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Nota falsa de dólar americano com a imagem do presidente Lula, durante sessão plenária na Câmara dos Deputados, em Brasília (19/12/2024) | Foto: Reuters/Adriano Machado
Edição 249

A hora da verdade sobre Lula

Dois anos de mandato e o país saiu de um superávit fiscal para a explosão da dívida pública, o dólar nas alturas, inflação pressionada, juros elevados e um caos institucional

Adalberto Piotto
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A velocidade com que as coisas têm se deteriorado sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva espanta, mas não é uma surpresa. Durante a campanha de 2022, o então candidato Lula não chegou a apresentar um plano de governo, não indicou possíveis ministros e, tão logo veio o anúncio oficial do TSE, entregou a economia a Fernando Haddad e a Justiça a Flávio Dino. Era difícil dar certo. Deu errado. 

Atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal por indicação presidencial e anuência da maioria do Senado, Dino protagonizou a mais barulhenta e tensa gestão à frente do Ministério da Justiça, expurgando de vez qualquer iniciativa de pacificação que se vendeu ao eleitor na campanha. Ao sair do governo rumo ao STF para engrossar a fileira do ativismo judicial ilimitado, ganhou do presidente a definição de “o primeiro comunista no Supremo”. Comunismo é o oposto de democracia e vai contra a política da representatividade, de que falaremos mais adiante. Para o lulopetismo e seus apoiadores, isso não tem a menor importância. Deveria ter, mas não tem.

Da Fazenda, as notícias não são melhores. Em meio à maior crise de credibilidade, fiscal e cambial desde Dilma, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está de malas prontas e vai tirar férias. Eu poderia repetir a frase anterior para enfatizar o absurdo. Mas lembrar que “ministro da Fazenda”, “férias” e “crise” não poderiam estar na mesma frase já é o bastante e definitivo sobre a insegurança dos rumos da economia brasileira desde já, mas também quando janeiro chegar.

haddad e lula - artigo de mario sabino
Fernando Haddad é o ministro da Fazenda do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Reprodução/Facebook

Em 15 de novembro deste ano, na edição 243 da Revista Oeste, no artigo “’Ele não’…governa”, descrevi como o governo negligenciava a gestão do país. Era inconcebível, era inacreditável, mas acontecia. Recorro a dois parágrafos que reproduzo abaixo e que poderiam ser escritos agora, tão atuais que se mantêm:

Quase dois anos de um mandato pífio e a pergunta é: por que Lula não faz o que deveria fazer e vive a culpar os outros? A pergunta poderia também ser outra: quem apoiou mesmo esse governo que aí está? E se baseava em quê? A provável resposta será sempre a ladainha do Lula paz e amor e pragmático de 2003. Não cola mais. O Lula do primeiro mandato era o Palocci. Sobretudo na economia, como já escrevi neste espaço.

Fato é que as coisas mais urgentes para o país que demandam ações do Palácio do Planalto e de seus 39 ministérios não avançam. O atual governo faz de conta que os problemas do país, muitos dos quais ele gerou ou piorou, não são dele. Em psicologia, isso é chamado de estado de negação. Na política, é só gente ruim de serviço mesmo.”

De lá para cá, o governo dobrou a aposta na sua ineficiência e na mais candente ausência de liderança. À época da publicação, o governo produzia internamente um pacote de corte de gastos que se revelou uma tragédia em comunicação e conteúdo. Não que o tal pacote seja o responsável pela crise atual, mas foi apontado como a esperança de que o governo, este, sim, o culpado, tinha recobrado a consciência e percebido a sucessão de bobagens que vinha fazendo na economia do país. Para demonstrar que tinha algum apoio do Congresso, liberou mais bilhões de reais em emendas a deputados e senadores que votaram a toque de caixa um pacote ruim e insuficiente. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, Flávio Dino, “o comunista no Supremo”, passou por cima do acordo político, suspendeu o pagamento das emendas e mandou a Polícia Federal investigar o Congresso, e não o governo que pagou. Em que se pesem a transparência e o zelo com o dinheiro do pagador de impostos, não se trata aqui de julgar o mérito das emendas parlamentares em qualquer de suas formas. O fato principal é o que faz o Supremo no meio de uma negociação intrinsecamente política, entre dois Poderes políticos e que a cada quatro anos terão de prestar contas ao eleitor? A eventual malversação, se comprovada, não passará incólume pelas urnas. Investigar deputado e senador por distribuição de emenda negociada e liberada pelo Palácio do Planalto, sem até o momento qualquer desvio de finalidade comprovado, é o cúmulo do ativismo da Corte.

Líderes do Congresso prometem reação. Mas como será a resposta parlamentar diante do poder de xerife anabolizado e praticamente imperial que o STF se deu com a complacência de expoentes do Congresso Nacional? Os mesmos que permitiram até outro dia sufocar a oposição democrática e constitucional, quando esta denunciava as atrocidades supremas contra o artigo 2° da Constituição, o que garante a autonomia e prescreve a harmonia entre os Poderes. O título deste artigo é sobre isso. A inexplicável anuência em 2022 de parte imensa de toda a sociedade brasileira — entre economistas, acadêmicos, juristas, políticos de centro e tantos outros — com um Lula que dava todas as mostras de descolamento da realidade e que agora cobra o preço alto de um governo apático nas ações administrativas e arrogante na demonstração de poder.

Num vídeo publicado nas redes sociais no dia de Natal, Lula aparece falando de uma suposta “recuperação” de uma área da Granja do Torto, a casa de campo da Presidência, em que mostra carpas e um jabuti. Em meio a frases incoerentes sobre preservação da Natureza, sendo que seu governo registrou o recorde absoluto de queimadas e aumento da morte de indígenas na Amazônia, a desconexão da placitude presidencial com o Brasil é o que fica latente e ofensivo aos brasileiros que trabalham. Aos que se viram desesperados a procurar sobreviventes e corpos na tragédia da ponte que caiu entre o Maranhão e o Tocantins, no último domingo, a insensibilidade foi atroz.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva posa para fotos com ministros após reunião no Palácio da Alvorada, em Brasília (20/12/2024) | Foto: Reuters/Adriano Machado

Dois anos de mandato e Lula saiu de um superávit fiscal, herdado de Bolsonaro, de R$ 54 bilhões para a explosão da dívida pública, o dólar nas alturas muito além do 6 por 1, inflação pressionada, juros elevados e um caos institucional que dificulta uma saída para o país. Em condições normais de temperatura e pressão da política, estaria sob risco de impedimento. É algo estranho à democracia constitucional porque é um governo que não se garante politicamente, não anda nas ruas, mas sobrevive sob a inaudita sustentação do Supremo na base do “cumpra-se”, onde tem velado ou explícito apoio da maioria dos ministros. Ao Congresso, uma Casa política na essência, cujo protagonismo foi ceifado pelo ativismo do Judiciário das Cortes superiores e pela sua própria omissão, cabe agora o dever de voltar a se valer como Poder. É necessário que isso aconteça o mais rápido possível, uma vez que em todas as outras crises pelas quais este país passou só a política foi capaz de resolver, porque esta representa o eleitor, jamais o Judiciário. 

O drama brasileiro é que a conta da irresponsabilidade da reabilitação de Lula por parte do eleitorado, hoje arrependido e “com medo”, chegou. Se as festas de fim de ano e o cansaço de ver mais uma oportunidade perdida dão certo refresco ao governo federal por alguns dias, isso é passageiro. Depois dos fogos do Réveillon, vêm a vida real e a inevitável análise de planejar como será a vida dali em diante.

O Brasil que é grande e os brasileiros que são fortes não faltarão ao país. Porque logo será janeiro, ano novo, vida nova e com Haddad de férias.

Leia também “O negacionismo de Lula”

2 comentários
  1. Paulo Roberto Rensi
    Paulo Roberto Rensi

    “SEO PIOTTO”, uma vida é escrita por seus atos e o senhor está na “prateleira de cima”, segundo meus principios. Mas, o que isso tem a ver? Nada, não é? O que pensa um velho matuto? Será que vai influenciar algum brasileiro a mudar de ideia? Não inocente, ninguém deve mudar de ideia lendo um simples comentário na internet! Siga os ensinamentos e as tradições de seus ascendentes pois, tudo que você desfruta hoje, foi construído por eles. Não vá acreditar naquela mentira de: “Temos que destruir tudo que aí está, para construirmos um mundo novo”! Veja a idiotice: Grupos de ativistas progressistas, atacam estatuas de líderes de outras épocas, como se isso mudasse as história dos fatos. SÃO IGNORANTES DO TEMPO & DOS FATOS !

  2. Andre mendonça
    Andre mendonça

    Discordo quando diz que os brasileiros são fortes. Em sua maioria são incultos, incapazes, sem caráter, enfim, macunaímicos. O que esperar de um povo que pára carro na estrada para saquear caminhão acidentado?

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