Carta ao Leitor — Edição 249

O Brasil de Lula parece uma grande obra de ficção de má qualidade. Em dezembro de 2010, por exemplo, o presidente em fim de mandato decidiu registrar em cartório o que chamou de “todas as realizações” de seus oito anos no poder. Com selos, carimbos e firmas reconhecidas, o documento garantia que aquele país criado por Lula tinha reduzido a níveis próximos de zero a pobreza, a desigualdade social, o desemprego e a fome. Doze anos depois, na metade do terceiro mandato, as realizações fictícias seguem em expansão.

Carlo Cauti e Sarah Peres lembram que, em 2022, Lula foi eleito graças a promessas como “construir um Brasil mais igualitário, sem fome, sem pobreza, com bons empregos e salários, priorizando as pessoas que mais precisam”. A caminho do terceiro ano de governo, contudo, tudo o que Lula faz contraria o que disse — desde a limitação do crescimento real do salário mínimo em 2,5% (abaixo da inflação) até a criação de novos impostos, passando por cortes nas áreas de saúde e educação.

Como sempre acontece com Lula no comando, a vida dos amigos melhorou. Ser casada com um ministro de Estado virou garantia de ótimos empregos. Por exemplo, uma vaga de conselheira em um dos 33 tribunais de contas existentes no país. Até agora, cinco mulheres de ministros foram contempladas com cargos vitalícios e salários que variam de R$ 35 mil a R$ 41 mil, fora os penduricalhos. Ter experiência na área também deixou de ser pré-requisito, mostra a reportagem de Anderson Scardoelli. Onélia Santana, mulher de Camilo Santana, ministro da Educação e ex-governador do Ceará, é médica e psicopedagoga. Agora, vai julgar várias contas relacionadas ao governo do marido. Outras premiadas são a enfermeira Aline Peixoto, casada com Rui Costa, chefe da Casa Civil. E Renata Calheiros, que tem especialização em liderança em desenvolvimento da primeira infância e é cônjuge de Renan Filho, ministro dos Transportes.

Paralelamente, Lula estreita laços com ministros do STF. No tradicional indulto natalino, fez questão de excluir, “expressamente” — enfatiza Alexandre Garcia —, os “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. A decisão tirou qualquer esperança de centenas de inocentes trancafiados a mando de Alexandre de Moraes, acusados de terem participado do quebra-quebra de 8 de janeiro. Nesta semana, Augusto Nunes publicou uma retrospectiva resumida do que andou fazendo o STF ao longo do ano. Dois dias depois de arquivar os inquéritos contra Renan Calheiros e Romero Jucá na Operação Lava Jato, o Supremo ordenou a prisão de um contador de 63 anos, sob alegação de “receio de fuga”. Como diz o autor, é de chorar. 

Nesta semana, a crueldade da Corte chegou a níveis nunca antes vistos na história deste país. Primeiro, Moraes devolveu ao cárcere o cacique Serere, capturado na Argentina — os detalhes do caso estão no texto de Cristyan Costa. Depois, mandou prender em regime fechado o ex-deputado Daniel Silveira, que havia conseguido a liberdade condicional quatro dias antes. “Não há mais como justificar o injustificável, e todos que tentam fazê-lo são cúmplices de Alexandre de Moraes e seu sadismo, sua sede de vingança pessoal”, afirma Rodrigo Constantino. “A nossa ‘Justiça’ é uma mãezona com corruptos como Sérgio Cabral e uma madrasta má com inocentes que ousam criticá-la. Prende por anos uma cabeleireira que escreveu uma frase com batom na estátua da Justiça, enquanto devolve às ruas bandidos perigosos, assassinos e traficantes.”

Na reportagem de capa desta edição, Ana Paula Henkel conta que a essência do catolicismo está ressurgindo em diversas cidades americanas, principalmente entre jovens que estão comparecendo em massa em missas tradicionais e em latim. Embora a grande maioria dos ministros do STF se considere cristã, eles parecem ter esquecido um dos ensinamentos básicos da Bíblia: “Perdoai-vos uns aos outros”.

Daniel Silveira foi preso pela quarta vez no dia 24 de dezembro. Mais uma vez, não passou o Natal em família.

Boa leitura.

Branca Nunes,

Diretora de Redação