacientes e médicos. Além dessas consequências severas, a base científica da obrigatoriedade era altamente questionável. A obrigatoriedade ignorou a imunidade natural, a estratificação do risco da infecção pelo vírus, o risco de eventos adversos da vacina, bem como o fato de que as vacinas não impedem a disseminação da doença..”

O fato é que os ditos “negacionistas” nunca demonstraram o propósito de interditar o debate, calar as vozes discordantes e impor uma única visão sobre o tema. No mais das vezes, tudo o que diziam era que, por se tratar de um vírus novo, a discussão deveria ser travada abertamente e sem dogmatismos, com hipóteses sendo testadas e confrontadas umas contra as outras. Se houve alguma postura verdadeiramente científica nessa história, foram justamente os “negacionistas” os únicos a assumi-la.

Resta-nos torcer para que um dia, assim como começa a ocorrer nos EUA, esse fiasco converta-se também na responsabilização legal de seus perpetradores. Eles são culpados por terem feito do combate à pandemia um mal maior do que a própria doença.

Leia também “A origem do radicalismo”

2 comentários
  1. daise a.scopiato
    daise a.scopiato

    E mostrou quem é quem! Os palhaços são o povo, sem nenhuma dúvida mais! E estão pagando com a vida todos os vacinados!!

  2. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Agora está provado, a CPI do circo, realmente foi um circo…de horrores.

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