Na mesma semana em que o governo brasileiro se dedica a aprovar o fraco pacote fiscal — envolto na mediocridade administrativa de quem gasta muito mais do que arrecada —, a Argentina de Javier Milei anuncia queda expressiva da inflação, exibe uma invejável derrubada dos gastos públicos e quer cortar os impostos federais em até 90%, numa reforma tributária que devolve a autonomia do orçamento às províncias, no melhor estilo federativo. De quebra, o presidente argentino anuncia querer transformar seu país num hub de inteligência artificial. Não para por aí. Mesmo tendo acabado de assumir a presidência do Mercosul, faz novas críticas às amarras do bloco e revela o desejo de um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. De uma vez só, dá uma pancada na burocracia estatal ineficiente e no progressismo incapacitante dos governos de esquerda da América Latina. Brasil incluso.
🚨🇦🇷 | CHAU RECESIÓN
— Milei SheIby (@TommyShelby_30) December 12, 2024
“La azúcar bajó de $1400 a $900 y las ventas AUMENTARON MUCHÍSIMO estos últimos meses.” pic.twitter.com/NGHTitCDWW
É notória a transformação da Argentina em apenas um ano. Dizem que a vontade política faz milagres. Político corajoso do século 21 e com cabeça arejada, ainda mais.
Até bem pouco tempo atrás, durante o governo Bolsonaro aqui, a imprensa argentina fazia comparações com o Brasil e não escondia os ares de inveja. Lá, eles viviam sob Alberto Fernández e toda a herança do kirchnerismo, uma versão piorada do mais atrasado peronismo. Com Lula e Milei, o minuano da esperança voltou a soprar de lá para cá.
A Argentina não está um paraíso. Há ainda muita coisa por fazer. O duro e necessário ajuste fiscal traz consigo uma recuperação dolorida, cheia de efeitos colaterais. Estatísticas mostram que cerca de 18% das pessoas estão na condição de pobreza extrema. Mesmo assim, a popularidade de Milei atinge a marca de 56% de aprovação, com a população se dizendo otimista com o futuro. O populismo jamais entenderia isso porque detesta fatos. A inflação mensal caiu de 25,5% no mês de dezembro de 2023, na posse de Javier Milei, para 2,7% em outubro deste ano. O índice Merval, principal balizador da Bolsa de Valores de Buenos Aires, subiu 137% no período, numa demonstração de confiança dos investidores. E, além de cortar gastos, há medidas simbólicas do candidato que fez campanha com uma motosserra à mão. Para demonstrar zelo com o dinheiro do pagador de impostos de lá, promoveu cortes nas pensões e nos privilégios da casta do funcionalismo e demonstrou compromisso com a eficiência: o número de ministérios foi reduzido de 18 para nove. É a teoria da dor compartilhada, do esforço conjunto em nome de todos. Cidadãos entendem de economia e se juntam ao esforço quando se respeita a inteligência deles. Em números, a economia argentina ainda está abaixo da brasileira. Mas a reta aponta para a estabilização da dívida, recuperação da ética e da eficiência do Estado, geração de crescimento sustentável de longo prazo e volta do país como protagonista internacional.
No Brasil, depois do êxito de seis anos de governos liberais, democráticos e comprometidos com responsabilidade fiscal que atraíam investimento e faziam a economia crescer sem destruir o erário, a atual gestão de Lula — com 39 ministérios, sofás caros, viagens da primeira-dama e a pretensão de um avião novo — é o oposto. Os dois primeiros anos do atual mandato representam um retrocesso, com piora das expectativas e perda dos ganhos recentes. Na economia, nem a sequência de rombos fiscais sucessivos conseguiu tirar o governo da letargia e do desrespeito à responsabilidade com o dinheiro do pagador de impostos brasileiro. O pífio pacote fiscal levou mais de um mês para ficar pronto e é insuficiente, nada ousado, nada real. Como o governo não tem maioria no Congresso, porque a eleição de 2022 é ainda algo estranho ao cidadão, corre o risco de ter pouca efetividade. Na política, é um governo que oscila entre ideias ruins e nenhuma ideia. Sob Lula, a desinstitucionalização e o desrespeito à Constituição se avolumam com decisões do Supremo Tribunal Federal que praticamente cassaram os direitos e as liberdades individuais garantidos pela Carta Magna de 1988. A mais alta Corte do país, hoje movida a ativismos de ministros e releituras de entendimentos pacificados que afrontam a sua própria história, é fonte de insegurança jurídica. Sob demanda política do Palácio do Planalto, retira gastos do cálculo da dívida para evitar crime de responsabilidade como se eles não continuassem existindo. O país vive com presos políticos, e parte dos advogados tem cerceado o seu direito a exercer a advocacia e a plenitude da defesa de seus clientes. Numa Justiça de inquéritos ilegais, sigilosos e sem fim, a nova burocracia ativista do STF avança sobre o devido processo legal.
O Congresso até se manifesta com o pouco de oposição altiva que tem, como na insistente denúncia que faz dos desmandos da invasão das prerrogativas que sofre do Judiciário. Se de um lado, vez ou outra, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ensaia alguma reação institucional, no Senado, Rodrigo Pacheco é praticamente o líder do governo desse estranho e aviltante consórcio entre Lula e o Supremo que governa o Brasil. No fim da linha está a sociedade que, no caso brasileiro, é quem tem se dado o remédio da reação possível sob o clima de perseguição política que atemoriza empresários e cidadãos conscientes de que a democracia brasileira, agora, sim, precisa ser salva.
Fato é que Estados sob a liderança de governadores da oposição, no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, crescem com políticas que os opõem a Brasília e salvam o PIB até aqui. Investem em inovação tecnológica, modernização do setor público e parcerias com empresas e entidades privadas para elevar o investimento em infraestrutura. Na segurança pública, combatem as facções e o crime organizado ao mesmo tempo que recuperam a educação e a formação técnica, afastando-se de questões ideológicas e primando pela eficiência. E, sim, há zelo com as contas públicas. Tudo isso acaba servindo à população e aos investidores locais como um amortecedor aos solavancos causados pelo governo federal.
Nas últimas eleições municipais, o resultado não poderia ser mais evidente desse descolamento do governo federal e da rejeição popular ao lulopetismo. Com alta aprovação, esses mesmos governadores elegeram seus candidatos nas capitais e na maioria absoluta das cidades de seus Estados. No país, independentemente do partido do governador, a população deu seu recado. Democraticamente, votou e elegeu candidatos da oposição e impôs a Lula — e à esquerda — o pior resultado desde o primeiro mandato, em 2003.
Por fim, dada a lacuna de atuação do governo federal em não defender os interesses brasileiros depois de o CEO global do Carrefour, na França, ofender a moderna, eficiente e segura cadeia produtiva da carne brasileira, o setor privado assumiu informalmente a diplomacia comercial. Organizado e estratégico, praticou a mais perfeita tática de reciprocidade e retaliação ao interromper o fornecimento de produtos às lojas do grupo francês no Brasil. Pressionado como jamais imaginou estar, o Carrefour recuou e pediu desculpas.
No entanto, a fraca atuação do governo Lula nesse caso acende um alerta sobre como será a defesa dos interesses nacionais na COP de Belém, em 2025. Que o agronegócio brasileiro se prepare. Terá o apoio dos brasileiros que defendem o Brasil.
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Alguém tinha dúvida do que ia ocorrer. A população mais humilde eu entendo, mas a classe política entrar nessa? Falta de noção ou falta de caráter?