Minha experiência na política me convenceu da importância dos valores morais. Política sem moral é uma atividade estéril, insensata, perigosa e frequentemente inútil. A política sem moral anda em ziguezague ou em círculos: na melhor hipótese retorna ao lugar onde começou; na pior hipótese produz desastres. A essência da política é a busca por poder e isso nunca muda, claro. Mas a moral influencia como essa busca é realizada e o que é feito com o poder conquistado.
Na política brasileira predomina o relativismo moral. O que define se uma ação é certa ou errada é seu objetivo. Qualquer meio é justificado se os fins são considerados nobres. Essa é a regra. Sofri isso na pele, dentro de um partido que ajudei a criar e construir, o partido Novo (a história completa, com os detalhes inacreditáveis, foi contada no meu livro Os Inocentes do Leblon). Talvez o exemplo mais ultrajante, violento e destrutivo desse relativismo moral tenha sido a inexplicável anulação das condenações de vários políticos e empresários em processos por corrupção. Eles voltaram da situação de criminosos condenados para a de campeões nacionais e modelos de virtude. Como isso pode acontecer?
É óbvio que a moral deve preceder a política e a economia. Sempre pensei assim, mas parecia uma convicção solitária. Até que um dia, lendo Adam Smith, Edmund Burke, Russell Kirk e Roger Scruton, descobri que outros pensavam como eu. Scruton afirma que a ordem moral precede a ordem econômica. Nesse momento eu, que comecei na política me denominando liberal, me descobri conservador.
Enxergo o conservadorismo como o aperfeiçoamento do liberalismo, a defesa da liberdade não só nos planos econômico e político, mas também no plano moral. Conservadorismo sempre existiu como forma de pensamento desde a antiguidade clássica, mas o marco do conservadorismo moderno foi o trabalho do estadista irlandês Edmund Burke, por volta de 1790. Em sua obra mais importante, Reflexões Sobre a Revolução na França, Burke previu que a Revolução Francesa terminaria em um desastre, porque seus fundamentos abstratos, supostamente racionais, ignoravam as complexidades da natureza humana e da sociedade.
O conservadorismo ressurgiu em 1950 graças ao americano Russell Kirk. Kirk era lido por Ronald Reagan (dono de uma grande biblioteca), e seu pensamento orientou até a primeira campanha de Donald Trump. Roger Scruton é outro autor importante do conservadorismo atual: seu livro Como Ser um Conservador é essencial.
O primeiro fundamento do conservadorismo é a crença em uma ordem transcendente, uma lei natural que funciona como a consciência da sociedade. Os problemas políticos são, no fundo, problemas morais. O conservador acredita em preceitos morais e éticos que independem da época em que ele vive. Existem imperativos morais absolutos. Certo é certo, errado é errado — não importa se estamos em 1820 ou 2024.
O conservador sabe que uma racionalidade estreita não pode, sozinha, satisfazer as necessidades humanas. A realização plena da vida não depende da construção de uma sociedade perfeita, utópica, nascida dos devaneios de planejadores todo-poderosos e implantada a ferro e fogo por meio da destruição de todo o legado da humanidade. Os homens não são anjos; portanto, não é possível construir um paraíso terrestre. O conservador reconhece nessa utopia política quase uma religião, e se recusa a adotá-la.
A satisfação do ser humano depende, na verdade, do cumprimento de um pacto transcendente, feito entre os que já morreram, os vivos e os que ainda vão nascer. É em nome desse pacto que nos dedicamos a proteger e cuidar de nossa família, de nossa cidade e de nosso país, e a trabalhar para conservar a liberdade, a lei, a educação, os empregos, a saúde e o meio ambiente. Conservar é o ato que dá nome ao pensamento: conservadorismo — embora já tenha passado da hora de adotarmos um termo mais dinâmico e moderno.
Em vez de se apegar a dogmas ferrenhos, o conservador guia sua atividade política por princípios gerais. Esses princípios foram formulados ao longo de anos, com equilíbrio, por meio do desenvolvimento dos costumes e tradições. Mesmo esses princípios precisam ser aplicados com prudência, de forma adequada a cada nação e a cada época. Tanto o impulso de renovação quanto o desejo de conservar são necessários ao perfeito funcionamento de uma sociedade. A hora de adotar uma ou outra estratégia depende das circunstâncias.
É preciso reconhecer que nem toda mudança é positiva; inovações ou reformas inadequadas ou mal planejadas, em vez de sinalizar progresso, podem representar o início de graves conflagrações sociais. O conservador desconfia, acima de tudo, de mudanças radicais.
A ordem social, considerada essencial pelo conservador, é reflexo e fruto da ordem interna e pessoal de cada indivíduo. Essa ordem, orientada por justiça e liberdade, dá a cada indivíduo a oportunidade de construir seu próprio caminho, usando como base os costumes, tradições e instituições que herdamos dos nossos antepassados. Essa herança cultural e social permite que apliquemos em nossa vida diária a sabedoria e a experiência acumuladas pela humanidade durante centenas de gerações.
Toda a civilização que vemos ao nosso redor levou séculos para ser construída, mas pode ser destruída em pouco tempo. Esse é o objetivo dos revolucionários. O conservador sabe disso. Por isso não existe “conservador radical”. No conservadorismo não existem radicalismo, extremismo ou revolução. A essência do conservadorismo é a busca da estabilidade, respeitando as tradições, escolhendo o que funciona, separando o bom do ruim e promovendo independência e o progresso pelo trabalho.
Os conservadores acreditam na igualdade diante de Deus e perante a lei, mas reconhecem no conceito de igualdade material uma impossibilidade lógica e moral, já que a condição de cada um depende sempre, em maior ou menor grau, do resultado dos seus esforços. Todos os homens têm os mesmos direitos, mas não direito às mesmas coisas. A busca da igualdade material é um instrumento de criação de regimes totalitários porque os direitos de propriedade e de liberdade estão intimamente conectados. Quebrada essa conexão, o Estado se torna senhor de tudo e de todos.
A missão principal do político conservador é combater a ação nefasta dos radicais de esquerda, erradamente chamados de “progressistas”. Para esses radicais só existe uma pauta: a destruição das instituições e da ordem social para a construção de uma nova ordem, criada a partir do nada, baseada na centralização totalitária do poder nas mãos de um pequeno grupo de iluminados. O século 20 viu, inúmeras vezes, que esses experimentos acabam sempre da mesma forma: em ditaduras sanguinárias, campos de concentração, censura, miséria e fome. A missão do conservadorismo é impedir isso, e conservar nossa liberdade, segurança e direitos. Por isso, ser conservador nos dias de hoje é combater a ideologia de gênero, o racismo “do bem”, a censura nas redes, o “desarmamento” civil (que mantém o monopólio das armas nas mãos dos criminosos), os ataques ao ocidente, o ativismo judicial e o terror climático.
O conservador não deve ser confundido com o reacionário, que deseja um simples retorno a uma época imaginária no passado, na qual tudo era perfeito. Nunca existiu época assim. Na verdade, o reacionário é a imagem espelhada do revolucionário: os dois desejam uma mudança radical, o reacionário para voltar ao passado, e o revolucionário para criar uma utopia. O conservador sabe que o caminho para o progresso é uma evolução cautelosa, com prudência, sem experimentos radicais, respeitando a tradição, a liberdade e os direitos, e adaptando os conceitos teóricos às exigências práticas da vida real.
Os políticos brasileiros, em sua maioria, não são conservadores. São raros aqueles que conhecem e acreditam nas ideias do conservadorismo, e pautam sua vida e atuação política por essas ideias.
Há muito tempo publiquei um texto mostrando como a esquerda sempre gera ditaduras, o que nunca acontece com o conservadorismo. Lendo as respostas, fiz uma terrível constatação: pensei que iria argumentar com discípulos de Marx, mas acabei discutindo com alunos de Paulo Freire. O grau de desconhecimento e demonização das ideias conservadoras no Brasil é assustador, e pode ser ilustrado por uma pequena história, quase cômica.
Aconteceu na campanha eleitoral de 2020.
Fui convidado a participar de um debate com três outros candidatos. Um deles era um rapaz que, embora se classificasse como “liberal”, limitava-se a repetir clichês progressistas. Quando o tema passou a ser segurança pública, vi uma oportunidade de desmascarar suas ideias.
Usei um truque que nunca falha.
Falei do tráfico de drogas e, citando fatos e dados, expliquei o papel central que ele desempenha na catástrofe do crime no Brasil.
O jovem “liberal” — na verdade, um esquerdista e, como quase todos, profundamente despreparado — reagiu furiosamente aos meus comentários. Depois de defender o “uso recreativo” da maconha e a estatização do tráfico de drogas, passou a atacar meu conservadorismo.
E aí vem a parte mais irônica, engraçada ou — dependendo do ponto de vista — trágica dessa história.
O jovem candidato narco-liberal, depois de dizer horrores do meu conservadorismo, se despede dizendo que só prometia a seus potenciais eleitores “sangue, suor e lágrimas”.
Essa expressão é de autoria de Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
Churchill foi o homem que enfrentou, e derrotou, a Alemanha Nazista.
Churchill foi dos maiores estadistas conservadores da história.
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Motta como sempre nos brindando com seus artigos de muita qualidade intelectual.
Este artigo deveria ser de leitura obrigatória principalmente nos cursos de sociologia, filosofia, história e assistente social em todas as universidades brasileiras.
Tarefa difícil diante do quadro atual destas instituições mas fundamental para a criação de consciência de como deve atuar o Estado e a sociedade em prol do bem comum.
Textos de uma pessoa ilustrada são sempre um prazer, mas “política sem moral” não é, nunca foi, atividade estéril; é danosa, como facilmente comprova a realidade brasileira.
Oi Motta, somos colegas de profissão, a engenharia civil, mas com muitos pontos em comum também fora dela. Eu também quase me filiei ao Novo, que adotava conceitos conservadores e liberais com os quais eu concordava. Quando vi quem era o João Amoeba, desisti. Sujeitinho intragável, arrogante e presunçoso. Esquerdista burro de primeira hora. Mas não é sobre isso que eu quero falar. É mais sobre o caminho que você tomou: leu centenas de livros, se informou, se aprimorou e hoje pode nos transmitir conhecimento importante, que todos deveriam ter, no combate a essa ideologia nefasta que, se não interrompida a tempo, vai destruir o país. Somos vítima de uma insanidade planejada e executada com requintes de crueldade pela elite bilionária globalista ( lembra-se ? Nos EUA, Jorge Paulo Lemann disse em 2021: “no ano que vem teremos um governo diferente…” ). O que eles sabiam que nós não ? Mas, enfim, temos que reverter essa situação. Pense em alguma coisa para 2026. Faça isso agora. Pra deputado federal deve ser mais fácil que para senador. Estou morando no estado do Rio de Janeiro. Mudo meu título de eleitor pra votar em você. Forte abraço!
Concordo, é fundamental para os conservadores e para o Brasil que o Motta seja candidato ao legislativo
Motta poderia estar liderando manifestações como no passado foram feitas para restabelecer a democracia, e entendo que só virá quando for EXIGIDO que o TSE/STF implantar o VOTO IMPRESSO como aprimoramento das urnas e que seguramente pacificará a população brasileira.
Com a devida vênia faço minhas as palavras do sr Lyiz Alberto. Inteligente, lúcido e sensato o artigo de Motta. Como é bom saber que ainda temos mentes assim. Graças a Deus não são poucas mas, como Motta diz, são as responsáveis, comedidas, portanto dependemos de tempo para que as coisas se ajustem. Enquanto isso, cada um de ndentro de suas possibilidades, vamos fazendo nosso trabalho de formiguinhas, sem esmorecer.
Concordo plenamente com você, mas temos que combater ferozmente os que tem certeza do que é melhor para o povo, os chamados tolos convictos
CARO MOTA, SOU UM LEITOR ATENTO DE SEUS ESCRITOS, PELA CLAREZA DAS IDEIAS E DEFESA DE SEUS IDEAIS. SÓ SINTO QUE VOCE NÃO POSSA NA JOVEM PAN EXPOR A CLAREZA DE SEUS PENSAMENTOS, TALVEZ POR IMPOSIÇÃO DO TUTINHA. LÁ VOCE E SEUS COLEGAS CHEGAM ATÉ A EVITAR FALAR DO STF OU SUPREMO,
SEMPRE SE REFERINDO “Á JUSTIÇA”. UMA PENA POR TANTO TALENTO DESPERDIÇADO. PELO MENOS AQUI NA REVISTA OESTE VOCE PODE FALAR A VONTADE.
FORTE ABRAÇO.
Concordo.