Dois dias depois de afirmar que é amante da democracia, Lula traiu a amante ao ter representante de seu governo como testemunha da posse ilegal de Maduro. O vizinho do sul ficou silente ante as ameaças, as prisões e a distribuição de armas a milícias por parte da ditadura de Maduro, nestes últimos dias. O vizinho ocidental, o esquerdista Gustavo Petro, do país que mais recebe refugiados venezuelanos, condenou as prisões, o desrespeito aos direitos humanos e disse que, por isso, não poderia testemunhar o ato de posse. Lula limitou-se a pedir as atas eleitorais que, obviamente, não vieram, e, com ausência de reação, consentiu o desrespeito escancarado da eleição de 28 de julho. Não pôs em prática na sexta-feira a democracia que pregou na quarta-feira da mesma semana.
Todo mundo sabe que Maduro perdeu a eleição. Mas decidiu que não perdeu. Mandou parar a contagem quando já haviam sido apurados 83,5% dos votos e Maduro tinha 30%, enquanto o opositor embaixador Edmundo González tinha 67%. A oposição tinha fiscais em todas as sessões, que iam registrando as atas da apuração. O resultado desfavorável a Maduro foi atestado pelo Carter Center, insuspeito porque foi quem referendou a aprovação de Hugo Chávez no referendo de 2004.
Para reconhecer o resultado de 51,2% alegado pela contagem oficial, Lula pediu as atas, que nunca foram apresentadas — o que confirma o resultado aceito pelo Carter Center, ONU, União Europeia, entre outros. A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos promoveu um acordo prévio em Barbados, assinado pela Venezuela, se comprometendo com eleições limpas. O Itamaraty chegou a denunciar que Maduro não cumpriu o acordo. Lula foi chamado de agente da CIA pelo procurador-geral da Venezuela, preposto de Maduro. E, ainda assim, o seu governo que defendeu democracia no dia 8 participa de uma posse ilegal no dia 10, anistiando Maduro sobre a exigência das atas da eleição venezuelana. O vencedor, Edmundo González, foi recebido em triunfo na Casa Rosada e na Praça de Maio, em Buenos Aires, depois pelo presidente do Uruguai, e em seguida pelo presidente Biden, em Washington. O presidente dos Estados Unidos se referiu a González como “presidente eleito da Venezuela”. Pelo Brasil, passou ao largo. Deve ter sabido que não seria recebido por Lula. Oportunidade perdida pelo governo brasileiro, para exigir democracia na vizinhança e confirmar convicções democráticas, como já fizeram oito países da região.
A propósito, se o ato deste 8 de janeiro fosse realmente sincero, pela democracia, deveria ter a exigência do estrito cumprimento da Constituição. Afinal, as autoridades que lá estavam juraram cumprir e defender a Lei Maior. É a Constituição que estabelece os fundamentos do devido processo legal, do juiz natural, do amplo direito de defesa; é a Constituição que veda todo e qualquer tipo de censura, que garante a livre manifestação do pensamento, sem anonimato; que garante a todos o acesso à informação, a livre locomoção e o direito de reunião sem armas; que torna deputados e senadores invioláveis por quaisquer palavras; que estabelece a competência privativa do presidente da República de conceder indulto, e a competência privativa do Ministério Público da ação penal pública. Seria a grande oportunidade de exigir o “retorno aos quadros constitucionais vigentes” — para repetir a palavra de ordem que resolveu a crise institucional de 1955, com a posse de JK.
O objetivo foi um evento de propaganda política e de intimidação ao direito de protestar — sem se comprometer com sinceridade pelos princípios democráticos que os constituintes de 1988 inscreveram nas cláusulas pétreas da Lei Maior, que já foram relativizadas. Assim, nossa democracia fica tão relativa quanto a venezuelana, a que se referiu Lula em 2023. Se a Constituição deixa de ser inflexível, tudo mais é insegurança jurídica, vale dizer insegurança social e pessoal. Pois democracia não é um rótulo. Ela é o próprio conteúdo, o cerne, a essência da vida de uma nação. Uma democracia não pode ter censura, arbítrio. Democracia é liberdade de expressão, devido processo legal, segurança jurídica. É quando a Constituição fica acima de todos e ninguém acima dela.
Ficou no ar o ridículo da hipocrisia exposta. Lula se arvorou em juiz, ameaçando os manifestantes do 8 de janeiro de 2023 com uma reação implacável e punições. E ninguém se sentiu constrangido em defender a democracia com meios fora do devido processo legal para “salvá-la”. Na Praça dos Três Poderes cabem 100 mil pessoas. O Poder360 contou 1,2 mil, no auge da celebração, quando chegaram as autoridades. Afinal, era uma quarta-feira, dia útil, no horário do almoço dos trabalhadores. Provavelmente o público que lá estava desfrutava de férias. Na primeira parte da cerimônia, houve coro de “sem anistia”. Dois anos antes, o coro da praça cheia gritava por transparência na apuração de votos, o que é essencial na democracia.
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Se houvesse uma “classificação” para esse ato, como acontece ou acontecia com os filmes e espetáculos em geral, esse ato não poderia ser exibido no “horário nobre” e nem poderia ser exibido para menores de idade. Indecência em estado bruto, um verdadeiro “hardcore” político, da pior espécie. E agora ainda temos que ver o “pimp” da democracia portando esse chapéu ridículo até em ambientes fechados. Se era difícil ver, agora ficou ainda pior.
sr Alexandre, pedir pro governo Brasileiro exigir democracia na Venezuela? como? se aqui não temos……