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Foto: Shutterstock
Edição 249

Gratia et Jvstitia

Ao conceder indulto de Natal excetuando 'crimes contra o Estado Democrático de Direito', o presidente perdeu a oportunidade de mostrar-se coerente com a mensagem de Natal

Alexandre Garcia
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O presidente da República, na mensagem de Natal, afirmou: “O Natal é um bom momento para relembrarmos os ensinamentos de Cristo: a compaixão, a fraternidade, o respeito e o amor ao próximo. Que cada um de nós reconheça no outro o seu semelhante, que irmão se reconcilie com irmão, que as famílias possam celebrar em comunhão”. Se ele levasse isso a sério, e pusesse em prática, anunciaria, em seguida, a graça de libertar os presos do 8 de janeiro que estão em presídios ou com tornozeleiras eletrônicas. Mas, no mesmo dia da mensagem de Natal, ele excluiu, expressamente, de seu decreto de indulto os “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Entre a paz futura e os antagonismos do passado, preferiu acirrar os antagonismos, como ao se vingar pelos 580 dias em que, condenado em três instâncias, ficou num quarto especial da Polícia Federal em Curitiba. Praticou o contrário da reconciliação manifestada.

Logo após a queda do bimotor em Gramado, matando a família inteira de um empresário, assombrou as redes uma postagem crudelíssima festejando que “morreram uns ricos, batendo o avião em casas de ricos, todos eleitores do Bozo“. Mensagem típica do ódio de luta de classes. Uma hora depois da tragédia, eu fazia a primeira leitura na missa do Mosteiro de São Bento, com a profecia de Miqueias sobre o nascimento do Salvador, que acabamos de comemorar. As últimas palavras são: “E Ele mesmo será a paz”. Aquele cujo Natal festejamos traz a paz do amor, oposto da guerra do ódio. A paz que Jesus traz é a finalidade da Justiça. A paz é o objetivo da Justiça; resolver os antagonismos entre as pessoas, obtendo a paz. Acirrar ânimos e antagonismos é contrário ao objetivo da Justiça. Cabe indagar se o topo do Judiciário brasileiro tem buscado a paz ou se age em sentido contrário.

Ilustração: Shutterstock

Um dos principais tribunais de Roma mostra na fachada o princípio Gratia et Jvstitia. Compaixão e justiça devem andar juntas, porque justiça não é vingança; ao contrário, é pacificação. Essa graça ou compaixão foi o que o presidente anterior concedeu a Daniel Silveira, usando da competência privativa prevista no art. 84, XII, da Constituição. O Supremo, desprezando a competência privativa do presidente da República, anulou o indulto. Daniel Silveira, preso político, não passou este Natal com a família, ao contrário dos milhares de condenados beneficiados com o saidão. Tudo ante o encolhimento ignominioso da Câmara de Deputados, que ignorou o artigo 53 da Constituição, que garante (?) imunidade a deputados e senadores por quaisquer palavras.

Às vésperas do Natal, em evento musical, artistas militantes de esquerda, ao saberem da presença do ministro Moraes, conduziram o coro “Sem anistia! Sem anistia!” — como se considerassem que o assunto não é com o Congresso, mas com um ministro do Supremo. Em 1979, o governo do general Figueiredo propôs “anistia ampla, geral e irrestrita”, que virou lei. Buscava a pacificação, antes de devolver o poder aos civis. Tido como o principal provocador da ação militar que derrubou o presidente Goulart, Leonel Brizola, ao voltar do exílio, anistiado, me disse: “Companheiro, o que é anistia senão esquecimento? Vamos esquecer o passado e construir o futuro!”. Pergunto se estamos construindo o futuro ou se ficamos presos ao passado, acirrando animosidade a cada dia. 

Anistiados, Fernando Henrique, Dilma e Lula viraram presidentes. Lula foi anistiado pela segunda vez, via Supremo, de três condenações na Lava Jato. Serra, anistiado, foi governador; José Genoino, presidente do PT. A anistia de 1979 fez esquecer homicídios, sequestros, assaltos, bombas. Mas agora, para a mãe manifestante armada de batom, a mensagem é “sem anistia”. Esse grito perto do Natal certamente não brota de corações cristãos. Em 1979, o governo que tomou a iniciativa da anistia reconheceu que de seu lado também foram cometidos crimes que precisavam ser esquecidos em nome da paz futura. O jurista Ives Gandra pensa que paz, amanhã, só com anistia para os dois lados, hoje. Anistia para os que cometeram crimes de arbítrio e contra a Constituição e para os “antidemocráticos” sem meios para um golpe, do outro lado.

Ao conceder indulto de Natal excetuando “crimes contra o Estado Democrático de Direito”, o presidente perdeu a oportunidade de mostrar-se coerente com a mensagem de Natal, com o que se apresentaria como Lula, o magnânimo. Confirmou que isso não é da natureza dele. Lula não o fez, mas a oportunidade se oferece para os outros que seguem o odioso objetivo da vingança. Saudações de “feliz Natal” são apenas hipocrisia se não houver gestos de paz e conciliação. É necessária a sabedoria da ação de paz para homenagear o Natal Daquele que é a própria paz, pois só com gratia a jvstitia cumpre o objeto de sua existência. Sem essa paz não haverá ano novo feliz.

Foto: Roman Samborskyi/Shutterstock

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7 comentários
  1. Felipe Polido Fernandes
    Felipe Polido Fernandes

    Que Deus console as vítimas do 8 de janeiro e seus parentes e amigos

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    É pura canalhice. Senhorinhas com a bíblia na mão toda rigidez, já corruptos toda a paciência e jogo de cintura.

  3. MTM
    MTM

    Mas o quê você deveria esperar de um ladrão? O ex-presidiário é só um oportunista que se beneficiou, primeiro no plano Real, que reduziu a inflação e segundo, com a recuperação de país graças a Temer e Bolsonaro depois da praga bíblica que ele colocou no poder, a Dilma. E é quase certo que os jumentos que lhe deram 3 mandatos, lhe darão um quarto, em 2026. Se isso acontecer, o descondenado terá mandado no país por 8 anos, mais 6 no governo da Dilma, onde foi ele presidente de fato, neste que termina em 2026 e no próximo, que inicia em 2027, porque ainda não há quem possa derrotá-lo, totalizando 22 anos no poder. E nestes anos todos, o Brasil continua tão miserável e pobre como no início de seus governos, em 2003.

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Alexandre Garcia sempre íntegro em seus artigos.
    O bom senso determina que nada se deve esperar de uma seita cujo deus é Lula.
    Lula 1 assumiu o país com a inflação controlada pelo plano Real que o PT votou contra.
    Mas tinha uma equipe de ministros como Aldo Rebelo, Henrique Meirelles, Nelson Jobim, Roberto Rodrigues, Roberto Mangabeira Unger e outros com pouca ou nenhuma expressão.
    Lula 2 surfou na onda do crescimento de 2 dígitos chinês com alta expressiva nos preços das commodities.
    Lula 3 é rancor e vingança sem nenhuma preocupação com o país, com uma estrutura inflada por ministérios que não produzem nada além de gafes e consumo de recursos do pagador de impostos.

  5. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Alexandre, não há o que esperar desse tipo de cristão que afirmou em entrevista que disse a procuradores que o visitavam na prisão que perguntado se estava tudo bem, disse: só vai estar tudo bem quando eu f…. com o Moro.
    O que podemos esperar desse cristão?

  6. Sandra Maria Ferreira Cavalieri D'Oro
    Sandra Maria Ferreira Cavalieri D'Oro

    Belo artigo, parabéns! Mas infelizmente nada muda, nada acontece….

  7. Celso Ricardo Kfouri Caetano
    Celso Ricardo Kfouri Caetano

    Excelente mais uma vez Alexandre Garcia. Lula infelizmente é um ser rancoroso, invejoso, dissimulado e mentiroso e não se dá mais ao temor de mostrar sua verdadeira face. É o Brasil em que muitos dos nossos representantes e membros de instituições outrora respeitadas perderam o medo e a vergonha.

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