Pular para o conteúdo
publicidade
Foto: Shutterstock
Edição 250

Agro sem burocracia

Uma pequena sala em São José dos Campos abriga o 'Poupatempo do agro', que está agilizando a vida do produtor rural no interior de São Paulo

artur piva
Artur Piva
-

Toda atividade empreendedora no Brasil vem seguida de uma montanha burocrática quase intransponível. No agro não é diferente, e fica muito mais difícil enfrentar tanta regra e papel quando se é um pequeno produtor rural. Mas um escritório modesto na Prefeitura de São José dos Campos, no interior de São Paulo, está mudando essa realidade. Trata-se do Ponto Rural, uma espécie de Poupatempo do agro que chamou a atenção do governo paulista pelos grandes resultados alcançados.

A implantação do projeto teve início em 2017. Vinícius Corrêa é o arquiteto por trás da iniciativa. Formado em Direito e em gestão ambiental, ele concebeu a ideia enquanto estudava para o mestrado. 

Vinícius Corrêa, arquiteto da iniciativa, é formado em Direito e Gestão Ambiental. A ideia surgiu enquanto ele se dedicava aos estudos para o mestrado | Foto: Arquivo pessoal

São José dos Campos é conhecida por ser um grande polo de tecnologia. Filho e neto de criadores de gado, Corrêa percebeu que, em meio à produção de aviões da Embraer e às pesquisas do ITA, o agro acabou em um papel secundário, apesar de ocupar 68% da área do município. São pequenos produtores de gado de corte, leite e hortaliças buscando um meio de seguir em frente. 

Muitas vezes, porém, o crescimento e até mesmo a sobrevivência acabam emperrados pela falta de conhecimento diante da legislação e pela carência de acesso a técnicas mais modernas, como o uso de um trator ou o aproveitamento de insumos no solo. O papel do Poupatempo do agro é exatamente suprir esses tipos de demandas de camponeses que não teriam condições de arcar com os custos para vencê-las.

Sede do Ponto Rural, no Alto da Ponte, em São José dos Campos | Foto: Claudio Vieira/PMSJC

No Poupatempo do agro

A peça central dos serviços é a regularização fundiária. No Brasil rural de pequenas e médias propriedades, muitas vezes o dono da terra não tem a escritura e a matrícula do imóvel devidamente atualizadas. A regularização nos escritórios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária pode demorar anos — e o processo ainda é caro e confuso. No programa criado em São José do Campos, o problema é resolvido em questão de dias.

Sem esses documentos, não há acesso ao mais básico em um empreendimento rural: o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Ele é a chave para todas as ações que envolvem a propriedade. Nem sequer é possível vender ou desmembrar a terra sem isso. Esses papéis também são fundamentais para abrir um CNPJ e ter acesso ao crédito em bancos privados ou públicos. É a partir dessas duas ferramentas que o agricultor consegue dar os primeiros passos para crescer e explorar novas possibilidades na terra, demandando aí os outros serviços do programa.

A lista de atividades oferecidas pelo serviço também inclui a vacinação de animais, o transporte de calcário, a análise de solo, a emissão de guias para o transporte dos animais vendidos, o acesso a tratores e máquinas agrícolas, e um serviço de consultoria que envolve orientações tanto sobre legislação ambiental quanto a respeito de normas e critérios para a instalação de agroindústrias — um processo-chave para agregar valor à produção. Isso aconteceu, por exemplo, com Dimas Vilaça, de 65 anos.

Destravando oportunidades

Há poucos anos, depois de perder a maior parte do que havia acumulado com a venda de cavalos, Dimas começou a reconstruir a vida trabalhando na roça. 

“Fui dormir rico e acordei pobre”, lembra. “Trabalhar a terra foi a melhor solução que encontrei para me reconstruir. O Ponto Rural me ajudou a deixar os papéis em dia. Assim, consegui o crédito para investir e tive orientação dos funcionários nos meus projetos.”

No início, Dimas criava gado em alguns hectares de terra arrendados e tinha uma carroça puxada por boi para arar o solo. Com os serviços do Ponto Rural, o agricultor abriu um CNPJ, e conseguiu empréstimos. Com o leite da criação, ele começou a produzir queijo. Hoje, além de engordar animais, o produtor planta milho e usa a colheita para fabricar ração e vender o excedente a outros produtores da região. 

Por um tempo, ele usou o trator emprestado pela prefeitura. Recentemente, entretanto, ele comprou seu próprio maquinário. O motivo? “A produção cresceu e não posso mais esperar para usar as máquinas da prefeitura”, explica.

Esse exemplo mostra como a nota de corte para os serviços oferecidos acaba ocorrendo de modo natural. Não há regras definindo a partir de quantos hectares um produtor deixa de ser assistido. Em vez disso, o lugar tem uma estrutura adequada para quem não é grande.

“Um criador com 300 cabeças de gado não vai procurar o Ponto Rural para vacinar seus animais simplesmente porque não compensa para ele”, explica Alberto Alves Marques Filho, secretário de Inovação e Desenvolvimento Econômico. “Esse cidadão já tem sua própria estrutura e precisa de um serviço maior para atender à demanda, o que gera uma barreira natural, liberando a prestação para quem precisa. O mesmo acontece com o uso do trator e outras ferramentas que oferecemos. Na prática, quando o grande nos procura é para a regularização fundiária, por causa da agilidade que conseguimos.”

Alberto Alves Marques Filho, secretário de Inovação e Desenvolvimento Econômico | Foto: Reprodução/X

A equipe fixa no lugar é enxuta. Um funcionário para fazer a triagem, dois auxiliares administrativos, o funcionário a serviço do Incra e um líder coordenando a equipe. A estratégia é realizar as atividades com o intermédio de funcionários de outros setores da prefeitura, a exemplo dos veterinários lotados na Vigilância Sanitária. Eventualmente, a equipe ganha um reforço — isso tende a ocorrer nas campanhas de vacinação e em atividades pontuais em campo. Porém, a mão de obra extra é contratada sob demanda — são funcionários terceirizados para evitar ociosidade.

O segredo da agilidade

A agilidade citada por Marques reduziu a dias processos que antes levavam meses — ou até anos. Isso aconteceu graças à inclusão de um funcionário do Incra na unidade. Ele possui acesso a serviços no sistema que antes teriam de esperar em uma grande fila para passar por análise em São Paulo. A presença dele permitiu descentralizar o serviço, de modo que ele se concentra somente nas demandas locais.

“Hoje, o cadastro das propriedades rurais em São José dos Campos está muito mais próximo do real”, afirma Sinesio Sapuchaí, o funcionário do Incra na unidade.

A atuação dele no local começou em 2018. De lá para cá, o número de propriedades com CCIR deu um salto, saindo de cerca de 3 mil para 4,5 mil. Esse documento é uma espécie de certidão de nascimento da fazenda, sítio ou chácara. Sem ele não há, por exemplo, como acessar os financiamentos do Plano Safra — o programa do governo federal que oferece crédito subsidiado à agropecuária. “Algumas cidades da região têm escritório do Incra que recebe os processos de regularização, mas sem poder processá-los. Daí, as análises são feitas na cidade de São Paulo, onde a fila é muito grande.”

O fluxo é dinâmico. Sapuchaí monta e analisa o processo, insere o parecer no sistema, e um supervisor dele na capital valida todo o trâmite.

Essa operação simples foi fundamental para Thiago Indiani de Oliveira, de 45 anos. Ele resolveu abandonar a carreira de repórter no Rio de Janeiro para assumir um sítio em São José dos Campos que estava na família havia gerações.

A propriedade não ia bem, mas Oliveira decidiu reestruturar o negócio para mudá-lo, e um dos pontos seria a modernização do curral das vacas. Deu certo.

“Não demorou uma semana para fazer a regularização do CCIR”, afirma. No caso dele, a regularização envolveu informações que estavam desatualizadas desde que o lugar era administrado pelo avô. Com os documentos em dia, foi possível contratar o financiamento para comprar um misturador de ração no valor de R$ 250 mil. O equipamento tornou a alimentação do gado mais homogênea, levando a um aumento na produção de leite — e no lucro. São dez litros a mais por dia por animal, um incremento de R$ 3 diários por vaca. O equivalente a um faturamento extra de quase R$ 90 mil nas operações de um ano, considerando que ele mantém 80 animais.

Com a regularização, foi possível financiar um misturador de ração, o que aumentou a produção de leite e o lucro anual | Foto: Shutterstock

Com a melhora nos negócios, Oliveira chegou a pensar em fabricar queijos. A prefeitura também o ajudou a estudar a viabilidade do negócio, oferecendo orientações quanto às exigências legais e às adaptações de estrutura que seriam necessárias para cumpri-las. No fim das contas, o produtor decidiu que o risco era muito alto diante do custo, diferente do que aconteceu com o casal Antonio Osny e Lori Toledo, de 75 e 74 anos, respectivamente. 

Ele é físico e ela é engenheira civil e de segurança do trabalho. Os dois resolveram se lançar em uma empreitada em São José dos Campos: criar ovelhas e fazer queijos com o leite delas. Assim surgiu a marca Capril CapriNy. A dupla começou o negócio em 2008, mas chegou a se arrepender da empreitada. Por uma década, o casal ficou enterrado na burocracia e não conseguia regularizar a produção, relata Lori. Com os serviços oferecidos pela Prefeitura de São José dos Campos, a legalização veio em poucos meses. Hoje, eles criam cerca de 80 cabras e produzem vários tipos de queijo.

“Eles nos ajudaram com as guias de transporte de animais, notas fiscais etc.”, diz. “Tivemos a orientação sobre como abrir tudo o que uma empresa precisa e muitas vezes o empreendedor desconhece.”

Leia também “A melhor carne do mundo”

4 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    No Brasil o serviço público, que deveria servir ao público, cria dificuldades para vender facilidades.
    E o sistema se defende com unhas e dentes. Hélio Beltrão citado pelo leitor Erasmo Silvestre da Silva, Ministro da Desburocratização no governo de João Figueiredo não conseguiu eliminar um único carimbo.
    Parece piada, mas com todo o avanço tecnológico atual o carimbo ainda faz parte do dia-a-dia de muitas instituições públicas e privadas.
    A ação desenvolvida em São José dos Campos prova que quando existe ação somada a vontade politica a vida de todos pode se tornar muito mais leve com ganhos de escala para todos os agentes econômicos.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Você já viu algum serviço público no Brasil prestar? Sempre foi assim, uma burocracia infinita. Hélio Beltrão foi ministro da desburocratização no governo militar, mas comunismo adora burocracia. Tem que mandar todos os comunistas pro inferno lá é o lugar de Satanás

  3. Vinicius de Pinho Corrêa
    Vinicius de Pinho Corrêa

    Foi uma grande grande honra receber aqui o Jornalista Artur Piva da Eevista Oeste, para constatar a inovação dos serviços do Ponto Rural. A Revista Oeste prima sobretudo, pela verdade é compreende o produtor rural como um herói valente que mantém esse Brasil em pé. Grande abraço a todos da Revista OESTE! Vinicius Corrêa.

  4. Vinicius de Pinho Corrêa
    Vinicius de Pinho Corrêa

    Foi uma grande grande honra receber aqui o Jornalista Artur Piva da Eevista Oeste, para constatar a inovação dos serviços do Ponto Rural. A Revista Oeste prima sobretudo, pela verdade é compreende o produtor rural como um herói valente que mantém esse Brasil em pé. Grande abraço a todos da Revista OESTE! Vinicius Corrêa.

Anterior:
Sete descobertas e feitos científicos de 2024
Próximo:
O fim de uma lenda
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.