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Sob o governo Lula, o Brasil enfrentou uma epidemia histórica de dengue em 2024, marcada por recorde de mortes, inércia governamental e atraso na vacinação | Foto: Shutterstock
Edição 251

Dengue nas quatro estações

A péssima gestão da ministra Nísia Trindade e o descaso de Lula com a área da saúde provocaram uma epidemia sem precedentes em 2024. E a tendência é piorar

Myllena Valença
Rachel Díaz
Rachel Díaz
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Os prontos-socorros brasileiros passaram o ano inteiro superlotados. Milhares de famílias se amontoaram nos corredores enquanto os médicos plantonistas se apressavam para atender os pacientes com o mesmo diagnóstico: dengue. A doença que assolou o país provocou uma epidemia sem precedentes, com milhões de infectados e uma marca trágica: recorde no número de mortos em 2024.

De acordo com o Ministério da Saúde, 6 mil brasileiros morreram de dengue no ano passado. Esse número supera a soma de óbitos pela doença nos últimos oito anos. Como o governo ainda investiga 6,5 milhões de casos prováveis, a situação deve se agravar nos próximos meses. Outro ponto desfavorável é o pico do verão, com a temporada de chuvas, o que tradicionalmente amplia o número de casos.

O país bateu a triste marca de incidência da doença em todo o continente americano. Um relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), publicado em outubro, revelou que os casos de dengue no Brasil em 2024 subiram 255% em relação a 2023, e mais de 430% em comparação com a média dos últimos cinco anos. E não para aí: o Brasil concentrou cerca de 80% de todos os casos de dengue.

Esse cenário seria menos dantesco não fosse a inépcia do governo Luiz Inácio Lula da Silva. A dengue, como se sabe há décadas, é uma doença previsível. Ou seja, medidas de prevenção do Ministério da Saúde, chefiado por Nísia Trindade, poderiam suprimir as investidas do mosquito Aedes aegypti, vetor do vírus. Mas nada foi feito.

Mortes por dengue no Brasil (de 2017 a 2024) | Fonte: Ministério da Saúde (dados até 28 de dezembro de 2024)

Em julho de 2023, por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta: por causa do fenômeno climático El Niño, que eleva as temperaturas e a incidência de chuvas, os casos de dengue poderiam atingir índices recordes. A previsão se concretizou. Em dezembro do ano passado, o Brasil já era o país com mais casos de dengue no mundo, de acordo com o próprio órgão internacional. À época, eram quase 3 milhões de doentes, o que representava metade dos casos em todo o planeta.

Apesar de a OMS ter previsto que os brasileiros enfrentariam uma epidemia sem precedentes de dengue, o governo Lula diminuiu o ritmo de contratação de novos agentes comunitários de endemias (Aces) — os únicos profissionais habilitados dentro do SUS para as ações de controle do mosquito Aedes aegypti. Em contrapartida, em 2022, durante a gestão de Jair Bolsonaro, o número de agentes crescera em cerca de 4,5 mil. Já no primeiro ano de gestão de Lula, o acréscimo foi de pouco mais de 800 servidores. 

O setor do Ministério da Saúde que lida com os Aces está sob o comando da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), atualmente supervisionada pela epidemiologista Ethel Maciel. Ela tirou férias durante todo o mês de janeiro deste ano, logo depois de assinar um comunicado que alertava para “a possibilidade de uma epidemia de dengue maior do que as já registradas historicamente no país”.

Onde estão as vacinas? 

A solução que Nísia Trindade encontrou foi montar um Centro de Operações de Emergências para analisar diariamente a evolução dos casos e mobilizar as ações de todos os órgãos públicos envolvidos no enfrentamento da doença. Em paralelo, a ministra lançou um programa de vacinação contra a dengue. Conhecido como Qdenga, o imunizante seria incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Nísia, o Brasil seria pioneiro no mundo ao oferecer a vacina no sistema público universal. O público-alvo seriam crianças entre 10 e 14 anos, grupo mais afetado por casos de internação pela doença.

Essa iniciativa falhou desde o começo. Em janeiro, o ministério disponibilizou somente 5 milhões de doses, que seriam suficientes para apenas 2,5 milhões de pessoas — ou 1,1% da população.

No fim de abril, as Secretarias de Saúde de cinco Estados relataram a perda de ao menos 5,5 mil doses de vacinas contra a dengue, porque estavam vencidas. Essas doses fazem parte do primeiro lote de 668 mil imunizantes distribuídos em fevereiro pelo governo. Entre os Estados afetados estavam Amazonas, Bahia, São Paulo, Maranhão e Rio Grande do Norte. 

Vacina Qdenga, da fabricante japonesa Takeda | Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília

A ‘explosão’ da doença

Infectologista da Universidade de Pernambuco (UPE) e do Grupo Oncoclínicas, Filipe Prohaska chama atenção para algumas falhas estruturais no país que tiveram impacto no combate à dengue — especialmente o atraso na vacinação dos brasileiros. Apesar da propaganda de pioneirismo do Ministério da Saúde, Prohaska afirmou que a vacina da dengue chegou à população um ano depois de ter sido lançada e liberada em diversos países.

“A taxa de vacinação da população foi muito baixa, e a propaganda governamental de conscientização foi muito escassa”, avaliou o especialista. “Como não havia vacina suficiente para a população, o governo não fez a propaganda justamente para não haver uma procura maior.”

Para o infectologista Francisco Cardoso, integrante do Conselho Federal de Medicina (CFM), os erros do Ministério da Saúde agravaram a situação. “Primeiro, por ter negligenciado os sinais do surto da epidemia de 2023”, explicou. “Em dezembro do ano retrasado, já estávamos vivenciando uma epidemia. Ou seja, o que aconteceu em 2024 foi só uma amplificação do problema.” 

Cardoso acredita que o Ministério da Saúde está retardando a vacinação em massa contra a dengue porque quer privilegiar a criação de um imunizante nacional. “Eles querem que os recursos públicos para o pagamento das vacinas vão para algumas instituições — o que, na minha opinião, está errado”, disse. “Já temos uma vacina aprovada, autorizada no Brasil desde 2022: a japonesa Takeda. Contudo, o governo está ignorando. Tudo para a vacina brasileira não perder mercado. Acho um crime. Vão esperar até quando? Quantas epidemias e mortes por dengue vamos ter no Brasil até que o fabricante favorito da ministra Nísia e do governo Lula consiga fazer a vacina?”

O fracasso de Lula

A ministra Nísia Trindade favorece interesses políticos ao ignorar a vacina japonesa Takeda contra a dengue, já aprovada, para priorizar um imunizante nacional | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O alto número de casos de dengue resultou em um cenário assustador no país: em 2024, a doença matou mais pessoas que a covid-19 — enfermidade que levou críticos de Bolsonaro a apelidá-lo de “genocida” na época da pandemia. A mesma crítica não foi direcionada ao governo Lula.

Além disso, integrantes do governo Lula que outrora criticavam a gestão Bolsonaro pelo avanço da covid-19 no país demonstraram desconhecimento sobre como lidar com a epidemia de dengue, uma doença menos letal e mais previsível.

Em 2 de setembro, por exemplo, durante a 4ª Reunião do Grupo de Trabalho da Saúde do G20, a ministra Nísia Trindade afirmou que não existem condições para erradicar a dengue no país. Com isso, o planejamento nacional de combate à arbovirose (classificação das doenças causadas por vírus transmitidos principalmente por mosquitos) seria focado em estratégias para “minimizar” o impacto da doença.

“Sabemos que não há condições de eliminar a dengue”, afirmou Nísia. “A doença aparece há 40 anos, alguns anos mais forte, outros menos. E, agora, ampliou muito a escala.”

Durante um evento realizado 16 dias depois do pronunciamento de Nísia, o presidente Lula apelou à fé para erradicar a doença. “Se Deus quiser, teremos o verão com menos dengue na história deste país”, disse.

O presidente ainda atribuiu aos brasileiros a responsabilidade de lidar com a doença. “Se cada um cumprir sua função e não permitir que não haja nenhuma possibilidade que os mosquitos tirem férias no seu quintal, vamos ter muita mais condição de combater as arboviroses deste país”, disse, ao acrescentar que 75% dos focos de dengue estariam em domicílios.

A reportagem de Oeste interpelou o Ministério da Saúde em relação às medidas de combate à dengue. De acordo com a pasta, haverá o investimento de R$ 1,5 bilhão até o fim de 2025 para amenizar a crise sanitária. As ações incluem o uso de novas tecnologias, a garantia de doses de vacina para o público-alvo, a ampliação de insumos laboratoriais para testagem e a distribuição de inseticidas e biolarvicidas para o controle vetorial.

Até agora, nenhuma das ações anunciadas por Nísia Trindade surtiu efeito. Mais de 6 mil pessoas morreram assistindo à inércia do governo, enquanto outras 6,5 milhões temem reforçar o número de óbitos. Sob o governo Lula 3, o Brasil virou o país da dengue.

Leia também “Brasil: o país da dengue”

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