Comemorado em 25 de dezembro nas igrejas ocidentais, o Natal é um dia de festa para muitas famílias. A celebração do nascimento de Jesus Cristo, considerado Deus e filho de Deus na tradição cristã, é tradicionalmente marcada por reuniões familiares, trocas de presentes e liturgias religiosas. No entanto, nem todos os fiéis têm o direito de comemorar a chegada do Messias ao estábulo de Belém.
Mais de 365 milhões de pessoas enfrentam perseguição por serem cristãs, segundo levantamento de 2024 da organização Portas Abertas, que estuda e combate a discriminação contra a religião há quase 70 anos e está presente em mais de 60 países. Isso significa que um em cada sete cristãos é perseguido no mundo.
“Muitas pessoas, inclusive no Ocidente, desconhecem que o martírio cristão ainda é uma realidade em várias partes do mundo”, afirma Cassiano Luz, diretor executivo no Brasil da agência missionária Servindo aos Pastores e Líderes (Sepal) e atuante há 25 anos no movimento missionário brasileiro. Segundo Luz, os níveis de perseguição vão da hostilidade verbal e social à prisão e morte por causa da fé professada. Missionários estrangeiros em locais de perseguição comumente são expulsos do país, enquanto cristãos nativos enfrentam risco de vida.
De outubro de 2022 a setembro de 2023, 5 mil cristãos foram mortos por causa de sua fé, enquanto quase 4 mil foram sequestrados ou estão desaparecidos pelo mesmo motivo. No mesmo período, pouco mais de 3 mil cristãos sofreram violência sexual ou foram vítimas de casamento forçado com não cristãos. Também foram registrados cerca de 43 mil casos de violência física e psicológica, o que inclui ameaças de morte.
No mesmo espaço de tempo, mais de 4 mil cristãos enfrentaram o cárcere — condenados ou ainda sob prisão preventiva — por causa de sua fé. Quase 15 mil igrejas ou templos cristãos foram atacados, além de 27 mil residências ou imóveis comerciais. E 295 mil cristãos precisaram deixar suas casas, ou seu país, para fugir da perseguição.
A Portas Abertas anualmente divulga a Lista Mundial da Perseguição, com o ranking dos 50 países onde a opressão aos cristãos é mais intensa. Em 2024, os dez piores foram:
- Coreia do Norte
- Somália
- Líbia
- Eritreia
- Iêmen
- Nigéria
- Paquistão
- Sudão
- Irã
- Afeganistão
Desses dez, nove têm o islamismo como religião oficial ou majoritária. Neles, a conversão ao cristianismo é proibida por lei ou reprimida violentamente, sob conivência do Estado. Além das ditaduras muçulmanas, todos os países declaradamente socialistas integram a lista da Portas Abertas e são classificados como locais de perseguição severa à religião.
Nesses locais, os fiéis geralmente se reúnem clandestinamente, nas chamadas “igrejas subterrâneas”, conta Cassiano Luz. Mas, apesar das adversidades, “há uma valorização muito maior da comunhão entre os irmãos de fé e da Palavra de Deus”. De acordo com o diretor executivo da Sepal, as comunidades cristãs praticam ativamente a memorização de passagens da Bíblia e se apegam a qualquer trecho impresso ou em áudio do Livro Sagrado, uma vez que a posse de um exemplar completo não é permitida.
No topo do ranking, a comunista Coreia do Norte é o local mais perigoso para seguir o cristianismo. Quando algum cidadão é reconhecido como cristão, é enviado para campos de trabalho forçado, onde enfrenta uma rotina tão exaustiva que o leva à morte, ou é sumariamente executado — mesmo destino dos demais membros da família. “Ser descoberto como cristão na Coreia do Norte é efetivamente uma sentença de morte”, informa o relatório da Portas Abertas. A organização estima que haja dezenas de milhares de cristãos mantidos em campos de trabalho forçado no país.
A lei do pensamento antirreacionário, promulgada em dezembro de 2020, aumentou o número de cristãos presos e de igrejas domésticas descobertas e fechadas. “Mesmo a posse de uma Bíblia é considerada um crime grave e deve ser severamente punida”, afirma o documento. A lei em questão, que tem 41 artigos sobre os mais diversos temas, proíbe a visualização, distribuição ou posse de “cultura reacionária”, o que envolve livros, filmes, músicas e outros materiais que contradigam a “ideologia socialista”.
No mesmo sentido, a China também não oferece um tratamento simpático aos cristãos. O Partido Comunista, que governa o país há 75 anos, supervisiona as igrejas para que não façam nada inapropriado do ponto de vista oficial — ou seja, elas devem louvar e permanecer fiéis ao Partido Comunista e à sua ideologia. Igrejas que alegam que “Cristo é rei”, por exemplo, são vistas com suspeita, pois o cristianismo é visto como uma influência ocidental. As igrejas domésticas no país não são registradas nem tecnicamente permitidas, embora relativamente toleradas.
Mesmo assim, o número de cristãos na China jamais estancou. O crescimento da igreja no país inclusive é uma das evidências de como as comunidades cristãs se fortalecem em meio a ambientes difíceis. “Quando a China se abriu para o Ocidente, muitos pensavam que não haveria mais cristãos lá, depois de anos de proibição do cristianismo e expulsão de missionários”, conta Cassiano Luz. “Surpreendentemente, a realidade mostrou que a igreja não apenas sobreviveu, mas continuou crescendo nesses contextos, tornando-se mais forte e resiliente.”
A perseguição aos fiéis não se restringe ao continente asiático: a cruzada contra os cristãos também acontece em alguns países da América Latina. Em Cuba, por exemplo, líderes religiosos correm o risco de ser interrogados, detidos, difamados e presos. Não é incomum que agentes do governo se infiltrem nas igrejas para monitorá-las.
Desde 2018, quando eclodiram na Nicarágua protestos contra o regime ditatorial de Daniel Ortega, a hostilidade aos cristãos se intensifica cada vez mais. Líderes religiosos foram presos e propriedades foram confiscadas, enquanto escolas cristãs, estações de televisão e instituições de caridade foram fechadas. Na Páscoa de 2023, a polícia proibiu as tradicionais procissões católicas da Semana Santa.
Mudanças na legislação do país são usadas para rotular líderes cristãos como terroristas e conspiradores de golpes. Ainda há denúncias internas de que o governo quer controlar os assuntos da igreja, tais como dízimos e ofertas. “O objetivo do governo não é simplesmente silenciar a voz dos cristãos, mas manchar sua credibilidade e impedir a propagação da sua mensagem”, aponta o relatório da Portas Abertas.
No Oriente Médio, o Irã é uma das ditaduras muçulmanas que têm a perseguição aos cristãos prevista por lei. A Constituição do país estabelece o crime de apostasia, no qual muçulmanos étnicos se tornam criminosos em caso de conversão ao cristianismo. Isso torna quase todas as atividades cristãs ilegais, especialmente quando ocorrem em língua persa.
Qualquer um que se converta pode ser detido ou preso. “O governo vê a conversão como uma tentativa do Ocidente de minar o islamismo e o governo islâmico do Irã”, diz o relatório. Quem é identificado como membro de uma igreja doméstica corre o risco de ser acusado de crime contra a segurança nacional, o que pode levar a longas sentenças de prisão, nas quais os cristãos ficam sujeitos a torturas e abusos.
As comunidades cristãs assíria e armênia do Irã são reconhecidas e protegidas pelo Estado, dada a relevância histórica de ambas. Todavia, seus membros são tratados como cidadãos de segunda classe. Não podem ter contato com cristãos de origem muçulmana de fala persa ou tê-los participando de seus cultos. Também são proibidos de cultuar ou ler a Bíblia em farsi, idioma oficial do Irã, ou de ter qualquer contato com cristãos que tenham se convertido do islamismo.
O portal da Portas Abertas disponibiliza relatos pessoais de cristãos presos e torturados em todos os países. E mostra que, a exemplo do que aconteceu com Jesus Cristo mais de 2 mil anos atrás, os fiéis dessa religião continuam a ser perseguidos por sua crença.
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