Ovídeo viralizou logo depois da confirmação de que Luiz Inácio Lula da Silva havia vencido Jair Bolsonaro no segundo turno da disputa presidencial de 2022. As imagens que circularam pelas redes sociais mostravam jornalistas da TV Globo deixando de lado o alegado apartidarismo para comemorar o êxito do petista. Repórteres, produtores e editores sorriam, batiam palmas e se abraçavam. Houve até quem se arriscasse a dançar em meio à redação. Dois anos depois, ao menos em termos financeiros, a emissora tem novos motivos para gargalhar e vibrar com a volta do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder.
Dados compilados por Oeste a partir de informações disponibilizadas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) revelam o tamanho da bolada que saiu do bolso dos pagadores de impostos para os cofres do conglomerado de mídia da família Marinho. Desde janeiro de 2023, ocasião em que o PT retomou o comando do Executivo federal, os canais abertos pertencentes à Globo ou aos seus afiliados ganharam R$ 252 milhões. Valor que supera os R$ 242,1 milhões recebidos pelos mesmos veículos de comunicação durante a totalidade dos quatro anos em que Jair Bolsonaro esteve à frente do Palácio do Planalto.
Apesar de a Globo ter emissoras próprias em apenas cinco cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife), a Secom classifica as afiliadas espalhadas por todos os Estados brasileiros como parte do mesmo grupo.
A deputada federal Rosana Valle (PL-SP) não se surpreende com a quantia milionária repassada à emissora pela equipe do ministro-chefe da Secom, o petista Paulo Pimenta. Para ela, que é formada em jornalismo e trabalhou durante 25 anos na TV Tribuna (afiliada da Globo na Baixada Santista), trata-se de estratégia do governo. De acordo com a parlamentar, os repasses vão aumentar, pois vão além da questão meramente comercial. A congressista acredita que o investimento reforça uma aliança de conteúdo.
“O PT conhece o poder da mídia e, historicamente, sempre investiu, e muito, em veículos de comunicação, principalmente nos que têm boa vontade e alinhamento com o governo petista”, avalia a deputada. “A TV Globo ainda tem audiência e poder junto às camadas mais desassistidas da população, público preferencial do atual governo. Daí o investimento maciço na emissora, que hoje é quase uma porta-voz das posições da gestão federal. Em confronto, inclusive, com quase tudo o que diz respeito ao ex-presidente Jair Bolsonaro e à direita brasileira.”
Âncoras oficialistas
A divisão de TV aberta do Grupo Globo não é a única a ter razões para festejar a volta da turma do PT à Secom. Em dois anos, os jornais impressos do conglomerado voltaram a veicular anúncios de órgãos controlados diretamente pelo governo federal. Dessa forma, O Globo, Valor Econômico e outros títulos receberam mais de R$ 900 mil no decorrer dos últimos 24 meses. Sob Bolsonaro, a quantia se limitou a R$ 137 mil — que foram desembolsados em ações publicitárias realizadas em 2019. Depois, a fonte secou.
A situação é similar em relação às revistas impressas. Enquanto Bolsonaro não direcionou um único centavo para as publicações mantidas pelo Grupo Globo, Lula liberou R$ 290 mil para elas. O atual presidente da República já repassou R$ 10,2 milhões aos sites e portais de internet dos irmãos Marinho — o equivalente a mais de 250% na comparação com os R$ 2,8 milhões distribuídos pelo seu antecessor no cargo.
No comparativo com a totalidade do governo Bolsonaro, a gestão petista pagou menos — ao menos até agora — a canais da TV fechada e a emissoras de rádio pertencentes ao Grupo Globo. O que não significa, contudo, que o caixa deles esteja desguarnecido pela companheirada. Somente em 2023, os veículos da televisão por assinatura da empresa faturaram R$ 6,5 milhões, mais do que os R$ 5,8 milhões repassados no ano anterior. Na mídia radiofônica — CBN, BH FM e Rádio Globo —, ganharam R$ 6,76 milhões nos últimos dois anos. Superaram assim os R$ 6,74 milhões recebidos nos 24 meses anteriores.
A elevação de verba publicitária por parte do governo federal se relaciona com a conduta editorial do Grupo Globo, conforme indica Rosana Valle. Ainda em meio ao processo eleitoral de 2022, o âncora William Bonner disse durante edição do Jornal Nacional que Lula, que havia sido condenado em três instâncias, “não devia nada à Justiça”. Em junho de 2023, a empresa contratou Daniela Lima, a apresentadora que um dia depois da eleição do petista afirmou que o povo voltaria a comer picanha, a se vestir bem e a “transformar” aeroportos em rodoviárias. Hoje, a mesma Daniela Lima dá risada ao dizer que recebe figurinha de ministro de Estado no WhatsApp e usa o microfone da GloboNews para culpar memes de redes sociais pela alta do dólar — hipótese que o mais novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, negou publicamente.
Público em fuga
O aumento do dinheiro que a Secom injeta na TV Globo contrasta com a queda de audiência da emissora, tanto no jornalismo quanto em outros segmentos da programação. O Jornal Nacional, por exemplo, perdeu 41% do público na Região Metropolitana de São Paulo em duas décadas, indo da média de 39,8 pontos no Ibope em 2004 para 24 pontos em 2023. O que era ruim para o noticiário apresentado por William Bonner e Renata Vasconcellos ficou ainda pior. Neste ano, a média do programa é de 23 pontos na Grande São Paulo, principal praça para o mercado publicitário. Na região, cada ponto do Ibope equivale a 200 mil telespectadores.
Na teledramaturgia, o fiasco de audiência também se faz presente. O episódio de Mania de Você exibido na véspera de Natal deste ano entrou de forma negativa para a história do canal. Com 14,1 pontos de média na Região Metropolitana de São Paulo, foi o pior Ibope para uma telenovela das 21 horas.
Nas demais mídias, a fuga de público prossegue. A GloboNews, que se gaba por ser o canal de notícias mais assistido da TV paga, tem média diária de apenas 0,33 ponto no Painel Nacional de Televisão — indicador aferido pela Kantar Ibope Media. Na Grande São Paulo, a CBN ocupa somente a 19ª posição no quesito audiência entre as emissoras radiofônicas, conforme o site Tudo Rádio. Além disso, a versão impressa do jornal O Globo continua a encolher. A circulação foi de 130 mil exemplares diários em 2017 para 53 mil em 2023, segundo registros do portal Poder360. É uma queda de praticamente 60% no período de seis anos.
Perdendo audiência, o Grupo Globo lida com a diminuição de suas estruturas operacionais. Em abril do ano passado, mais de 30 jornalistas foram demitidos de uma só vez da TV. Sete meses depois, nova demissão em massa assombrou o conglomerado, com ao menos 20 profissionais dispensados da CBN e da Editora Globo (que responde pelos jornais e pelas revistas do conglomerado). Desde janeiro de 2023, atores e atrizes também deixaram de fazer parte do time de contratados da empresa. Deborah Secco, Antônio Fagundes, Flávia Alessandra e Paolla Oliveira são alguns dos exemplos.
O violão do ministro
A repórter Giovana Teles foi uma das demitidas pela Globo em abril de 2023. Na sequência, em julho, ganhou cargo no governo Lula. Ela passou a trabalhar como assessora de imprensa da Secretaria-Geral da Presidência da República. A jornalista, entretanto, não foi a única a fazer o caminho de sair do grupo da família Marinho para se aventurar no poder público. Dispensada da emissora em 2021, depois de 46 anos, a apresentadora Cissa Guimarães foi contratada pela TV Brasil (canal público que integra a Empresa Brasil de Comunicação, a EBC) em janeiro de 2024, com direito a salário de R$ 70 mil — além de R$ 16 mil mensais para o maquiador dela.
Também fora da Globo desde 2021, o jornalista Marcos Uchôa foi outro a figurar na lista de contratados da EBC. Inicialmente, em junho do ano passado, ele serviu como “escada” de Lula na apresentação do videocast Conversa com o Presidente. A estreia do programa, que foi descontinuado meses depois, foi marcada por uma fake news. Ao portal UOL, o comunicador afirmou que a atração tinha alcançado 1,5 milhão de pessoas de forma simultânea. No dia, entretanto, a audiência somava menos de 90 mil visualizações no YouTube. Depois, em agosto do mesmo ano, ele ganhou programa na TV Brasil, em cobertura que, basicamente, mostrava as viagens internacionais de Lula. Com salário na casa dos R$ 14 mil, Uchôa deixou a EBC em fevereiro deste ano.
Num país que enfrenta cotação do dólar acima dos R$ 6, alta da inflação e rombo nas contas públicas, resta aguardar uma certa comentarista explicar que o povo precisa “entender como é bom” o governo Lula injetar milhões de reais em veículos do Grupo Globo e usar o dinheiro dos pagadores de impostos para bancar as contratações de ex-globais. No mais novo “padrão Globo de qualidade”, no qual jornalista abre o sorriso ao pedir para o ministro da Fazenda tocar violão, não é difícil imaginar uma submissão dessa.
Leia também “Jornalismo suicida”
A reportagem falha em apresentar os números verdadeiros do que está acontecendo no país. Para chegarmos ao correto valor do negócio realizado entre a Globo e o PT devemos incluir o montante gasto pelas estatais e controladas pelo governo, como Petrobras, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Correios, Vale e outras. Imagino que tomaremos um susto com tamanho amor demostrado pelo nine com os marinhos.