Durante uma cerimônia na Assembleia Nacional, sob forte esquema de segurança, o ditador Nicolás Maduro foi empossado mais uma vez na Presidência da Venezuela, na sexta-feira 10. A eleição fraudada pelo chavista, em 28 de julho do ano passado, concedeu a ele um terceiro mandato de mais seis anos. O evento no Congresso Nacional registrou a presença de aliados do regime, pouco mais de cem diplomatas e apenas dois chefes de Estado de países sem qualquer vestígio de democracia: Daniel Ortega, da Nicarágua, e Miguel Díaz-Canel, de Cuba. O cenário revelou o isolamento internacional de um governo agonizante, às voltas com uma crise popular de legitimidade — que atinge o ápice desde que Hugo Chávez chegou ao poder e só saiu dele morto, em 2013.
A temperatura dos conflitos internos, que estava relativamente baixa em virtude do arrefecimento dos ânimos entre oposição e Executivo, voltou a subir na semana na qual Maduro se sentou na cadeira de mandatário. O primeiro barril de pólvora que explodiu foi a detenção do genro do presidente eleito do país, o diplomata aposentado Edmundo González. Quatro dias antes do ato pró-Maduro no Parlamento, capangas sequestraram Rafael Tudares enquanto ele levava os filhos para a escola, em Caracas. Até agora não se sabe o real paradeiro dele. Suspeita-se, contudo, que tenha se juntado aos atuais 1.697 presos políticos enjaulados no El Helicoide, uma das mais temidas cadeias venezuelanas. Esse número é da ONG Foro Penal.
A captura de Tudares e de incontáveis opositores serviu de combustível para manifestações que haviam cessado desde a eleição do ano passado — quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou a vitória de Maduro, os opositores recuaram nos protestos, com receio de mais prisões pelo regime. A líder da oposição, María Corina Machado, deixou o esconderijo onde estava, na capital, e se uniu aos protestos em 9 de janeiro. O ódio da ditadura também alcançaria a opositora. Pouco depois de terminar o ato, agentes do regime pararam o carro onde estava a ex-deputada e, com armas de fogo, determinaram que ela desembarcasse. Durante três horas, María Corina ficou sob custódia dos chavistas, que só a libertaram depois da gravação de um vídeo, a mando da ditadura, em resposta à pressão internacional imediata que se sucedeu ao ataque. Membros do governo levaram ainda para o cárcere incontáveis pessoas, cuja quantidade a oposição ainda não contabilizou.
#AHORA Circula video en el que María Corina Machado asegura estar libre: “Estoy bien y a salvo; Venezuela será libre”. pic.twitter.com/PP9mJbDgSv
— Foreign Affairs Latinoamérica (@ForeignAffairsL) January 9, 2025
Para opositores, o rapto de Tudares e o gesto de Maduro contra María Corina serviram de aviso para González, que prometera voltar à Venezuela a fim de tomar posse no mesmo dia que seu adversário. Controlada pelo chavismo, a Procuradoria-Geral da República do país emitiu uma ordem de prisão em nome do ex-diplomata, hoje exilado na Espanha. Atualmente, o presidente eleito tem feito uma série de viagens a países latino-americanos com a finalidade de esclarecer as irregularidades no processo eleitoral e explicar como foi eleito com mais de 67% dos votos, enquanto Maduro teve 30%, em atas chanceladas pelo respeitado Centro Jimmy Carter, dos Estados Unidos.
Desde antes da disputa eleitoral, dezenas de pessoas ligadas a María Corina têm sido detidas pelo regime. Os nomes mais conhecidos são Emil Brandt, diretor de campanha, Milciades Ávila, que cuidava da segurança, além de Juan Freites, Luis Camacaro e Guillermo López, representantes de María Corina que a ajudavam em outros Estados. Os acontecimentos se assemelham bastante ao que ocorreu com os ex-deputados Daniel Silveira, hoje no presídio de Bangu 8 (RJ), Roberto Jefferson, que está em um hospital no Rio de Janeiro, e o ex-assessor da Presidência para Assuntos Internacionais Filipe Martins, que passou seis meses no Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná, conhecido como “a grande cadeia dos presos da Lava Jato”.
Ditador de Lula
Nas redes sociais, líderes mundiais, entre eles o presidente eleito Donald Trump, condenaram a posse de Maduro, bem como o atentado que atingiu María Corina e as ameaças a González. Exceto Lula. O Itamaraty publicou um comunicado, de nove linhas, no qual o trecho mais importante informou que “o governo federal acompanha com preocupação as denúncias de violações de direitos humanos a opositores do governo na Venezuela”. Em nenhum momento o Ministério das Relações Exteriores classificou o regime chavista como ditadura, assim como, até o momento, não viu a fraude eleitoral escancarada que a União Europeia, Argentina, Paraguai e Chile enxergaram no país desde o fim de 2024, quando a oposição apresentou ao mundo aproximadamente 80% das atas obtidas do CNE.
O “silêncio protocolar” de Lula, como disse o Planalto, e a aparente neutralidade do Itamaraty escondem o verdadeiro posicionamento do Palácio. Apesar de não ter ido à posse de Maduro, Lula enviou em seu lugar a embaixadora Glivânia Maria de Oliveira, em claro aceno ao ditador, embora publicamente o discurso seja de “não reconhecer nenhum dos lados”. Paralelamente, o presidente não se opôs à iniciativa do PT de enviar uma comitiva de quatro militantes: o historiador Valter Pomar, a psicóloga Mônica Valente, ambos com cargos no Grupo de Puebla (novo nome do Foro de São Paulo), e Camila Moreno e Vera Lúcia Barbosa, que trabalharam no governo de transição de Lula. Com o partido, estiveram ainda integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Representantes da Juventude do MST publicaram um vídeo, nas redes sociais, em que comemoram o “momento histórico do povo venezuelano e importante para o MST”.
MST na posse de Maduro na Venezuela pic.twitter.com/6PjOvxQudm
— Newton Pará (@NewtonParaBR) January 11, 2025
Lula também não disse uma palavra em relação à ordem de Maduro para fechar a fronteira com o Brasil até tomar posse, o que atrapalhou, durante três dias, ações da Operação Acolhida, responsável por ajudar refugiados venezuelanos. O presidente se calou sobre os aliados de María Corina que estão abrigados na Embaixada da Argentina na Venezuela, tutelada pelo Brasil desde o dia em que Maduro rompeu com o presidente Javier Milei. O regime tem assediado constantemente a representação diplomática ao enviar capangas fortemente armados para cercar o edifício. Os homens encapuzados costumam cortar a água e a energia do local, assim como impedir a entrada de comida.
Em outras oportunidades, Lula ficou em silêncio quando Maduro subiu o tom contra ele. Em um pronunciamento pouco antes da eleição do ano passado, Maduro mandou o petista “tomar chá de camomila”, em resposta à declaração do presidente segundo a qual ele “se assustou” com a promessa do chavista de “um banho de sangue”, caso perdesse a eleição. O posicionamento subalterno era previsível. Logo nos primeiros meses do governo Lula 3, o petista recepcionou Maduro no Planalto — em maio de 2023. A visita do ditador teve direito a frases que zombaram da imprensa, além da agressão a uma jornalista da TV Globo.
Ora, ora… Então os seguranças do Maduro e do GSI agrediram jornalistas na saída do ditador do Itamaraty? Incluindo a Delis Ortiz, da Globo?
— Carol De Toni (@CarolDeToni) May 31, 2023
Nenhuma surpresa, afinal. Agora resta saber se, dessa vez, caiu a ficha pra estes jornalistas ou se não cai nem assim… pic.twitter.com/Yu83jUaHNo
No quesito política externa, Lula 3 tem tido posturas erráticas diante de conflitos estrangeiros, sempre a favor do agressor. Entre eles estão a invasão da Rússia à Ucrânia, o revide de Israel contra ataques do grupo terrorista Hamas, e as ameaças da China a Taiwan. O alinhamento do Planalto a ditaduras tornou o Brasil um pária no cenário internacional, além de pôr em xeque o discurso pró-democracia de Lula, encampado por todos que o devolveram ao poder e, indiretamente, apoiaram a “democracia relativa” venezuelana — o termo foi usado pelo petista pela primeira vez quando Maduro esteve em Brasília. Resta saber se Lula vai continuar tomando um chá de camomila enquanto Maduro promove um “banho de sangue” contra a oposição.
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Lembrando que houve perseguições durante a campanha presidencial em 2022 a quem dissesse que Lula era alinhado a Maduro. Quem cala consente. E o consentimento de Lua aconteceu com a presença de representantes de seus partido no ato da posse do ditador. A campanha de Bolsonaro ficou prejudicada, pois o candidato foi amordaçado de proibições, por aquele que comanda o arbítrio de hoje, e que presidia o TSE naquele ano.