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Foto: Montagem Revista Oeste/Diego Thomazini/Shutterstock
Edição 252

Não são os 20 centavos. Nem o Pix

Não se deve subestimar a inteligência do brasileiro e usar a força para calar opositores

Adalberto Piotto
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O governo Lula acabou porque não começou ou não começou porque já acabou? A frase icônica do comercial de Tostines é só uma provocação a um governo que se alimenta da adulação de áulicos da mídia tradicional, empresários e dirigentes de entidades sem coragem de dizer o que pensam da atual gestão com medo de perseguição estatal e, sim, da militância profissional que ganha muito para fazer o que faz. Adulação cega.

Fato é que mal entramos no terceiro ano do mandato presidencial, acabamos de empossar prefeitos eleitos no último pleito e já se fala de 2026 com desejo de que o tempo passe rápido. O governo deveria entender isso como um aviso de que não, nada está bom como ele imagina estar. A conta do mercado, que não para de subir, não dá trégua.

O caso do Pix, notabilizado pelo vídeo do deputado Nikolas Ferreira e visto mais de 275 milhões de vezes, quebrou a redoma da insensatez deste governo de Lula 3, notoriamente desconectado da realidade e dos brasileiros. E expôs o nível de incompetência do lulopetismo que culpa a tudo e a todos pelos seus erros, menos quem ele deveria culpar: ele próprio.

O governo acusa o deputado de fake news por dar a entender que o Pix seria taxado. No vídeo, Nikolas Ferreira nega isso por várias vezes. Apenas faz a devida lembrança da promessa do governo Lula e de sua base de que as comprinhas da Shein e de outros sites chineses não seriam taxadas. No final, foram. Ou seja, sem julgar o mérito das coisas, como confiar novamente? Decisões de governo têm ônus e bônus, prós e contras, mas vem alguém e explica. Para conseguir explicar, precisa fazer sentido. Faz? E, para convencer, é necessário credibilidade. Tem? É aí que o governo Lula se embanana.

Sem nos afastarmos do fato, a medida do Pix falava em monitorar as “movimentações financeiras” com o objetivo de trazer transparência e isonomia tributária para todos, independentemente da renda ou da forma de transação. Em tese, estendia-se ao Pix o que já se faz em outras situações de fiscalização. E, se não tivesse por que pagar imposto, não pagaria. Mas em se tratando de quem e de que partido ocupam o Palácio do Planalto no momento, isso não é tão simples assim.

Ilustração: Shutterstock

Lembra que as decisões precisam ser tecnicamente boas e que é necessário ter credibilidade? Então, pela legislação brasileira, taxa-se a renda, não uma simples movimentação financeira. E, no texto da medida do Pix, fala-se em monitoramento de “movimentações financeiras” acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e de R$ 15 mil para pessoas jurídicas”, que passariam a ter o olho ávido da Receita Federal. Um vendedor ambulante de pão de queijo que recebesse o total de R$ 5.001,00 em pagamentos por Pix, porque todo mundo aceita Pix e ele deu um duro danado trabalhando em shows, portas de estádios de futebol, de escolas, na chuva e no sol etc., seria detectado pelo implacável algoritmo da Receita. Como não é difícil imaginar que 60% desse valor é do custo do produto que ele terá de pagar ao fabricante, afinal ele é só um vendedor, os 40% de renda mensal efetiva dele ficariam pouco acima de R$ 2 mil. No ano, seriam R$ 24 mil, muito abaixo da renda anual mínima de até R$ 27.110,40, isenta do pagamento de imposto de renda. Mas a vida é dinâmica. Vai que ele recebeu de um amigo, via Pix, um empréstimo de uns R$ 300 para completar o aluguel de determinado mês porque as vendas até o dia do vencimento não fechavam a conta? Teríamos um potencial sonegador com “movimentação financeira” no Pix de R$ 5.301,00 a ser escrutinado sem dó por um fiscal que, convenhamos, só estaria fazendo o trabalho dele.

Toda a estrutura de fiscalização do governo sobre um trabalhador que vende pão de queijo para sobreviver, feito por outra pessoa que faz pão de queijo na cozinha de casa também para sobreviver, que receberá uma carta, numa sexta à noite, para se explicar num posto da Receita na manhã da segunda-feira. O que o governo não entendeu é que o cidadão reagiu à possibilidade de ter a mão pesada do Estado e de uma gestão incoerente, cheia de burocratas que não querem ouvir os seus motivos ao simplesmente dizerem que estão cumprindo a lei. Nessa hora, sabemos, nivela-se por baixo, não se presume a boa-fé do contribuinte. Se não gostar, que vá à Justiça! Um vendedor ambulante de pão de queijo que anda quilômetros com uma cesta, de evento em evento, de porta em porta, ir à Justiça? Qual? De quem? Onde? Quando? Quanto demora? Quanto custa?

Ilustração: Shutterstock

A informalidade não é um desejo da população

A revolta do Pix não se deu porque o trabalhador não quer contribuir com o país, pagando sua parte dos impostos. Tampouco este articulista defende qualquer sonegação. A isonomia é justa por princípio e precisa, dentro da lógica da razoabilidade e da proporcionalidade, ser aplicada a todos. Mas a informalidade não é um desejo da população. Pesquisas sérias demonstram há muito tempo que são a precarização da economia, a sucessão de crises, a alta carga tributária, os abusos do poder público, a burocracia e a falta de transparência do andar de cima de Brasília que empurram os brasileiros para a informalidade. Quer um exemplo cabal, made in Brasil com “s”, do desejo do brasileiro de se formalizar, de fazer tudo certinho e bonitinho, à risca? Basta ver o sucesso e o aumento dos inscritos no MEI, o programa voltado para microempreendedores individuais, que pagam taxa fixa um pouco acima de R$ 70 mensais. Os dados de 2022, os últimos disponíveis, mostram que 14,5 milhões de brasileiros eram MEIs. Destes, mais de 133 mil tinham um funcionário, e a maioria era de prestadores de serviços (51,5%) e de comércio (28,2%). Vender pão de queijo numa lojinha de bairro ou na porta de estádio de futebol e de arenas de shows é o que mesmo?

O que o governo Lula 3 precisa entender é que não se deve subestimar a inteligência do brasileiro nem jamais usar a força das ditaduras para calar opositores ou cidadãos indignados, como promete a Advocacia-Geral da União ao ameaçar perseguir críticos em mais um pedido de investigação na Polícia Federal por alegação de desinformação. Povo na rua e nas redes sociais é democracia. Diante de dúvidas, reclamações, memes, postagens e afins, certas ou não, ao governo cabe explicar, explicar e continuar explicando.

Foto: Shutterstock

Cem anos de sigilo

Os fatos sempre vão prevalecer. Afinal, alguém em sã consciência duvida que o país registrou o recorde de focos de incêndio no ano passado sob o atual governo, que também fez o Brasil ser o triste líder mundial em casos e mortes por dengue? Que faltam vacinas e medicamentos nos postos do SUS ou que as estatais voltaram a dar prejuízo? Que Lula 3 gasta muito mais do que arrecada e que tivemos mais um déficit público no ano passado, depois do rombo de 2023? Todo mundo sabe também dos gastos crescentes de Janja, do sofá, da cama, que os móveis não tinham sumido e das viagens presidenciais e alianças com governos ditatoriais que envergonham a história da diplomacia brasileira. Ninguém duvida.

Todo mundo está vendo tudo. Inclusive que Lula não para de decretar sigilo de cem anos em quase tudo o que se mexe no governo. Em nome da transparência?

 O Pix e os 20 centavos são fichinha.

Leia também “A hora da verdade sobre Lula”

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